quarta-feira, 24 de março de 2010

George & Jim

Um olhar sobre o primeiro longa de Tom Ford



A safra de filmes com temática homossexual tem crescido consideravelmente, embora seja a maior parte voltada ao universo masculino. Recentemente o cinema nacional abordou o romance incestuoso entre dois irmãos, e no início do mês chegou às telas do país o primeiro longa do estilista e agora diretor Tom Ford. Trata-se da história de George (Colin Firth), um professor de meia idade que não se acostuma com a morte se seu companheiro Jim (Mattew Goode), que morreu num acidente de carro. Após o rompimento forçado de seu relacionamento, o professor passa a sentir a dor da perda de seu grande amor e passa a conviver com a incapacidade de lidar com isto. Essa é a trama principal de A Single Man, que aqui no Brasil ganhou o título Direito de Amar.

O filme fala sobre os medos que afligem uma pessoa, seja ela quem for. Já parou para pensar quais são os seus medos e se seria possível lidar com eles, encará-los? Quem estiver esperando uma trama cheia de cenas picantes e corpos se roçando, pode se decepcionar. Ford está muito mais para as entrelinhas do que para o óbvio, muito mais para a beleza do que para o grotesco, muito mais para o romantismo do que para o imediatismo, muito mais para a sensualidade do que para o apelativo. O longa aborda entre outras coisas, a durabilidade de um relacionamento homossexual, um relacionamento verdadeiro que é rompido bruscamente por uma fatalidade.

O perfeccionismo do diretor no mundo da moda se reflete claramente no filme. Está tudo impecável, do figurino aos penteados. A vida de George está muito lenta e é assim que ele passa a ver o mundo que o cerca. Seus sentidos estão aflorados e tudo passa a ser percebido por ele. Os detalhes, os olhares, os gestos, os odores, as lembranças. Oito meses sem Jim não foram suficientes para acalmar seus ânimos. O tempo parece ter aflorado suas angústias, o levando ao precipício. Direito de Amar vem na contramão dos relacionamentos vazios e meramente quantitativos. George não se deixa levar pela oferta de sexo fácil na tentativa de aliviar momentaneamente sua dor, que no senso comum seria a solução mais viável e certeira de agradar o público.

Tudo está muito à flor da pele pelo fato de ter vivido um grande amor que durou 16 anos e só foi interrompido pela morte trágica. O filme não fala exatamente sobre o amor, mais sim sobre a ausência dele em tempos em que a durabilidade de um relacionamento é ínfima. Nessa era de deixar aflorar apenas os desejos carnais e a experimentação cada vez mais acelerada por relações frívolas e sem nenhum compromisso, Direito de Amar apresenta sutilmente a possibilidade de levar uma história de amor por longos anos, principalmente ao se tratar de um relacionamento homossexual, que geralmente não são duradouros.

domingo, 21 de março de 2010

Durabilidade e Frivolidade - conto

Rafael conheceu Jonas numa boate. Mal deu tempo de se atrair direito porque Jonas se aproximou de forma tão rápida que o primeiro beijo veio sem muito pensar. Bom o suficiente para continuar por muitos minutos. Jonas estava regido pelo álcool. Rafael, pelo romantismo de sempre e pela insistência em acreditar que ainda possa haver beleza nas ações das pessoas. Mas logo Rafael percebeu que o lance de Jonas era apenas diversão e sexo, mas naquele momento era conveniente aproveitar e se divertir enquanto durasse o efeito do álcool.


Jonas logo tratou de sentir de perto o quanto Rafael estava excitado. E ele realmente estava e a coisa foi esquentando tanto que logo estavam trancados no banheiro e o sexo foi apenas consequência. Após o ato, Rafael pensou que dali cada um seguiria seu rumo, como acontecia sempre, mesmo contra sua vontade. Mas foi surpreendido pela atitude de Jonas, que mudou bastante seu comportamento. Foi ficando mais carinhoso, atencioso, jovial. Foram para a pista e ficaram dançando a noite toda. Seus beijos foram embalados pelos mais empolgantes flashbacks.


Rafael sabia que estava consciente e como sempre ficou fantasiando uma relação posterior. Sabia que as chances eram pequenas, mas sempre preferiu acreditar nas possibilidades. Já havia se decepcionado em tantas outras histórias, mesmo assim nunca deixou de acreditar que assim como ele, deveria existir mais alguém no mundo que também estivesse procurando alguém para namorar, para curtir, e para dividir uma história. Não queria sair dali e pensar que sua chance estaria vindo de forma torta. Resolveu apostar, principalmente porque Jonas estava se entregando e parecia mesmo de verdade.


Continuaram dançando com mais alguns amigos de Jonas até que o dia amanheceu e tiveram que sair. Na rua, ficaram abraçados enquanto conversavam numa esquina. Rafael ouvia a conversa de Jonas e de seus amigos, também alcoolizados. Eles riam de tudo, falavam sem parar e mesmo se sentindo um estranho naquela situação, quis ficar e aproveitar os momentos bons que estava vivendo. Jonas continuou carinhoso e Rafael resolveu se dar uma chance. Aceitou de prontidão o convite de Jonas de irem a uma festa de aniversário com pessoas que nunca poderia encontrar numa outra situação.


No aniversário, foi recebido por Jonas com um beijo caloroso, um abraço forte e em seguida o deixou sozinho para que interagisse com as outras pessoas, mas Rafael não conseguiu. Ficava quieto nos cantos, disfarçava um sorriso para um, um gole de cerveja com outro, uma frase, um gesto leve. Mas, e Jonas? Se divertia e conversava com todos, menos com Rafael. Vez ou outra passava, dava um beijo e saía para curtir. Rafael se sentiu só, mas tentou compreender que esse era o jeito de Jonas. Mais tarde, eles se entenderam, foram para um quarto e deixaram o desejo tomar conta de si. Dormiram. No dia seguinte foram embora juntos. Poucas palavras. Era o fim, pensou Rafael.


Estava enganado. Logo que se separaram recebeu uma mensagem de Jonas, em seu celular. Era uma daquelas frases bonitinhas, capazes de destruir qualquer possibilidade de indiferença. Ficou feliz e retribuiu. E assim foram dezenas de mensagens durante toda a semana. Novamente se encontraram na mesma casa da festa do aniversário, só que agora ,com bem menos pessoas. Para tentar um entrosamento com o pessoal, resolveu tomar seu primeiro porre. O vinho mais vagabundo. Todos beberam, fumaram. Não queria acreditar que Jonas não era para uma pessoa apenas. Era do mundo.


Mesmo com todas as evidências, continuou acreditando que a história deles poderia ter continuidade pela força de seus beijos. Mesmo estranhando um pouco, Rafael curtiu o momento e procurou não ficar questionando muito. Dormiu num sofá qualquer sob o efeito do vinho. Acordou super cedo com a cabeça latejando. Ai, isso é que é a tal da ressaca, pensou interrogativamente. Mesmo depois de tudo, Rafael e Jonas foram embora juntos novamente. Rafael sempre se perguntando o que aconteceria após se separarem. Nem precisou pensar muito. Minutos depois seu celular apitou. Era mensagem de Jonas. Ficou feliz.


Continuaram se falando durante a semana. Não tocaram no assunto e marcaram uma balada na sexta. Foram juntos e Jonas mantinha sempre uma certa distância. Na boate, Jonas se demonstrou muito distante, embora estivessem juntos o tempo todo. Rafael não entendia por que Jonas dançava com todas as garotas da festa, se apresentava e ficava logo amigo de todas elas e o deixava em segundo plano. Várias garotas foram se aproximando e entravam na roda para dançar com ele. Rafael não sabia lidar direito com a situação e tentava disfarçar um sorriso, mas no fundo estava se sentindo sozinho. Jonas dava selinhos e dançava coladinho a todas. Mal sabia ele que Rafael estava querendo a mesma coisa.


Num momento, o casal foi para outro ambiente com duas garotas que Jonas tinha conquistado a amizade. Enquanto Rafael conversava com uma, Jonas conversava com a outra, até que Jonas a beijou na frente de Rafael, que não soube reagir. Não sentiu ciúme, sentiu-se só. Eles estavam juntos, e novamente Rafael tentou ficar bem perante aquela cena desagradável. Depois conversaram e Jonas disse que foi apenas um beijo e justificou: ela é mulher e estava carente! Jonas reafirmou que estavam juntos, mas que poderiam beijar mulheres, só não poderiam beijar homens. Rafael entendeu e como estava combinado, não se importaria mais.


De volta à pista, refletiu e chegou à conclusão que após aquela noite daria um basta e que não mais se submeteria a uma situação assim. Gostava muito de Jonas, mas teria que gostar mais de si próprio. Procurou se divertir também com outras garotas, dançou. O problema é que Jonas tinha uma vivacidade, uma energia e um jeito tão especial de tratar as pessoas que Rafael não sabia direito a que conclusão chegar. De repente, passa entre eles um jovem cadeirante. Uma moça empurrava a cadeira de rodas e as pessoas abriram caminho para ele passar. O rapaz estava super feliz, dançando em sua cadeira e Jonas não hexitou: começou a interagir com o jovem e os dois começaram a dançar.


Jonas segurou a mão do rapaz e os dois dançaram. Jonas rodava a cadeira, rodopiava, beijava a mão do rapaz. O cadeirante estava visivelmente encantado com a abordagem tão gentil. Rafael se sentiu desarmado. Como posso me deixar levar por tanta mesquinharia perante esse gesto tão nobre, se perguntava ele, que havia se deparado com o que de mais belo poderia encontrar em seu caminho. Possivelmente Jonas nunca saberá que aquele ato ficou imortalizado na cabeça de Rafael. Uma das cenas mais bonitas já vistas por ele. Tudo se tornou muito pequeno perante todas as outras coisas.


Eles voltaram pra casa juntos. Logo ao se separarem, a mesma dúvida de sempre: será que vai continuar? Dois minutos depois uma mensagem no celular sinalizava que sim. E outras e outras e outras. Até que Jonas sumiu por um dia. Ficou sem responder mensagens, sem se manifestar e Rafael percebeu que estava muito mais envolvido do que imaginava. Depois Jonas mandou uma mensagem com uma desculpa que Rafael não acreditou, nem questionou. Não se achou no direito, preferiu calar. E continuaram trocando mensagens carinhosas, envolventes. Dois dias depois marcaram um encontro.


Se encontraram e Jonas avisou Rafael que a garota que ele tinha beijado, naquela balada, também participaria do encontro. Tinham se tornado amigos. Rafael não soube direito o que fazer, nem tinha. Foram caminhando até onde haviam marcado e ao atravessar a rua Jonas disse que gostava muito dele, mas que deveriam ser apenas amigos. Rafael já havia tido todos os sinais possíveis e não quis acreditar neles. Não disse nada. A garota chegou, se cumprimentaram, foram para um bar. Conversaram civilizadamente. Depois de alguns minutos Rafael se despediu do casal e foi para sua aula sabendo que o mundo que o cerca não vai mudar, assim como sabia que esse mesmo mundo não o faria deixar de acreditar nas possibilidades de uma história de verdade. E seguiu caminhando.

terça-feira, 2 de março de 2010

Dourado x Angélica no BBB 10


Eliminação de lésbica causou discussões envolta da temática homofóbica


A eliminação da sister Angélica, ex-participante do BBB 10, da Globo, gerou diversos questionamentos sobre preconceito e intolerância que repercutiu não só no Brasil, como no mundo. O fato foi que o sétimo paredão, envolvendo os outros dois brothers Dourado e Dicésar, vai muito mais além do que um veredito de homofobia.

Não dá para ficar julgando que a rivalidade entre Dourado e Angélica tenha sido fruto de preconceito sexual. É só voltar a fita e ver que os dois estavam se dando muito bem. Até confidentes eles eram. Quem viu deve lembrar do dia em que ela pediu a opinião dele sobre o que ele faria se estivesse gostando de alguém da casa e ele disse que não saberia agir, mas se ela sentisse abertura em relação a uma das garotas, que fosse em frente e investisse. Ele ressaltou que é muito tímido para tomar iniciativa, mas que se ela deveria agir, se sentisse vontade.

Tudo ia bem entre eles até o momento em que Dourado, numa das conversas envolvendo Lia, declarou que tinha ficado feliz por esta ter voltado do paredão que eliminou Lena. Ele disse ter ficado contente por ela ter ficado, já que a considera sua aliada no jogo. O fato do brother ter usado a palavra aliada, ao invés de amiga, deixou Angélica incomodada porque ela cansava de dizer que “jogava com o coração”, dentro da disputa. Ela o questionou e eles entraram em atrito. Nem a própria Lia se incomodou com a forma que Dourado a caracterizou, o que também incomodou Angélica. Chamar isto de homofobia é precipitar-se demais. Não foi a sexualidade o pivô da discussão. O fato de um hetero brigar com um homossexual o caracteriza em delito homofóbico?

Claro que todo esse rebuliço não anula as grosserias de Dourado. Que ele tenha proferido várias frases preconceituosas contra os gays é inegável e claramente perceptível, assim como é possível ver que o moço consegue fazer uma auto-análise e voltar atrás sobre suas declarações e comportamento. Quem é que não lembra da cena envolvendo ele e Serginho numa das refeições na casa, em que ele perdeu o apetite quando o garoto começou a falar sobre sexo envolvendo homens? Foi realmente um comentário muito infeliz da parte dele, mas que depois ele reconheceu o erro e conversou com Serginho frente a frente, reconhecendo a grosseria e se desculpando. Se tudo não passou de jogo é outra história.

O fato dele ter declarado abertamente que gostaria que Angélica deixasse o jogo foi porque ela,que se dizia “jogar com o coração”, foi contar toda a história para outros participantes e combinar voto para colocá-lo no paredão. Isso é jogar com o coração? (se é que se pode considerar frase tão infame e penosa aos ouvidos). Ele percebeu a trama de Angélica e a briga ficou ainda pior. Só porque alguém da casa vota em alguém que é gay isso o torna homofóbico? Vale lembrar que o próprio Serginho votou em Angélica, quando saíram do quarto branco, sem saber que ela já estava emparedada por decisão da casa. Lembrar também que Dicésar votou em Serginho sem saber que este tinha ganhado a imunidade do público ao permanecer por 50 horas confinado no tal quarto. Dicésar tinha a opção de votar em Cláudia, que não é lésbica, em defesa dos coloridos Serginho e Angélica, mas não o fez.

Declarações homofóbicas Dourado realmente já proferiu aos punhados na 10ª edição do BBB, assim como também está mostrando que consegue perceber seus erros, consegue discutir e ouvir os outros e parece que está aprendendo muito com isso. Mas afirmar que o Brasil é homofóbico apenas, levando em conta a eliminação de uma candidata lésbica, é no mínimo, precipitado. Talvez tenha ficado muito mais em evidência o fato de Angélica ter feito o que condenava em Dourado: a combinação de votos. Talvez o fato dela ter “causado intriga, feito fofoca”, como ele próprio acusou o tempo todo, tenha sido um dos motivos que levou à sua eliminação até porque tinha outro candidato gay no paredão, Dicésar, que ficou apenas com 7% dos 77 milhões de votos. Por que ele também não foi alvo dos votos? Vale refletir.

Sabe-se que o caso ganhou notoriedade em diversas partes do mundo e a comunidade gay se mobilizou em defesa da moça. Até o músico Boy George fez declarações e pedidos no Twitter. Ele escreveu que um homofóbico lidera o BBB 10 e pediu para que os brasileiros o eliminassem do programa, se referindo a Dourado. Se formos nomenclaturar tal declaração como poderíamos chamá-la? Heterofobia? Se for seguir a lógica usada contra Dourado, parece que sim. Mas não vem ao caso ficar inventado mais moda.

Dourado, assim como outros brasileiros não sabem lidar com a homossexualidade, mas isto não os torna homofóbicos, talvez ignorantes. Dentro da própria comunidade gay existem divergências. Tem gay que não suporta e até faz comentários maldosos em relação a outros gays. Tem gay musculoso que não tolera gay afeminado. Tem afeminado que não admite relação com gays mais reservados. Os mais reservados que não aguentam os mais cult´s. Os cult´s que não se dão bem com os mais esnobes... Assim como no universo heterossexual, mulheres e homens não se dão bem com outras mulheres e homens, mas não por causa de suas sexualidades e sim pelo convívio, pelos gostos, pelas afinidades, pelas escolhas... enfim, motivos é o que não faltam para gostar ou desgostar de alguém e nem sempre a sexualidade é o principal fator.

Se o Brasil é tão homofóbico como foi dito por várias pessoas por causa da eliminação de Angélica, como esse mesmo Brasil deu o prêmio máximo, do BBB 5, ao gay assumido Jean Wyllys? Ele venceu porque mostrou ter uma personalidade que causou identificação na maioria do público. Mostrou seu caráter, seu carisma, sua autenticidade e sua simpatia, independente da sexualidade. Ele não foi eleito por ser gay. Foi eleito por ter demonstrado saber conviver, respeitar e se relacionar com o outro da forma mais íntegra possível. Outros candidatos homossexuais passaram pela casa, em outras edições e foram eliminados como outros tantos heterossexuais que nada ou pouco tinham a acrescentar ou a mostrar. E assim continuará sendo.

Everson Bertucci