quinta-feira, 30 de abril de 2009

HORÓSCOPO DE QUINTA - POR MADAME CHARLA

O único Horóscopo que dá azar ler só o seu. Aqui é obrigatória aquela olhadela no signo do vizinho. Toda quinta: o que dizem os astros à Madame Charla sobre os signos do zodíaco. Sempre dois por vez

AQUÁRIO
Pare de achar que a vida é essa rotina ridícula de só trabalhar. É chegada a hora de se libertar das “correntes”, ou você prefere ficar gorda, barriguda e muxibenta atrás de uma mesa de escritório agüentando o mau humor da sua chefe varizenta e almoçando aquela comida gordurosa do Mc Donald’s? Agooooooora!


GÊMEOS
Se você é daquelas que vive na dúvida, está na hora de experimentar. Saia por aí descobrindo o que de bom há no mundo. Faça como uma amiga minha, experimente de tudo. Ela saiu por aí experimentando, experimentando, descobriu que era lésbica e hoje é uma pessoa feliz. Não é lindo?!?!

Madame Charla

quarta-feira, 29 de abril de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 40 - jardim de rosas vermelhas

Venho pensando muito na morte. Talvez seja a solução, apesar do meu medo. Não quero fazer mais nenhuma vítima. Vejo-a como solução para a solidão, o sofrimento, a angústia, essa dor silenciosa que me mata... “dor silenciosa que me mata”. Devo estar mesmo ficando louca! Nem assim consigo chorar. Apesar do meu medo, vejo a morte como um jardim de rosas vermelhas. Se olhar fixamente para elas, elas vem e te desligam.

Autoria: Everson Bertucci

terça-feira, 28 de abril de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 39 - o olhar da solidao

Hoje fui tomada por um momento sublime, diário. Lembranças de um amor que poderia... me veio à memória o momento do primeiro contato. Diário, nos conhecemos num lugar em que, normalmente, as pessoas não se conhecem. Pelo menos não para se amar. Num lugar em que nenhum de nós dois poderia imaginar encontrar alguém para se relacionar. Ele que me abordou. No primeiro momento não me interessei, mas sua delicada insistência me fez olhar dentro de seus olhos. Foi isso, foi neste exato momento que me perdi. Seus olhos me seduziram e não resisti. Depois, seu senso de humor. Ele me fez rir, diário. De uma maneira tão leve e substancial que em questão de segundos tudo se apagou. Éramos só nós dois. Não havia mais ruídos, luzes, nem sequer vestígio humano. É isso que acontece quando se é encantada. Em seguida, o toque. A maneira de acariciar a minha mão, de tocar minha boca, de sentir o meu cheiro, de olhar bem dentro dos meus olhos e não precisar dizer palavra. Nunca me senti tão a vontade com alguém em tão pouco tempo. Eu sabia que era especial. Só não sabia que estava sozinha.

Autoria: Everson Bertucci

domingo, 26 de abril de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 38 - discussao hilariante

Dez minutos depois bateu o arrependimento e liguei pra ele. Veio dizendo que estava muito chateado, mas tudo bem. Tudo bem, nada. Quando a pessoa diz que está “tudo bem”, pode ter convicção: não está nada bem. Tive a certeza no encontro seguinte. “Fizemos amor” e ele começou a cobrar de mim um pouco mais de “empolgação”. Disse que eu estava muito passiva, que era só ele quem procurava e acabou voltando ao episódio do banquete. Eu não tenho culpa se ele é um devasso sexual. Ele não me dava tempo de sentir vontade. Nunca vi uma ganância pelo ato de fazer amor. Ai, diário, não estou reclamando, só constatando. Oi? Eu, querendo me gabar? Ai, diário, pára com isso! Claro que não. Sei que ele ficou cobrando uma postura sexual mais “descarada” da minha parte. Preciso te confessar uma coisa: nunca gostei tanto de ver – ou melhor, ouvir, pois as luzes estavam apagadas – alguém brigando comigo. Estávamos brigando por causa de sexo. Ele reivindicava a uma “atitude sexual mais ativa”. Eu adorei. Enquanto ele falava e falava, eu – no escuro – levei as mãos à boca e ria escandalizadamente feliz com as coisas que ele dizia. Foi uma briga linda. É claro que nas pausas que ele dava, eu respirava fundo e dizia alguma coisa do gênero “indignada com aquela discussão” e assim que ele voltava a falar eu voltava a rir. Tem noção do que é alguém discutir com você reivindicando sexo? Oi? Ah, tá! A minha vontade era de gargalhar. Mas nunca alguém havia brigado comigo daquela forma. Eu não podia estragar aquele momento. Sem falar que se ele desconfiasse que eu estava achando aquilo hilário, seria mais uma briga. Brigamos até a exaustão e “fizemos amor” mais uma vez.

Autoria: Everson Bertucci

sexta-feira, 24 de abril de 2009

O DIARIO DE ALICE - EPISÓDIO 37 - depois do banquete

Bem, diário, agora que estamos mais íntimos, vou te contar o que aconteceu depois do banquete. Comemos, foi tudo bonito e tranqüilo. Ele gostou, veio me beijando, me acariciando. Eu só queria dormir. Estava exausta. “Vamos fazer amor?”. “Agora não! Vamos dormir um pouquinho”. “Quero fazer amor com você”. “Depois”. “Não. Agora!”. Ai, diário, “fizemos amor” a noite inteira. Eu precisava dormir. Ele continuou insistindo e eu dizendo “não”. Até que na décima quinta tentativa dele eu não resisti e... “você está surdo ou o quê?”. Você acha que eu fui grossa, diário? Brigada pela gentileza, mas dessa vez eu reconheço: eu fui grossa. Mas ele precisava entender que sexo é pra ser gostoso e não uma tortura. É claro que ele não entendeu. Brigamos a tarde inteira um acusando o outro de ter estragado tudo. Não houve acordo. Ele foi embora convencido que eu havia estragado tudo e eu fiquei em casa – agora sem sono – achando o contrário.

Autoria: Everson Bertucci

quinta-feira, 23 de abril de 2009

HORÓSCOPO DE QUINTA - POR MADAME CHARLA


O único Horóscopo que dá azar ler só o seu. Aqui é obrigatóra aquela olhadela no signo do vizinho. Toda quinta: o que dizem os astros à Madame Charla sobre os signos do zodíaco. Sempre dois por vez


ÁRIES
Ih, meu bem, se você acha que vai sobrar dinheiro esse mês, pode esquecer! A lua minguante está transitando sobre seu signo e isso significa que você estará endividada. Passe longe daquelas vitrines maravilhosas. Controle-se. Deus é mais!


LEÃO
Se você é aquela típica leonina vingativa, é melhor rever seus conceitos. Afinal, como diria o Chaves “a vingança nunca é plena, mata a alma e envenena”. E alma morta e envenenada, ninguém merece. Portanto, não deixe este espírito maligno te dominar. Reaja!!!
Ilustraçao: Flávio Leal

quarta-feira, 22 de abril de 2009

O DIARIO DE ALICE - EPISÓDIO 36 - o olhar

Olha, querido diário, preciso te falar uma coisa de cunho íntimo e preciso que você prometa nunca contar nada pra ninguém. Promete? Oi? Te ofendendo, eu? Não, não é isso. Eu confio, mas preciso que você jure. É que muito é muito íntimo. Entenda. Você promete? Hein, diário, promete? Greve de silêncio de novo não. Fala alguma coisa. Não vai falar mesmo? Tá bom! Você tem razão. Acho que você já deu provas o suficiente de confiança. Lembra da noite em que o conheci e que o olhar dele me deixou extasiada... nós transamos naquela mesma noite. Ai, não sei. A loucura foi tanta que me entreguei logo de cara. Transamos e foi maravilhoso, ou melhor, “fizemos amor” como ele mesmo disse. Agora fala pra mim, um homem que logo na primeira transa diz que “fizemos amor” é ou não é o homem pra se lavar a cueca e fazer comida pelo resto da vida? Brigada!

Autoria: Everson Bertucci

terça-feira, 21 de abril de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 35 - retrato do sono

Ele não foi o único a surpreender. Eu também lhe fiz uma bela surpresa, que embora clichê, muito romântica. Passamos juntos a noite de aniversário dele. Eu fiz de conta que não lembrava de nada, a geladeira vazia, tudo normal como sempre. Mal sabia ele que eu iria lhe preparar uma surpresa. Levantei um pouco mais cedo e pé ante pé fui até a cozinha. Na tarde anterior, eu havia ido ao supermercado e comprado várias coisinhas que ele gostava de apreciar. Escondi tudo dentro da gaveta de baixo da geladeira. Coloquei umas sacolas de legumes por cima e deu certo, ele nem desconfiou. De manhãzinha, na verdade já dava quase meio dia, porém, “de manhãzinha”, levando em consideração que fizemos “coisinhas” até às seis da manhã. Depois de tudo pronto voltei para o quarto, coloquei a melhor toalha de mesa sobre a cama, deixei-a bem bonita e sobre ela, duas bandejas. Suco natural de pêssego, biscoitos doces e salgados, pão preto integral, frios, mamão cortadinho em cubos espetado no palito, alguns guardanapos coloridos, duas xícaras grandes e coloridas, para apreciarmos o suco natural de pêssego e finalmente, chocolate branco – que ele venera. “Ai que alívio!”. Sentei ao lado da cama e fiquei olhando ele dormir. Lembrei-me dos inúmeros dias em que coloquei meu sobrinho mais novo para dormir. Tinha esquecido como é lindo ver um anjinho dormir e sempre o mesmo desejo: que o tempo parasse perante aquela imagem do sono. Minha experiência com o bebê me fez acreditar que “o tempo não pára”. Acordei-o com um beijo quente no rosto. “Bom dia!” “Bom dia!”. “Que horas são?” “Hora de tomar café”. Retribuiu o beijo, diário. Ficamos abraçadinhos por alguns minutos e em seu ouvido eu perguntei “Tá com fome?” “Tô”. E apontando para o banquete, eu disse... Oi? Banquete sim, diário. Que petulância! Por quê não seria um banquete? Só porque era simples? Pois saiba que foi feito com muito carinho e é isso que importa. Me impressiona muito! Depois eu é que sou a insensível. Tá bom, eu desculpo. Perdi até a vontade de prosseguir. Oi? Tá bom. Apontei para o banquete e disse “então come!”. Ele ficou sem palavras. Totalmente surpreso. Foi tão bonito. Só pelo olhar que ele me lançou... valeu a pena, apesar do meu sono. Mas o olhar dele fez tudo valer a pena. “por quê tudo isso?” “Ah, porque você merece e por ser o seu aniversário”. Outro beijo e outro e outro e outro e outro e outro e outro... ai, tá bom, diário, eu paro!

Autoria: Everson Bertucci

TRABALHO SOBRE FOTOGRAFIA

Quando informado sobre este trabalho e como teria de ser elaborado, levei um susto e me vi num contexto desesperador, pois as aulas que assisti levei como referência e como não tenho o hábito de fazer anotações, meu caderno estava totalmente em branco. O hábito referido se concretiza pelo fato de sempre ter existido em mim a “memória fotográfica”, que aliás, aqui soa como trocadilho.
Resolvi fazer um prospecto, não só das aulas assistidas, como também de referências visuais tidas ao longo de minha trajetória, já que através da fotografia dialogamos com o passado e somos os interlocutores das memórias silenciosas que elas mantêm em suspensão. O fato se dilui. Sobre o que se passou, têm-se apenas recordações, muitas vezes, embaçadas, fatos efêmeros de uma realidade em marcha, que se desvanecem, diluem-se nas suas próprias ocorrências, assim como a música tem o poder de resgatar momentos tidos como esquecidos e que um toque traz à tona realidades selecionadas pelo cérebro e por ele armazenadas.
Pensei em várias possibilidades de como elaborar este trabalho. Pensei em navegar por sites sobre o tema e ir colando alguns pontos principais e fazer uma mesclagem de algumas páginas, mas fiquei com medo de ser descoberto pelo professor. Afinal de contas nunca sabemos o que esses professores nos reservam. Principalmente quando estes são portadores de maletas pretas, e dentro delas: o desconhecido. Pensei “vai que ele descobre que eu fiz uma colagem e de dentro da maleta saca uma pistola e me elimina perante a classe como forma de repressão”, ou pior “vai que ele tira uma máquina fotográfica digital, de última geração, e registra toda a minha mediocridade e falta de dignidade ao fazer vários recortes da internet e colar, na cara dura, se titulando como autor destes recortes”. Enfim, não conhecendo o conteúdo da maleta, decidi buscar referências guardadas na memória e usar de um dos tópicos que o próprio professor sugeriu, e que eu coloquei como principal, que é o elemento da criatividade, mas sei que não vou dar conta de fazer como desejo.
Comecemos com uma poesia.


Retrato de Família


Este retrato de família
está um tanto empoeirado.
Já não vê no rosto do pai
quanto dinheiro ele ganhou.

Nas mãos dos tios não se percebem
as viagens que ambos fizeram.
A avó ficou lisa, amarela,
sem memórias da monarquia.

Os meninos, como estão mudados.
O rosto de Pedro é tranqüilo,
usou os melhores sonhos.
E João não é mais mentiroso.

O jardim tornou-se fantástico.
As flores são placas cinzentas.
E a areia, sob pés extintos,
É um oceano de névoa.

No semicírculo das cadeiras
nota-se certo movimento.
As crianças trocam de lugar,
mas sem barulho: é um retrato.

Vinte anos é um grande tempo.
Modela qualquer imagem.
Se uma figura vai murchando,
outra, sorrindo, se propõe.

Esses estranhos assentados,
meus parentes? Não acredito.
São visitas se divertindo
numa sala que se abre pouco

ficaram traços da família
perdidos no jeito dos corpos.
Bastante para sugerir
que um corpo é cheio de surpresas.

A moldura deste retrato
em vão prende suas personagens.
Estão ali voluntariamente,
saberiam – se preciso voar.

Poderiam sutilizar-se
no claro-escuro do salão,
ir morar no fundo dos móveis
ou no bolso de velhos coletes.

A casa tem muitas gavetas
e papéis, escadas compridas.
Quem sabe a malícia das coisas,
quando a matéria se aborrece?

O retrato não me responde,
ele me fita e se contempla
nos meus olhos empoeirados..
E no cristal se multiplicam

os parentes mortos e vivos.
Já não distingo os que se foram
dos que restaram. Percebo apenas
a estranha idéia de família

viajando através da carne.
O registro fixa o fato, atravessa dos tempos, perpetua a lembrança, preserva a memória, transporta ilusoriamente o passado, ou idéia dele. Todavia, o documento fotográfico também tem seu tempo de vida, sua duração, não importando a tecnologia de registro que o caracteriza. A fotografia tem inspirado grandes autores em todo o mundo, assim como o fez com nosso poeta mineiro, como podemos notar na poesia acima. Drummond, através, de sua escrita detalhada, remete o leitor a uma fotografia. Ao final da leitura da poesia o leitor tem em sua memória uma fotografia em preto e branco de uma família, com personagens muito familiares a quem lê.
Sabemos e montamos essa “fotografia” porque já nos habituamos ao seu formato e ao que ela representa. Mas, só temos essa referência fotográfica graças às descobertas de grandes inventores que virão a seguir.


OS QUATRO GRANDES INVENTORES

“A invenção raramente é devida ao acaso: ela corresponde a uma necessidade profunda e geral, tanto econômica como intelectual” (J. A. Lesourd e C. Gérald).

Joseph Nicéphore Niépce, recebe uma formação científica e enceta uma carreira de oficial. Com o seu irmão Claude, trabalha em diversas invenções, entre as quais um motor de explosão (1801), precursor do de Diesel, o pireolóforo, do qual registram patentes, em 1807 e 1817. em 1813, Niépce experimenta a litografia, inventado por Senefelder, em 1796, para reproduzir gravuras. As suas pesquisas orientam-se em duas direções: a reprodução de gravuras, tornadas translúcidas por meio de um verniz, e a reprodução de fotografias com a ajuda da câmara escura. Em 1816, fala a Claude numa imagem com sais de prata que obteve com valores invertidos e que não o satisfaz. Procura uma imagem com valores reais e desinteressa-se deste “negativo”. Cerca de 1819, experimenta o betume da judeia, produto castanho e viscoso, que os gravadores empregam na água-forte. Dissolve-se em essência de dippel e espalha-o sobre suportes diferentes: vidro, cobre prateado e estanho.
Nas suas experiências com a câmara escura são necessárias entre sessenta e cem horas para obter uma imagem. Niépce entra em contato com Louis-Jacques Mande Daguerre, em 1826, por intermédio do óptico Vincent Chavalier. Daguerre utiliza muitas vezes a câmara escura para desenhar os cenários do seu espetáculo de “som e luz” – o Diorama -, onde telas pintadas dão a ilusão do real, como a ajuda de jogos de luz.
Daguerre, mais novo e mais vocacionado para o lucro do que Niépce, deseja associar-se-lhe para explorar o que crê ser um bom negócio. No decurso de um encontro em Paris, em 1827, Niépce deixa-se seduzir pelo indivíduo e, vendo diminuir os seus meios financeiros, aceita finalmente assinar um contrato em 14 de dezembro de 1829, depois de inúmeras peripécias e de uma correspondência muito extensa. Neste contrato, Niépce “abdica da sua invenção” e Daguerre “emprega uma nova combinação com a câmara escura, os seus talentos e a sua indústria”.
Niépce morre em 1833, na sua casa do Grãs, sem ter aperfeiçoado muito o seu processo. Daguerre, nas suas pesquisas, continua a empregar iodo nas placas de cobre prateado e descobre que os vapores de mercúrio podem reforçar as imagens quase invisíveis à saída da câmara escura. É só em 1837 que usa a água salgada para fixar estas fotografias.
trata-se de um acessório para manter imóvel o pessoa fotografada.

Morto Niépce, Daguerre assina, em 1835, um novo contrato com o seu filho Isidore. Nele figuram os dois processos, minimizando o nome de Niépce, ao passo que o de Daguerre é o único ligado à invenção pomposamente designada como daguerreótipo.
Em março de 1839, Daguerre fica arruinado pelo incêndio do Diorama e deixa correr o boato que os Ingleses e os Russos pretendem adquirir a sua invenção. Isto leva o governo a conceder-lhe uma renda vitalícia de 6000 francos, enquanto a de Isidore Niépce não é senão de 4000.
A glória e a fortuna de Daguerre estão feitas. Conhecido, reconhecido, adulado, condecorado, beneficia plenamente da sua “indústria”. Apesar de tudo, elevam-se vozes para recordar que Niépce desapareceu completamente destes elogios. Francis Bauer e Isidore Niépce são os primeiros a dizê-lo.
Daguerre morre em 1851, tendo abandonado a fotografia em favor da pintura, a sua primeira profissão. A sua morte deixa a França indiferente. Todavia, o daguerreótipo está no seu apogeu: é usado no mundo inteiro.
Henri Fox talbot, notável homem de ciência, utiliza a câmara clara para desenhar, mas não fica totalmente satisfeito com ela. Desconhecendo os trabalhos de Wedgwood, bem como os de Daguerre e Niépce, faz ensaios com papel impregnado com nitrato de prata fixado com sal de cozinha desde 1834. estes primeiros “desenhos fotogênicos”, com valores invertidos (negativos), são realizados em cerca de dez minutos, em minúsculas câmaras escuras de 4 a 6 cm de lado. “Se a imagem assim obtida ficar suficientemente bem fixada para suportar a luz do sol, poderemos utilizá-la depois como objeto a copiar [...]”
Sem o saber, Talbot não faz senão o que Niépce já havia realizado, mas sem ter, conseguido fixar as imagens. É ele que a conselho do seu amigo Herschel, emprega a palavra fotografia (escrever com a luz). Estimulado por Daguerre e Niépce, aperfeiçoa a sua técnica e, em 1840 realiza, por acaso, a revelação da imagem latente, o que reduz o tempo de exposição a pouco menos de dez segundos.
Historicamente, é evidente que Talbot inventou o que será a fotografia moderna: o negativo-positivo, que aliás designa desta maneira, a revelação da imagem latente e a possibilidade de reproduzir as imagens.
Hippolyte Bayard, o mas ignorado dos quatro inventores, é um culto homem do Norte. Tendo tido conhecimento das pesquisas de Daguerre, em Janeiro de 1839, realiza, a partir de fevereiro, ensaios sobre papel sensibilizado e obtém provas positivas diretas com aspecto de desenhos, por causa da textura do papel. Mostra estas imagens a Arago, que protegendo Daguerre, não faz praticamente nada para o ajudar.
Antes da divulgação do daguerreótipo, a primeira exposição de fotografia da história, com cerca de trinta provas, no âmbito de uma festa de caridade, que a imprensa relata.
Só revela a sua técnica em 1840, à Academia das Ciências. Em 1841, para provar a anterioridade da sua invenção relativamente a Talbot, Bayard revela a sua existência, o que demonstra que também tinha inventado o negativo sobre papel com revelação da imagem latente.


A COR

Há três tipos de receptores de cor no olho humano: vermelho, verde e azul. Todas as cores que o olho humano pode perceber são combinações destas três cores primárias. Também há receptores para o branco e o preto, que não são tão sensíveis a luz.
O universo pictórico é um universo essencialmente colorido. A fotografia tentará reencontrar ao longo da sua história este realismo da cor. Os daguerreotipistas coloriam as suas imagens acentuando as cores, mas não foi senão em 1891 que foi criado, por Gabriel Lippmann, um primeiro método com resultados soberbos, ainda que muito difícil de aplicar.
Será o processo aditivo por transparências que dará os primeiros resultados práticos. Três negativos presos em três filtros coloridos (vermelho, verde, azul) e vistos ou projetados com os mesmos três filtros recriam todas as cores do espectro, pela adição das três cores primárias. Frédéric Ives aperfeiçoa o processo em 1885. Uma única chapa é impressionada através de um traço muito fino, colorido pelas três cores fundamentais. Os irmãos Lumière, quando criam a chapa Autochrome, em 1904, colocam a cor ao alcance de todos.
Em 1869, Louis Ducos du Hauron e Charles Cros descobrem uma mesma técnica de fotografia a cores. Este método dito subtractivo baseia-se na mistura dos pigmentos coloridos, como na tipografia. As dificuldades práticas deste método serão resolvidas por Leopold Mannes e Leopold Godowsky, que inventa o filme kodakchrome, em 1935, para a sociedade Kodak. Este filme “diapositivo” possui no suporte três camadas sensíveis que alternam com três camadas filtrantes e os corantes são depositados no decurso da revelação cromogenea muito complexa, ainda hoje utilizada.
Em 1941, são lançados o kodacolor e o agfacolor, mas sem a inversão, e que dão positivos sobre um papel concebido com uma técnica similar.
A última grande etapa na história da fotografia a cores será realizada pela Polaroid, em 1963, com o lançamento do Polacolor, que permite obter uma fotografia de 8x10 cm em um minuto.
Curiosidade: "Toda cor é uma interpretação que o cérebro faz dos sinais luminosos. Por isso, nunca se saberá ao certo se duas pessoas enxergam uma cor exatamente da mesma maneira. Às vezes, a percepção de uma cor pode ser afetada pelo efeito de contraste."
Pesquisa realizada por um laboratório de cores mostrou que as pessoas julgam subconscientemente uma outra pessoa, um ambiente ou um objeto pela cor. O emocional liga a cor a uma determinada situação:
Vermelho: perigo, quente, excitante, sexo.
Azul: masculino, frio, calmo, estável.
Branco: puro, honesto, frio.
Pastel: feminino, sensível, delicado.
Laranja: emoção, positivo.
Negro: morte, poder, autoridade, seriedade.
Rosa: feminino, quente, ardente.
Verde: natureza, conforto, esperança, dinheiro.
Amarelo: sol, calor, calma, tranqüilidade.

Algumas características da cor:
O contraste mede a separação entre valores de um determinado matiz.
O brilho mede a quantidade de cor branca adicionada à cor.
A saturação mede a quantidade de uma determinada cor presente na mistura.

SEQÜÊNCIA FIBONACCI

0 1 1 2 3 5 8 13 21 34...
Segundo Fibonacci, toda arte visual, para ser atraente segue a seqüência do “3” em que os olhos “na obra” fica no terço superior da imagem.
A divisão, na seqüência acima, de um número qualquer pelo seu antecessor resulta em 1,6... Tal seqüência é muito utilizada na publicidade.

KANDINSKY

Segundo Kandinsky alguns determinados pontos na tela despertam algo no espectador. Um ponto no centro, equilíbrio. No esquerdo superior, pouco notado. No direito superior, incômodo. No esquerdo inferior, agradável. No direito inferior, pouco incômodo. Sabendo destes princípios, pintores utilizaram deles para compor suas obras. O cinema e a televisão também o fizeram e o fazem.
A LUZ

Para que possamos compreender o fenômeno da fotografia, é necessário conhecer algumas propriedades físicas da luz. A luz é uma forma de energia eletromagnética radiante, à qual nossos olhos são sensíveis. A maneira como a vemos e como a fotografamos é diretamente afetada por duas importantes características da luz: ela viaja em linha reta e a uma velocidade constante. A luz pode ser refletida, absorvida
e transmitida.
Quando a luz é refletida por um objeto, se propaga em todas as direções.O orifício de uma câmara escura, quando diante desse objeto, deixará passar para o interior alguns desses raios que irão se projetar na parede branca. E como cada ponto iluminado do objeto reflete assim os raios de luz, temos então uma projeção da sua imagem, só que de forma invertida e de cabeça para baixo. Como cada ponto do objeto corresponde a um disco luminoso, a imagem formada possui pouca nitidez e, a partir do momento em que se substitui à parede branca pelo pergaminho de desenho, esta falta de definição passou a ser um grande problema para os artistas que pretendiam usar a câmara escura na pintura.


A CÂMARA ESCURA

A primeira descoberta importante para a fotografia foi a "câmara obscura". O conhecimento de seus princípios óticos se atribui a Aristóteles, anos antes de Cristo, e seu uso para observação de eclipses e ajuda ao desenho, a Giovanni Baptista Della Porta.

Câmara escura
Sentado sob uma árvore, Aristóteles observou a imagem do sol, durante um eclipse parcial, projetando-se no solo em forma de meia lua quando seus raios passarem por um pequeno orifício entre as folhas. Observou também que quanto menor fosse o orifício, mais nítida era a imagem.
Séculos de ignorância e superstições ocuparam a Europa, sendo os conhecimentos gregos resguardados no oriente. Um erudito árabe, Alhazem, descreveu a câmara escura em princípios do século XI.
No século XIV já se aconselhava o uso da câmara escura como auxílio ao desenho e à pintura. Leonardo da Vinci fez uma descrição da câmara escura em seu livro de notas, mas não foi publicado até 1797. Giovanni Baptista Della Porta, cientista napolitano, publicou em 1558 uma descrição detalhada da câmara e de seus usos. Esta câmara era um quarto estanque à luz, possuía um orifício de um lado e a parede à sua frente pintada de branco. Quando um objeto era posto diante do orifício, do lado de fora do compartimento, sua imagem era projetada invertida sobre a parede branca. O uso da câmara escura se difundiu entre os artistas e intelectuais da época, que logo perceberam a impossibilidade de se obter nitidamente a imagem, quando os objetos captados pelo visor estivessem a diferentes distâncias da lente. Ou se focalizava o objeto mais próximo, variando a distância da lente / visor (foco), deixando todo o mais distante desfocado, ou vice-versa. Danielo Brabaro, em 1568, no seu livro "A prática da perspectiva" mencionava que variando o diâmetro do orifício, era possível melhorar a nitidez da imagem. Assim, outro aprimoramento na câmara escura apareceu: foi instalado um sistema, junto com a lente, que permitia aumentar e diminuir o orifício. Este foi o primeiro “diaphragma”.
Quanto mais fechado o orifício, maior era a possibilidade de focalizar dois objetos a distâncias diferentes da lente.
Nesta altura, já tínhamos condições de formar uma imagem satisfatoriamente controlável na câmara escura, mas gravar essa imagem diretamente sobre o papel sem intermédio do artista era a nova meta, só alcançada mais tarde com o desenvolvimento da química.


AS MÁQUINAS FOTOGRÁFICAS

A partir de finais do século XIX, a diferença entre as máquinas fotográficas destinadas aos amadores e as destinadas aos profissionais é muito marcada.
A aparição do kodak nº 1 marca o início desta clivagem. Para os amadores, os critérios principais são a facilidade de utilização, o peso reduzido e o formato. Na Kodak, vai nascer toda uma linha de aparelhos que deriva dessa caixa de 1888 para se chegar, como vimos, ao Instamatic de 1963. para além destas caixas rígidas de formato quadrado, encontramos folding extensíveis, frequentemente de formato 6x9 cm.
No domínio profissional, as grandes máquinas de chapas e depois de filme maleável (plan-film) evoluem pouco. A madeira tem tendência a ser substituída pelo metal. Em 1910, a Linhof alemã, folding metálica de alta precisão, é introduzida no mercado, tal como a Speed Graphic americana, que possui uma coleção de oito chapas de 9x12 cm (4x5 polegadas). Nos formatos mais pequenos, podemos destacar três máquinas: a Ermanox alemã, com placa de 4,5x6 cm, munida de uma objetiva muito luminosa aberta a f/1,8, permitindo instantâneos com pouca luz e criada em 1924; a Rolleiflex 6x6 (reflex com duas objetivas sobrepostas), de Franke e Heidecke, saída de aparelhos do mesmo tipo, mas de formato maior, colocada no mercado em 1928; e, por fim a Hasselblad sueca, reflex mono-objetiva saída em 1946.
Em 1912, P. Smith inventa a primeira máquina de formato 24x36 mm, com filme de cinema. Mas é com a entrada no mercado, em 1925, da Leica, inventada por Oscar Barnack (1879-1936) para utilizar os restos de filme de cinema, que esta máquina de objetivas intercambiáveis se vai desenvolver e penetrar no meio profissional da reportagem.
Apenas em 1948 a marca Zeiss introduz no mercado a contax, primeira máquina reflex mono-objetiva com prisma retificador, antepassada de todas as nikon, cânon, pentax e outras minolta.
Para obter imagens, apesar de uma iluminação fraca, utilizava-se o pó ou a fita de magnésio, de 1860 a 1925, data em que se inventa a ampola flash, bastante menos perigosa e mais prática, porque não produz fumo. Cerca de 1830, Harold Edgerton inventa o flash eletrônico.
Auto-retratoProvinciano que nunca soubeEscolher bem uma gravata;Pernambucano a quem repugnaA faca do pernambucano;Poeta ruim que na arte da prosaEnvelheceu na infância da arte,E até mesmo escrevendo crônicasFicou cronista de província;Arquiteto falhado, músicoFalhado (engoliu um diaUm piano, mas o tecladoFicou de fora); sem família,Religião ou filosofia;Mal tendo a inquietação de espíritoQue vem do sobrenatural,E em matéria de profissãoUm tísico profissional.


Na poesia acima, de Manuel Bandeira, ele utiliza o retrato para compor um estado psicológico, uma fotografia interior de si mesmo. A máquina fotográfica aqui é sua escrita. Com ela, o poeta registra toda a sua história a registra através de versos.
Em 1962, o laser permite o aparecimento da holografia. Graças a esta técnica, obtêm-se imagens a três dimensões numa única chapa fotográfica e temos a ilusão de ver os objetos como se nos movimentássemos em seu redor.
Atualmente, os zooms, devido ao aperfeiçoamento das suas qualidades ópticas, têm tendência a substituir as objetivas de foco fixo e a focagem automática (autofocagem) tornou-se sistemática, ou quase, nestas máquinas, em particular nas compactas 24x36, que destronaram as tentativas anteriores,já evocadas, de máquinas de formatos mais ou menos estranhos.
A fotografia documental, exceto a da arquetetura e da paisagem, vai mudar radicalmente com a introdução do gelatino-brumeto de prata, devido à facilidade do seu uso, aos filmes maleáveis e aos aparelhos portáteis, frequentemente extensíveis, que já não requerem o embaraçoso tripé, porque o notável aumento da sensibilidade permite o instantâneo.
A fotografia vai dar origem a uma nova forma de documentação, até aí reservada à escrita. Com efeito, torna-se possível o relato da vida quotidiana.
Para Matisse, a fotografia deve limitar-se a registrar a realidade: “Realizada por um homem de gosto, a fotografia parecerá arte. No entanto, creio que o estilo das fotografias não tem importância; elas serão sempre surpreendentes, porque revelam a natureza, e todos os artistas encontrarão nelas um mundo de sensações. O fotógrafo, portanto, deve intervir o menos possível. [...] A fotografia deveria registrar e fornecer-nos documentos”.
Esta perspectiva um pouco redutora será partilhada pelo escultor Brancusi, que nos deixou uma grande coleção de fotografias e que foi ele mesmo o fotógrafo das suas obras.


GESTALT


A Gestalt é uma das tendências teóricas mais coerentes e coesas da história da Psicologia. Seus articuladores preocuparam-se em construir não só uma teoria consistente, mas também uma base metodológica forte, que garantisse a consistência teórica.
Gestalt é um termo alemão de difícil tradução. O termo mais próximo em português seria forma ou configuração, que não é utilizado, por não corresponder exatamente ao seu real significado.
Ernst Mach, físico, e Christian von Ehrenfels, filósofo e psicólogo, desenvolviam uma psicofísica com estudos sobre as sensações (o dado psicológico) de espaço-forma e tempo-forma (o dado físico) e podem ser considerados como os mais diretos antecessores da Psicologia da Gestalt. Os gestaltistas estavam preocupados em compreender quais os processos psicológicos envolvidos na ilusão de ótica, quando o estímulo físico é percebido pelo sujeito como uma forma diferente da que ele tem na realidade.
Toda forma percebida está relacionada com forças integradores do cérebro. O cérebro se auto-regula para organizar formas e torná-las compreensivas ou assimiláveis. Este processo espontâneo independe de nossa vontade e aprendizado. A gestalt tenta entender o fenômeno da percepção. Nós vemos o conjunto, não necessariamente os elementos constituintes de uma imagem.

LEITURA VISUAL PELAS LEIS DA GESTALT

Unidade – se refere a elementos que formam uma figura como um todo. De fácil compreensão.
Segregação – separar a figura do fundo ou detalhes da figura ou do fundo.
Unificação – coesão, equilíbrio e harmonia. A figura tem que estar bem distribuída.
Fechamento – é a idéia de complementação dos pedaços faltantes.
Continuação – fluidez das formas, ou seja, idéia de algo com começo e fim.
Semelhança/proximidade – organização.
Pregnância da forma ­– de fácil entendimento na relação fundo/figura, onde não há confusão visual.


EASTMAN E A KODAK
A câmara Kodak foi introduzida em 1888. era leve e pequena, carregada com um rolo de papel para 100 exposições. A câmara Kodak havia criado um mercado completamente novo e transformado em fotógrafos aqueles que só queriam tirar fotos e não tinham nenhum conhecimento da matéria. Qualquer um podia "apertar o botão" e a companhia do Sr. Eastman “fazia do resto”. Em 1889 saíram para venda os primeiros rolos de película transparente.

a câmera Kodak
Em 1891 se melhorou ainda mais a película transparente para amadores ao colocá-la em carretéis que podiam ser colocados na câmara em plena luz do dia. A câmara Kodak dobrável, de bolso, foi lançada em 1898; um fole permitia que se recolhesse a lente. Em 1900 apareceu a primeira câmara Brownie, para crianças. George Eastman sempre esteve muito interessado nos avanços técnicos, mas sua maior preocupação foi desenvolver métodos simples, para que o público pudesse ter prazer com a fotografia. Este princípio constituiu sua maior contribuição à indústria. Em 1923 lançou o primeiro filme de 16mm em branco e preto. O filme podia ser carregado na câmara à luz do dia; logo depois de exposta se enviava à Kodak para o processamento reversível e se devolvia pronto para ser projetado em casa. Filmar em 1924 já era tão fácil quanto tirar fotos: simplesmente "apertando o botão". O primeiro processo Kodacolor (que não deve ser confundido com o filme atual, de mesmo nome) se aproximou dos requisitos procurados e as melhorias continuaram até a fotografia colorida ficar tão simples quanto em branco e preto.
Fotos típicas das primeiras câmeras Kodak, que caracterizavam-se por seu formato de janela redondo
Carl W. Ackerman, seu biógrafo, escreve: "O Sr. Eastman foi um gigante de sua época. A filosofia social que praticou ao desenvolver sua companhia não só se adiantou à sua época, como ainda se passaram muitos anos antes de ser amplamente reconhecida e aceita".

O SÉCULO XX
Na entrada do ano de 1900, a fotografia já tinha todos os quesitos necessários para o registro de imagens com altíssima qualidade de exposição e reprodução, tanto que o cinema, cuja base é fotográfica, só seria possível tecnologicamente nestas condições, sendo concretizado por Edison e os irmãos Lumière. Mas na fotografia estática, os principalis avanços foram de ordem mecânica, na construção de lentes cada vez mais precisas e nítidas, e câmeras portáteis de diversos formatos e tamanhos.
A Eastman lançou, por exemplo, em 1900, a câmera Brownie, que custava apenas 1 dólar, e que trasformou radicalmente a fotografia em uma arte popular, legando outras empresas a supremacia por uma qualidade técnica profissional. Neste quesito, dois fabricantes de lentes se destacaram no mercado pela excelência da construção óptica, a Carl Zeiss e a Schneider, ambas alemãs, e que contribuíram largamente para o aumento da capacidade luminosa e qualidade da imagem formada.
Da mesma forma, foram explorados diversos tipos de formatos, pois os negativos de Eastman eram muito pequenos, propícios apenas a amadores. Fotógrafos profissionais ainda precisavam de chapas de negativo, mas agora confeccionados em material flexível e não mais em vidro. Os formatos em chapa foram explorados sob diversos tamanhos por diversos fabricantes de câmeras, mas havia sempre uma limitação comercial, da qual dependia a sobrevivência do formato.
Assim, os fabricantes de câmeras lançavam produtos que exigiam determinados formatos, e sob encomenda deste fabricante, chapas de negativo eram confeccionadas, geralmente pela própria Kodak. O custo disso era relativamente alto, e se a câmera não emplacasse comercialmente, o formato era fadado a morrer, como acontece até hoje em certos formatos de vídeo, como o Betamax (que sucumbiu ao VHS) e o Laser Disc (que morreu com a entrada do DVD). Assim, os grandes formatos, durante todo o período que vai de meados de 1900 até 1930, sofreram constantes modificações, sendo padronizados pela influência comercial em três principais, as chapas de negativo 8x10 polegadas, a 5x7 polegadas e a 4x5 polegadas.
Todas estas evoluções inventivas na área visual tiveram suas influências de artistas renascentistas, barrocos, impressionistas etc, tanto nas pinturas como nas esculturas. Figuras importantíssimas destes períodos como Leonardo da Vinci, Michelângelo, Renoir, Botticelli, Rafael, Caravaggio, Velázquez, Rembrandt, Claude Monet, Bernini, Manet, Tolouse Latrec, entre outros, desenvolveram técnicas de grande relevância histórica e que servem de referência até os dias atuais.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KOSSOY, Boris. Os Tempos da Fotografia: o efêmero e o perpétuo. 1ª Ed.; São Paulo: Ateliê Editorial, 2007.
AMAR, Pierre-Jean. História da Fotografia. 1ª Ed.; Lisboa: Edições 70, 2001.

INTERNET

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 34 - vermelho royal

O mais engraçado foi no “reveillon”. Naquela loucura toda das ligações que ele me fazia, só alimentava ainda mais as minhas elucidações. A cada conversa mexia com sensações desconhecidas por mim. Me arrumei como se estivesse me preparando para fazer a virada de ano com ele, ou melhor, me preparando para passar todas as vindouras passagens de ano ao lado dele. Tomei um banho bem demorado com direito a todos os sais existentes, algumas colônias para atrair bons fluidos, tratei bem dos cabelos e os deixei bem macios e sedosos. Passei o mesmo perfume que estava quando o conheci, enfim... fiz todo um ritual apaixonado, inclusive um vestido longo e vermelho, vermelho royal - pra ser mais exata – a cor da paixão. Eu queria muito iniciar o ano pensando nisto. Estava com minha mãe, minhas duas irmãs e um casal de sobrinhos. Na hora exata da passagem, em que as champanhas eram abertas e os fogos eram soltos - aconteceu de novo - a multidão onde nos encontrávamos se apagou. Ficamos só eu e meu sobrinho, ou melhor, o meu sobrinho ficou comigo. Eu fiquei com meu sobrinho e com ele. E ao som dos fogos estourando e espumas fervilhando... pulávamos freneticamente, como três crianças de nove anos. Ele me fez voltar à fase mais bonita da existência. Como é bom ter nove anos. Como é bom pular e dançar quando se tem apenas nove anos. Estou tentando chorar, diário, mas não consigo. Não consigo. Fiz alguma coisa errada. Acho que foi o vermelho royal.

Autoria: Everson Bertucci

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 33 - viagem a dois

Ultimamente venho me alimentando de lembranças. Lembranças de coisas que no momento vivido não pareciam ter tanta importância. Lembranças de detalhes da viagem. Oi? Ah, é! Eu não te falei da viagem. É que na época eu ainda não era sua amiga. No dia seguinte, após o nosso primeiro encontro eu fiz uma viagem que havia sido planejada antes de conhecê-lo. Uma viagem longa, bem longa, diário. Apesar dele não ter ido comigo, ele estava ao meu lado durante todo o percurso. O seu toque suave em minhas mãos. Seu senso apurado de humor, tudo de inusitado que acontecia, eu imaginava seus possíveis comentários. Seus dedos quentes passeando sobre meus lábios e aquele olhar... que me consumia o olhar. Você acha, diário? Tem razão, foi bonito, sim.

Autoria: Everson Bertucci

sábado, 18 de abril de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 32 - a dança

Não devia ter ligado. Ele foi simpático, perguntou como eu estava. Eu disse que estava mais ou menos. Problemas. Sabe aquelas perguntinhas irônicas e extremamente desagradáveis “e aí, está namorando?”. Minha vontade foi de gritar “não, não estou namorando. Acabei de levar um fora de um idiota que não percebeu que eu sou uma pessoa maravilhosa!”. Mas simplesmente respondi calmamente e em tom de brincadeira “não. Acabei de levar um fora, mas estou tranqüila”. Ele ainda teve o desplante de dizer “ai, que pena!”. “acha mesmo? Então volta pra mim e me faça a mulher mais feliz do mundo!”. É claro que esta frase ficou só no meu pensamento. Disse uma dessas frases idiotas quando não há mais nada a dizer “Pois é, né!?”. Perguntei como ele estava. Disse que estava meio deprimido, pensativo. Tinha pensado muito em nós e que havia tomado uma decisão. Que gosta muito de mim, mas que não queria nenhum compromisso sério... que tinha acabado de sair de um relacionamento complicado, que ela estava querendo voltar, embora ele não quisesse... essas frases que eles pensam que consolam, mas que só servem para nos calar a boca e nos deixar com pena deles. É claro que eles têm consciência disso, diário. Mas quem disse pra que eu queria um relacionamento sério? Nessas alturas do campeonato eu me contentaria com qualquer migalha. “Você me ligou depois de tanto tempo só para terminar comigo ou somente pelo prazer de me torturar? Talvez isso não faça a menor diferença, mas minha vida acabou depois que você parou de me ligar, aliás, eu não sei porque eu continuo a respirar já que não existe mais sangue na minhas veias e nem células vivas dentro de mim”. Só não cravei uma punhalada no meu peito, como prometi, porque esqueci de levar a faca pra perto do telefone. Ai, Diário...

Autoria: Everson Bertucci

quinta-feira, 16 de abril de 2009

HORÓSCOPO DE QUINTA - POR MADAME CHARLA


O único Horóscopo que dá azar ler só o seu. Aqui é obrigatóra aquela olhadela no signo do vizinho. Toda quinta: o que dizem os astros à Madame Charla sobre os signos do zodíaco. Sempre dois por vez

CÂNCER
Não adianta acender vela para Santo Antônio e deixar esse corpo descuidado. Portanto, abuse do batom vermelho, do pó de arroz, um rímel pra dar aquele toque, e não se esqueça do salto 15. Afinal, o Santo é casamenteiro, não milagreiro.
Ilustraçao: Flávio Leal



LIBRA
Você é daquelas que sai por aí beijando todo mundo? Parabéns! Isso prova que você é uma mulher livre dos padrões machistas-século-passado. Continue beijando muuuito, que além do bem que faz para o ego, aumenta a auto-estima e deixa a pela da gente um pêssego. Mas nunca se esqueça: DST mata.

RESENHA SOBRE O DOCUMENTÁRIO "NASCIDOS EM BORDÉIS"

“Nascidos em Bordéis” - Documentário
Por Everson Bertucci


“É preciso aceitar que a vida é triste e dolorosa. Só isso.” Ou “Não há uma coisa chamada esperança no meu futuro.” Será que alguma coisa pode ser feita por crianças que dizem este tipo de frase? Será que existe possibilidade de mudar suas vidas, suas realidades e o universo que as cerca? Até que ponto pode-se interferir num universo onde não há expectativa, tão pouco esperança? Estes são os desafios que Ross Kauffman e Zana Briski decidem encarar neste dolorido, emocionante, surpreendente, avassalador – entre outros tantos adjetivos – documentário. Eles lidam com possibilidades remotas e pouco prováveis de mudança, porém, possibilidades.
Com câmeras fotográficas nas mãos, Zana e Ross propõem a oito crianças, filhas de prostitutas, num território miserável da Índia – o bairro da Luz Vermelha - uma observação sobre o lugar em que elas vivem, seus costumes, o dia-a-dia familiar, as brigas, as decepções, os sonhos... e que elas mesmas retratem sua própria realidade. Através das fotos tiradas pelas crianças pode-se observar a devastação e a beleza de suas histórias, suas angústias em relação ao futuro, o modo como eles lidam com a infância, suas perspectivas de vida, assim como a descoberta de um novo mundo, um novo horizonte. Enquanto isso, os cineastas tentam traçar um futuro melhor para elas.
Por vezes tristíssimo e à beira do desespero, noutros momentos mais espirituoso e reluzente, cru e sensível, o documentário evidencia as débeis condições de vida da população daquele bairro, expondo em particular os dilemas de um grupo de crianças forçadas a vivenciar as complexidades da idade adulta desde muito cedo.
Mesmo as almas mais cínicas dificilmente resistirão a algumas contagiantes cenas com as crianças indianas, sobretudo nos episódios onde é claro o entusiasmo pelas potencialidades da fotografia e, por extensão, da arte em geral. Igualmente marcantes são os entraves colocados às tentativas de melhoria das condições de vida das crianças, visível nas sequências em que Briski se desdobra numa inquietante rede de atribulações burocráticas.


Direção, Roteiro, Produção e Fotografia: Ross Kauffman e Zana BriskiPaís/Ano de Produção: Índia/EUA - 2004Duração: 86 MinutosFaixa Etária: Livre
Lançamento: 2006
Prêmios Recebidos:
- Melhor Documentário: National Board Of Review- Prêmio da Audiência: Sundance Film Festival- Melhor Documentário: Los Angeles Film Crtics- Melhor Documentário: Oscar 2005

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 31 - caixa postal

Adivinha, diário!? Acabo de acessar minha caixa de mensagens e lá, inacreditavelmente, uma mensagem dele “QUANDO PUDER, ME LIGA PRECISAMOS CONVERSAR. VOCE SUMIU, ESPERO QUE NAO ESTEJA CHATEADA COMIGO E... DESCULPA ALGUMA COISA”. Adorei o “desculpa alguma coisa”. Claro que perdôo, meu bem! Desde que você me cubra de beijos e me leve ao altar! Ai, diário, bem que podia ser verdade, né? Será que ele está arrependido e vai querer voltar pra mim? Será que ele finalmente percebeu que cometeu um grande erro ao me abandonar? Ai, diário, será? Pois se for, ele que vá pensando que eu vou perdoar. Abandona a hora que quer, depois é só estalar os dedos e fica por isso mesmo? Ah, mas não vai ser assim mesmo. Ele precisa aprender, diário. Vai ter que sentir na pele e passar por tudo o que eu passei. Quer dizer, tudo não. Não quero que ele fique com outra. Ai, diário, já vai começar? Não se trata de vingança. É justiça! Os homens são assim: fazem o que bem entendem, depois acham que um simples pedido de perdão resolve tudo. Mas comigo não vai ser assim, não. Ele que se prepare. Vou ser totalmente indiferente. Fazer de conta que eu estou maravilhosa, que esses dias foram absolutamente normais e que eu estou mais feliz do que nunca. Você não acha que estou certa, diário? Brigada! Imagina, tenho tudo sob controle. Será? Será que ele pode querer terminar de vez comigo? Não, ele não ligaria depois de tanto tempo só para terminar. Ligaria? Ele seria capaz de fazer tamanha crueldade comigo, diário? Se ele fizer isso, eu juro que me mato. Vou ficar com uma faca ao lado do telefone e assim que ele terminar comigo, cravo uma punhalada no peito e faço ele ouvir todo o meu agonizamento até o último suspiro. Quero ver se ele vai ter coragem de fazer isso com outra pessoa.

Autoria: Everson Bertucci

terça-feira, 14 de abril de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 30 - cartas viradas

Como as cartomantes conseguem ser tão enigmáticas e irritantemente desagradáveis, diário? Dizem sempre as mesmas coisas: "vejo um grande amor, na sua vida!", "você vai ser muito feliz, minha filha" e quando a gente pede uma informação mais específica elas logo sapecam uma resposta enigmática do tipo "quando você menos esperar". O problema é que eu vou estar sempre esperando. Como ela fala isso pra uma pessoa desesperada, à beira de ataque cardíaco, diário? Eu só queria que ela falasse quanto tempo, quanto tempo, mas elas não falam, nunca falam. Querem é que a gente se desespere e morra de curiosidade pensando que a qualquer momento o homem de nossas vidas apareça e solucione nossos problemas. Eu sei que o que ela me disse é tudo mentira e que ela não passa de uma vigarista que vive às custas de idiotas carentes e abandonadas como eu. O pior de tudo não é isso, diário. O pior é que... quem disse que eu quero ouvir a verdade?

Autoria: Everson Bertucci

segunda-feira, 13 de abril de 2009

O DIARIO DE ALICE - EPISÓDIO 29 - covardia

Andei pensando bastante sobre o que lhe falei ontem e decidi que não vou me matar. Na verdade não foi bem uma decisão, foi falta de coragem mesmo. E depois fiquei me lembrando daquele filme "Amor Além da Vida" em que a protagonista se mata e vai para o, digamos, jardim dos suicidas. Um lugar muito deprimente, eu não ia gostar. Ia acabar morrendo de novo de depressão e de depressão por depressão, prefiro ficar deprimida aqui mesmo na terra, que por pior que seja, eu já conheço e sei bem como é. Sem falar, dizem, que os suicidas não tem perdão. Será que isso é verdade, diário? Bom, na dúvida, melhor ficar viva mesmo. Mas eu preciso encontrar uma maneira de sair dessa. Preciso parar de pensar NELE. Preciso encontrar um novo amor. Na verdade um "novo amor", não. Um "amor" apenas, porque o que eu sinto por ele ainda não é amor, talvez possa se tornar um dia, mas ainda não é. Não é. Uma vez, diário, uma cartomante disse que... é isso! Preciso procurar uma cartomante pra ver o meu futuro.

Autoria: Everson Bertucci

sexta-feira, 10 de abril de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 28 - vazio

Oi, diário! Eu cumpri o que prometi: fiquei com outro. Uma sensação pior, foi isso que eu consegui. A pessoa até que era legal, mas eu só fiquei pensando NELE. Eu sei que isso não se faz, mas eu fiz. Você acha que Deus vai me castigar? Brigada! Foi só uma aventura de carnaval. Abracei muito o OUTRO. Ficamos a noite toda abraçadinhos, mas foi só uma aventura carnavalesca. Ele tinha um abraço tão gostoso! Eu sabia que não ia passar daquilo. A gente ia trocar telefone, mas nenhum ia ligar, tudo como sempre acontece, mas ele, o OUTRO, me deu um fora. Me deixou sozinha naquele salão imenso e vazio. Será que as pessoas são tão insensíveis que não percebem que eu estou absolutamente fragilizada? Tudo bem, mas ele não tinha esse direito, eu é que iria dar o fora. Agora, diário, vê se eu não estou certa: no estado que eu me encontro atualmente, não posso sair por aí sendo descartada. Será que ninguém entende isso? Não sei mais o que pensar. Vou me matar.

Autoria: Everson Bertucci

quinta-feira, 9 de abril de 2009

BICHOS NO METRÔ - Humor

BICHOS NO METRÔ

O celular despertou muito cedo.
-- bosta de vida!
Acordei. Liguei o piloto automático, desliguei o despertador, levantei, me troquei, escovei os dentes, comi qualquer coisa, peguei minha mochila-pen-drive-carteira-canetas-marmita-água-escova-de-dente-colírio-óculos-máquina-fotográfica-revistas-biscoito e fui trabalhar.
No trabalho, a rotina mortificante de sempre. Fim do dia. Felicidade, enfim. Durmo no trajeto até a faculdade. Fim da aula. Sigo até o metrô. O piloto automático sempre ligado. Pessoas, prédios, carros. Ouve-se muito barulho. No fim é tanta coisa que tenho a impressão, à noite, que não vi nada durante o dia.
Desço as escadas da estação Ana Rosa, passo pela catraca e me direciono à plataforma. Estou cansado. O metrô se aproxima, pára, abre as portas e num átimo de segundo sou arremessado para dentro. Foi tão rápido que só me dou conta que estou no vagão quando sinto meu rosto grudado no vidro de uma das portas.
Após um certo esforço, consigo virar meu rosto para trás para ver o que acontecia e para minha surpresa e espanto não havia pessoas no vagão. Apenas bichos. Pareciam selvagens. Vacas, cavalos, éguas, galinhas, veados, muitos burros, um elefante e uma girafa. Eram grunhidos, relinches, mugidos e outros tantos sons misturados que mal podia distinguir seus emissores.
Não sabia o que fazer, nem como reagir. Preferi ficar imóvel, esperando pacientemente pela morte. Percebo que há um entre eles, que foram se dividindo em núcleos. As galinhas cacarejavam entre si, os burros se reuniram num canto, a girafa e o elefante se juntaram nas poltronas cinzas, as vacas mugiam demonstrando uma certa felicidade e os veados ficaram sentados e quietos numa posição muito reservada.
Estava começando a ficar tranqüilo quando uma égua deu uma virada e sua crina veio de encontro direto com o meu rosto. Aquilo queimou minha face. Senti uma vontade de xingar ou mesmo de esmurrar, mas fiquei intimidado pela possibilidade de levar um coice fulminante do cavalo que a acompanhava.
Ao parar na estação São Joaquim a situação piorou. Mais bichos foram empurrados para dentro do vagão e aquilo virou uma lata de sardinha. Fiquei prensado entre um burro, um cavalo e uma égua. Os pêlos do cavalo, que eram de uma espessura grosseira e de um cheiro insuportável, começaram a me incomodar - embora não desse para saber se o mal cheiro era do burro ou do cavalo. Da égua não digo, pois parecia bem limpa e muito bem cuidada.
Tudo estava indo bem até que umas galinhas, distraídas, pisaram no joanete da girafa, que ficou irritadíssima. Começaram uma discussão ofensiva. Identificava-se apenas os gritos. As outras galinhas entraram na discussão. O elefante tentou apaziguar, mas foi totalmente ofendido por uma das galinhas, surgindo então uma nova discussão. Travaram uma briga ferrenha até que uma galinha foi arremessada na porta. Viu-se apenas seu deslizar até o chão, desmaiada. Os cavalos acharam aquilo de uma selvageria sem fim e se intrometeram na briga.
-- vaca!
-- galinha!
-- veado!
-- cavalo!
-- égua!
-- girafa!
-- elefante!

Para a minha sorte, ao chegar na estação da Sé as portas do lado onde eu me encontrava foram as que se abriram. Saí apressado, tentando fugir daquela selvageria. Ao olhar para trás, noto que todos aqueles bichos saíam acelerados do vagão. O elefante enfiou o pé entre o vagão e a plataforma e esparramado no chão foi pisoteado. Por um momento senti vontade de ajudá-lo, mas fui impedido pelo arrastão de bichos vindo em minha direção. Corri até a saída e finalmente passei pela catraca. Estava a salvo, pensei, eles não conseguirão atravessar. Fui para um canto e, tremendo, fiquei olhando.
Para meu desespero, todos eles também começaram a atravessar a catraca. Fechei os olhos e aproveitei para pedir, resumidamente, perdão a Deus por todos os meus pecados. “Ave Maria, cheia de graça, o senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres”... Começou a demorar e nada de um ataque. Nenhuma agressão, nenhum coice, nada. Resolvi abrir os olhos e ver o que estava acontecendo. Surpresa: ao atravessar a catraca, todos aqueles bichos mudavam de comportamento. O jeito, os gestos. Nenhum sinal de agressividade. Passavam direto por mim e seguiam em frente. Pareciam não ser mais os mesmos. Cada um seguindo distintos caminhos. Uns apressados, outros, nem tanto. Não pude evitar as interrogações.
Saí correndo da estação à procura de um espelho.

Autoria: Everson Bertucci

quarta-feira, 8 de abril de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 27 - conclusão amarga

Sabe, diário, existem dois tipos de pessoas no mundo: as que são e as que não são bonitas. E a diferença é bem simples: as bonitas são amadas.

Autoria: Everson Bertucci

ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS LIVROS "A VIDA QUE NINGUÉM VÊ", de Eliane Brum e "PRIMEIRAS ESTÓRIAS", de João Guimarães Rosa

A VIDA QUE EU VI


A narrativa de Eliane Brum em seu “A Vida que Ninguém Vê” é de uma simplicidade bem próxima à de seus personagens. A partir das histórias narradas no livro, Eliane lança um olhar perceptivo sobre o povo brasileiro – os muitos homens e mulheres esquecidos, invisíveis à sociedade, os que não tem um status que os faça “existentes”.
Confesso que me identifiquei muito com as histórias e de como elas são contadas. Sempre que vejo alguém na rua - seja mendigo, trombadinha, maltrapilho – ou na televisão – um bandido, um assassino – me vem uma curiosidade de saber que história se esconde por detrás daquelas barbas sujas, daquelas roupas rasgadas, daquelas cicatrizes. Vontade de saber como foi que nasceram, quem os criou, que escolas freqüentaram, que professores os ensinaram, com o que eles brincaram e por que estão onde estão. Vontade de ouvir todas as histórias e tentar compreender um pouco mais de mim e de nós.
Quando morei em Sorocaba, em 2001, conheci a mendiga Maria. Ela era negra e ficava sentada na porta de uma agência do Banco Real. Sempre que eu passava pra trabalhar, lá estava Maria com seus papelões, algumas vasilhas, um pedaço de cobertor. Ficava olhando as pessoas que passavam. Maria tinha o cabelo bem curto, quase raspado, a cabeça bem redonda deixava seu rosto ainda mais bonito. O que chamava a atenção era o olhar que Maria lançava sobre as pessoas que por ali passavam. Era um olhar que transmitia tranqüilidade, sossego, harmonia. Eu passava todos os dias e Maria sempre estava lá lançando seus olhares pra mim. Me passava uma paz, que eu sentia uma vontade imensa de ir lá conversar com ela.
Vez ou outra alguém dava uma moeda para Maria, mas a impressão que eu tinha é que ela estava, e sempre esteve, naquela calçada não para receber algo de alguém, e sim para dar. Maria nos dava a sua tranqüilidade, a sua serenidade, o seu olhar maternal, a sua vida. Sempre tive vontade de me aproximar dela, conversar, saber quem ela era, de onde vinha, se teve filhos, foi casada. Nunca o fiz. Acho que tive um certo receio de me envolver, de despertar algo nela, algum tipo de esperança. Acho até que tive medo de desfazer na minha cabeça a imagem bonita que eu tinha de Maria, e aliás, nunca soube se o seu era Maria. Dei esse nome a ela porque era tanta coisa boa que me transmitia, e isso me fez tão bem, que pra mim ela não poderia ser simbolizada, senão pelo nome Maria.

Esta minha “Maria” se assemelha muito ao Geppe Coppini, de Eliane Brum. O mendigo que está para Anta Gorda, como “Maria” está para Sorocaba.

“Todos em Anta Gorda têm algo a dizer sobre Geppe Coppini. Todos. (...) O único mendigo de Anta Gorda. Mas não um mendigo qualquer. (...) Geppe Coppini é uma incógnita porque nunca pediu nada. Não há ninguém, em toda a Anta Gorda, que possa afirmar que Geppe tenha pedido alguma coisa.”

Logo que li a primeira história de “A Vida que Ninguém Vê”, lembrei de “Primeiras Estórias”, de Guimarães Rosa. Eliane tem um jeito muito próximo ao dele de perceber o que está por trás das histórias. Se retirarmos as crônicas-reportagens do livro de Eliane e entregarmos para alguém ler, separadamente, fica difícil uma definição entre realidade e ficção. Algumas histórias têm um tom muito próximo ao da criação literária.
Ainda em Geppe Coppini aparecem umas pinceladas de “loucura”:

“(...) Passou a alisar o tronco das árvores com as mãos por horas a fio. E, ao contrário da tropa de irmãos, decidiu que não trabalharia. Louco, louco. O menino está variado, foi o que o povo disse. Foi despachado para sanatórios na capital. Fugia e voltava a pé para o vale, um passo atrás do outro com seus tamancos de madeira, uma parada aqui e acolá para acariciar um árvore conhecida”

Lembrou-me muito “Sorôco, sua mãe, sua filha”, em que a narrativa surge de forma a questionar o que é loucura, levando em consideração a complexidade humana.

“(...) A mãe de Sorôco era de idade, com para mais de uns setenta. A filha, ele só tinha aquela. Sorôco era viúvo. (...) A filha – a moça – tinha pegado a cantar, levantando os braços, a cantiga não vigorava certa, nem no tom nem no se-dizer das palavras – o nenhum. (...) A velha só estava de preto, com um fichu preto, ela batia com a cabeça, nos docementes. Sem tanto que diferentes, elas se assemelhavam. Sorôco estava dando o braço a elas, uma de cada lado. (...) Parecia enterro. Todas ficavam de parte (...) por causa daquelas transmodos e despropósitos. (...) O que os outros diziam (...) que não ia sentir falta dessas transtornadas pobrezinhas, era até um alívio. (...) Por força disso, agora iam remir com as duas, em hospícios. O se seguir.”

Depois de um tempo a mãe de Sorôco soltou-se do braço dele e principiou a cantar a canção que a filha cantava e que ninguém entendia:

“(...) Ela pegou a cantar, também, tomando o exemplo, a cantiga mesma da outra, que ninguém não entendia. Agora elas cantavam junto, não paravam de cantar. Aí que já estava chegando a horinha do trem, tinham de (...) fazer as duas entrar para o carro de janelas enxequetadas de grades”.

Sorôco - sem saber direito o que se passa dentro de si – acaba entregando sua mãe e sua filha ao trem, ao hospício, ao desconhecido.

“(...) Estava voltando para casa, como se estivesse indo para longe, fora de conta”. Mas, parou. Em tanto que se esquisitou, parecia que ia perde o de si, parar de ser. (...) Num rompido – ele começou a cantar, alteado, forte, mas sozinho para si – e era a cantiga, mesma, de desatino, que as duas tanto tinham cantado. (...) E foi sem combinação (...) todos, de uma vez, de dó do Sorôco, principiaram também a acompanhar aquele canto sem razão. (...) foi um caso sem comparação.

De Geppe Coppini, Eliane continua:

“(...) Quando passou dos 60 anos (...) conseguiu uma aposentadoria. (...) Geppe tem até carteira de trabalho. Orgulhosamente em branco (...) E desde então passou a repetir: (...) “O governo é um estúpido! Nunca trabalhei na minha vida e ainda assim me paga!””

Ambos lançam um olhar sobre como estamos sujeitos ao olhar dos outros, ao julgamento. É assim com o “louco” gaúcho do cavalo-de-pau.

“Dizem que ele é louco. (...) Os patrões e até os peões dizem que ele é louco. Será? (...) Seu nome é Vanderlei Ferreira. Filho de pobre, jamais foi à escola. (...) Dorme escondido num posto de gasolina, às vezes na casa de um tio.”

Vanderlei vivia montado em seu cavalo-de-pau, um cabo de vassoura, adorava animais e não perdia um rodeio. Sempre foi tido como louco: por sua maneira de vestir e por seu cavalo-de-pau. Mas nas conversas com Eliane, na entrevista, Vanderlei revela quem realmente ele é, independentemente do que pensam sobre ele. Olhando de perto para Vanderlei, Eliane pergunta sobre seu cavalo e ele logo responde:

“Meu cavalo é uma vassoura. Queria que fosse o BT Faceiro do Junco (vencedor do Freio de Ouro de 1995), mas é uma vassoura”

Vanderlei diz que quando está montado em seu cabo de vassoura, sonha que está montado num cavalo de verdade. Se vê desfilando, fazendo provas. Ele conta que até começou a trabalhar como peão, mas quiseram que ele levantasse às 4h pra fazer coisa que podia fazer às 6h. Não deu certo. Vanderlei conta que quando a montaria acaba, sente uma tristeza no coração, uma tristeza funda. Questionado se já montou num cavalo de verdade, ele diz que sim e que é bem melhor do que montar num cabo de vassoura. E quando Eliane lhe diz que tem gente que acha que ele é louco...

“A verdade é que quem acha que eu sou louco não raciocina.”

Temas como preconceito social, discriminação e hipocrisia permeiam as duas histórias que se seguirão. É assim com a Eva, de Eliane, e a Mula-Marmela, de Guimarães Rosa. Ambas são excluídas, abandonadas à própria sorte. Estas duas mulheres, com histórias e contextos diversos, têm suas vidas levadas a um mesmo destino. Mas a maneira como elas lidam com o preconceito e a discriminação são distintas. Eva luta a vida inteira contra todos os que a tentam impedir de ser gente; Mula-Marmela se fecha em si, na sua solidão. Mesmo banida, ela passa toda a sua trajetória ajudando e cuidando daqueles que a baniram. Não a toa, Guimarães Rosa intitula seu conto como “A Benfazeja”. Vejamos agora um pouco dessas duas “criminosas”.

“Uma mulher que cometeu um crime que a humanidade não perdoa. (...) à Eva, o mundo reservava apenas um destino: o de ser coitada. (...) Decidiu que não seria coitada. Que o mundo que se virasse com isso. Que o mundo achasse outras vítimas para preencher seu horror. Este foi o crime de Eva. Pelo qual jamais a perdoaram. (...) Como ela, a deficiente (...) ousava renegar a mão da caridade, irmã da pena, prima da hipocrisia?como ousava ela, a anormal, encarar de igual para igual os normais?”

O crime de Eva foi o de lutar com o mundo pelo direito de igualdade, mesmo sendo deficiente física. O crime de Eva foi ter entrado na escola e com suas mãos retorcidas, ter aprendido a escrever entre as dores e o sangue. O crime de Eva foi acreditar ser capaz de reescrever seu destino. O crime de Eva foi ter se reinventado.
Aos 17 anos, Eva gritou:

“Se eu derramar comida para comer, deixem que eu derrame. Seu eu derrubar as coisas quando eu pegar, deixem que eu derrube. Se eu cair, deixem que eu me levante.”

Eva queria fazer, mesmo que com as dificuldades que lhe cabiam, as coisas mais simples que qualquer ser humano poderia fazer e como ser humano, Eva tinha seus sonhos.

“Queria ensinar como se podia escrever com as mãos em chagas. E fazer das mãos retorcidas asas. Mas muitas eram as almas disformes que se colocariam entre Eva e o mundo. (...) Como vai escrever no quadro-negro tremendo desse jeito? Como vai ensinar com uma letra tão feia? Não vê que isso só vai incomodar? Não entende que entre você e uma menina normal vão escolher a normal?”

Mesmo cercada por todos os lados, Eva fez faculdade, se formou e conseguiu ocupar salas de aula como educadora. Mas...

“Quando descobriam que Eva não era coitada, que empregá-la não era um ato de caridade, tudo mudava. Quando descobriam que Eva era capaz, que era preciso competir com a sua mente, não com seus tremores, tudo se alterava. A comiseração do início transmutava-se em ódio. (...) Eva é mulher, negra e pobre. Eva treme as mão. Tudo isso até aceitam. O que não lhe perdoam é ter recusado a ser coitada. (...) a odeiam porque não podem sentir pena dela”.

Agora vamos acompanhar o crime de uma outra mulher. O crime de Mula-Marmela. O crime desta mulher foi o de ter matado um homem, não um homem qualquer; mas o Mumbungo. Acompanhe.

“Sei que não intentaram na mulher; nem fosse possível. (...) A mulher – a malandraja, a malacafar, suja de si, misericordiada, tão em velha e feia, feita tonta, no crime não arrependida – e guia de um cego. (...) soubessem-lhe ao menos o nome. Não; pergunto, e ninguém o inteira. Chamavam-na de a “Mula-Marmela”, somente, a abominada. (...) E nem desconfiaram, hem, de que poderiam estar em tudo e por tudo enganados? (...) Seu antigo crime? (...) que o assassinado por ela era um hediondo, o cão de homem, calamidade horribilíssima, perigo e castigo para os habitantes deste lugar. (...) O cego Retrupé era filho do finado marido dela, o “Mumbungo”, que a Mula-Marmela assassinara.”

Esse Mumbungo era o homem mais violento e sanguinário da cidade. Matava simplesmente pelo prazer que ver a vítima “caretear”. Gostava do sabor de sangue. Homem perverso e temido por todos.

“E por causa dele, todos estremeciam (...) Era o punir de Deus, o avultado demo, - o “cão”. E, no entanto, com a mulher, davam-se bem, amavam-se. Como? O amor é a vaga, indecisa palavra. (...) O Mumbungo queria à sua mulher, a Mula-Marmela, e, contudo, incertamente, ela o amedrontava. (...) Talvez pressentisse que só ela seria capaz de destruí-lo, de cortar, com um ato de “não”, sua existência. (...) Talvez adivinhasse que em suas mão, dela, estivesse já decretado e pronto o seu fim. (...) o Mumbungo, se vivia bem com a mulher, a Mula-Marmela, e se ela precisava dele, como os pobres precisam uns dos outros, por que, então, o matou? Vocês nunca pensaram nisso, e culparam-na. (...) Mas, quando ela matou o marido, sem que se saiba a clara e externa razão, todos aqui respiraram, e bendisseram a Deus”.

O crime de Mula-Marmela foi ter matado o homem que a todos mataria, se possível fosse. O crime de Mula-Marmela foi ter matado o homem que todos sentiam vontade de matar, mas que nunca tiveram coragem. E ela - mesmo amando este homem do fundo de sua alma - o matou; pelo bem de todos; pelo seu próprio mal; pela sua própria dor.

“Mas não a recompensaram, (...) ao contrário: deixaram-na no escárnio de apontada à amargura, e na muda miséria, pois que eis. (...) a mulher tinha de matar, tinha de cumprir por suas mãos o necessário bem de todos, só ela mesma poderia ser a executora – da obra altíssima, que todos nem ousavam conceber, mas que, em seus escondidos corações, imploravam. Só ela mesma, a Marmela, que viera ao mundo com a sina presa de amar aquele homem, e de ser amada dele (...) que sentia mais que todos, talvez, e, sem o saber, sentia por todos, pelos ameaçados e vexados, pelos que choravam os seus entes parente, que o Mumbungo, mandatário de não sei que poderes, atroz sacrificara. (...) Sei que vocês não (...) reparam como essa mulher anda, e sente, e vive e faz. (...) Ela olha tudo com singeleza de admiração.. mas vocês não podem gostar dela. (...) Dizem-na maldita”.

Foi por se compadecer da dor daqueles que o Mumbungo havia matado por simples prazer, que Mula-Marmela, mesmo o amando, resolve abdicar da sua felicidade em nome dos parentes das vítimas que o Mumbungo faria, se vivo continuasse.

“Vocês, creio, gostariam de que ela também se fosse, desaparecesse no não, depois de ter assassinado o marido”

É então que Guimarães Rosa lança a questão: “o que seria das pessoas nas mãos de Retrupé se a Mula-Marmela também tivesse se matado?”, já que naqueles tempos ele “ainda não estava cegado”. Retrupé era igual o pai: sanguinário, perverso, cruel; o cão.

“Só aí, se deu que, em algum comum dia, o Retrupé cegou, de ambos aqueles olhos. Souberam vocês como foi? Procuraram achar? Sabem, contudo, que há leites e pós, de plantas, venenos que ocultamente retiram, retomam a visão, de olhos que não devem ver. (...) Talvez, ele não precisasse de danado morrer como o Mumbungo, seu pai. Talvez, me pergunto, o próprio Mumbungo descarecesse de ser morto, se acaso, por ponto, alguém pensasse antes nessas ervas cegadoras”.

Cego, o Retrupé não podia fazer mal a ninguém. Mesmo assim, Mula-Marmela passou a cuidar dele. Acompanhava-o onde quer que ele fosse, mesmo com seus resmungos, seus desatinos; sempre ajudando-o. Se correspondiam através de sussurros, gemidos, silêncios.

“Parece que seu temor fazia-o murmurar queixumes, súplicas, à Mula-Marmela. E, no entanto, ela cada dia para com ele mais se abranda, apiedada de seu desvalor.”

Mula-Marmela tinha para com o Retrupé um amor de mãe. Ele era o filho que ela nunca teve. Ele nutria por ela um amor filial . Mas sempre fugiam das demonstrações. Cada um guardava para si seus sentimentos. O Retrupé sempre sussurrava seus pedidos de perdão à Marmela e ela o ouvia “sem parecer que”. Foi assim até o Retrupé envelhecer e morrer.

“Não viram, na madrugada, quando ele lançou o último mau suspiro. Sim, mas o que vocês crêem saber, isto seriamente afirmar: que ela, a Mula-Marmela, no decorrer das trevas, foi quem esganou estranguladamente o pobre-diabo, que parou de se sofrer. (...) Só não a acusaram e prendera, porque maior era o alívio de a ver partir. (...) Sem lhe oferecer ao menos qualquer espontânea esmola, vocês a viram partir. (...) Vocês, de seus decretantes corações, a expulsavam”

Mesmo velha, quase à beira da morte, sozinha, resignada, ferida, maltratada e ignorada por todos, Marmela não perde sua essência. E na sua particular forma de fazer o bem ao próximo sai da cidade carregando consigo uma incumbência dolorosa.

“E, nunca se esqueçam, tomem na lembrança, narrem aos seus filhos, havidos ou vindouros, o que vocês viram com esses seus olhos terrivorosos, e não souberam impedir, nem compreender, nem agraciar. De como, quando ia a partir, ela avistou aquele um cachorro morto, abandonado e meio já podre, na ponta-da-rua, e pegou-o às costas, o foi levando --: se para livrar o logradouro e lugar de sua pestilência perigosa, se para piedade de dar-lhe cova em terra, se para com ele ter com quem ou quê se abraçar, na hora de sua grande morte solitária?”

E como o próprio narrador sugere:

“Pensem, meditem nela, no entanto.”

Com relação à discriminação, preconceito e, principalmente, à hipocrisia social contida tanto no universo de Eva, quanto no de Mula-Marmela e das almas deformadas que as cercam, cabe mais um trecho de “A Benfazeja”.

“Cada qual com sua baixeza; cada um com sua altura.”

Felizmente, nem todas as histórias são contadas com almas deformadas. Existe espaço também para almas que se reinventam e transformam outras almas. É assim com Eliane, a professora que lança um olhar além do rótulo de enjeitado, abilolado, malcheiroso de Israel, um rapaz de 29 anos que vivia num canto ou noutro da vila Kephas. Refletido no olhar dessa professora, Israel se deixa descobrir, e descobrindo Israel, Eliane também se descobre.

“Israel descobriu nos olhos da professora que era um homem, não um escombro. (...) E quando perceberam, Israel estava no interior da escola. (...) Cruzou a porta e pintou bonecos de papel. Israel estava todo dentro do olhar da professora. (...) Israel, o paria, tinha se transformado em Israel, o amigo. (...) E a professora, que andava deprimida e de mal com a vida, descobriu-se bela, importante, nos olhos de Israel. E as crianças, que têm na escola um intervalo entre a violência e a fome, descobriram-se livres de todos os destinos traçados nos olhos de Israel.”

Apesar da existência de “Evas” se confrontando com muitas “almas deformadas” - que sabemos transitar por estes confins - nos conforta saber que há também muitas “Elianes” lançando seus olhares para pessoas como “Israel”, capazes – ambos – de transformar os olhares que os rodeiam.

Eliane – agora a jornalista - nos contagia com sua vontade de mudar o mundo. Essa mudança pode não ocorrer de forma esperada, mas com certeza vai despertar alguma coisa em quem lê. Não dá pra não se ver refletido naquelas vidas que ninguém vê. Não dá pra olhar para um sinal vermelho e não se lembrar da menina Camila. Até quando ficaremos dentro dos nossos carros bonitos com o vidro fechado para estas “Camilas” que nos cantam por socorro todos os dias? Até quando iremos fugir do conhecimento da miséria dessas “Camilas”, miséria nossa? Esperaremos que essas “Camilas” morram para que nunca mais assombrem nossas janelas? A Camila que morreu, fazia a diferença cantando nos cruzamentos da cidade para pedir seus trocados.

“Seus hinos se espalharam pelas sinaleiras e, mesmo depois de sua morte, seguem ecoando pela boca de outras Camilas. (...) Os versinhos de Camila cruzaram o ar semearam as esquinas. Não se iluda. (...) Haverá sempre uma delas tentando arrombar o vidro do carro com a urgência de sua fome.”

Numa infeliz metáfora, Camila morreu afogada, debatendo-se como fez durante toda a vida.

Quando aborda o tema liberdade, Eliane nos coloca dentro de um retrato, um retrato preto e branco, um retrato triste, apagado. O retrato de um macaco que não conhecia o mundo além da sua jaula. Tinha o instinto, mas ficou limitado à liberdade dentro da jaula. Passou a vida inteira lutando para abrir o cadeado e quando o fez, quando se viu diante da imensidão do mundo do lado de fora da jaula... entrou num restaurante e ficou bebericando um copo de cerveja. Eliane faz uma irônica relação do zoológico para com o macaco e do apartamento para com o homem. De como tais seres se relacionam com seus respectivos “cativeiros”.

“Pode (o homem) então voltar para o apartamento financiado em 15 anos satisfeito com sua vida. Abrir as grades da porta contente com seu molho de chaves e se aboletar no sofá em frente à TV. Acorda na segunda-feira feliz para o batente. Feliz por ser homem. E por ser livre”.

A ironia de Eliane é carregada de reflexão, sua função alertar, questionar de forma positiva, pois Eliane – assim como muitos – sonha em mudar o mundo, aos pouquinhos, ou melhor, aos pedacinhos. O espírito dessa mulher está presente na alma do velhinho Oscar Kulemkamp, o homem que transforma tudo o que para os outros não tem utilidade; todos os “restos” abandonados por terceiros. A partir destes “restos”, Eliane, Oscar, Adail e outros tantos personagens reais, sonham com...

“Uma Pasárgada onde bonecas cansadas, fotografias de crianças que já se deixou de amar e cartões de aniversário que se foram não virem lixo. Um mundo onde nem coisas nem pessoas sejam descartáveis. Onde nada nem ninguém fique obsoleto depois de velho, quebrado ou torto. Um mundo onde todos tenham igual valor. E a nenhum seja dado uma lixeira por destino”.


Com linguagens diferentes, particulares, Eliane Brum e João Guimarães Rosa –num misto de realidade e ficção - nos faz refletir sobre a existência de um ponto de vista, de um olhar para algo e conseguir enxergar o não-óbvio, perceber além da superficialidade, com um olhar mais aprofundado e questionador.
São histórias que nos despertam o desejo de entender o porquê dessas pessoas estarem à margem da sociedade. Por que são excluídas tão brutalmente do convívio com o mundo? Eliane Brum também não responde a nenhuma destas perguntas. Lança outras;
Quem é Geppe Coppini? Quem é Adail, Antonio, Camila, Eva, Frida? E como ela mesma sugere:
-- “Vocês decidem”.



Autoria: Everson Bertucci

terça-feira, 7 de abril de 2009

ESTUDO ELABORADO A PARTIR DO TEXTO "O QUE É FATO SOCIAL", de Durkheim

LIBERDADE NO CASULO

Palavra chave: coerção

Resumo: A liberdade é como um labirinto: para chegar em determinado local é preciso que se passe, obrigatoriamente, por outros pré-estabelecidos, o que não garante encontrar a saída.

De acordo com o que me deparo no texto “O que é fato social”, de Durkheim, chego à conclusão de que não existe liberdade, ou melhor, tal conceito é tido de uma maneira equivocada. Embora esta afirmação possa parecer apocalíptica, refiro-me à concepção de ‘liberdade’ como vem de imediato quando este conceito chega aos nossos ouvidos, ou seja, como princípio de fazer o que bem se entender quando e onde quiser sem prévia satisfação, o livre arbítrio, a independência etc.
A liberdade não passa de algo limitado, restrito. É como um labirinto: para chegar em determinado local é preciso que se passe obrigatoriamente por outros pré-estabelecidos, o que não garante encontrar a saída. O indivíduo não pode fazer o que bem entender, ou se o faz, faz dentro de limitações. Para assistir um espetáculo teatral, por exemplo, ele é livre, desde que tenha o dinheiro para pagar o ingresso.
Pode-se fazer o que bem se quer, desde que não se esbarre em condições sociais, em regras estabelecidas. Existe uma padronização social. Regras de vestimentas, comportamentais etc. Se o indivíduo tenta fugir a este padrão ele é coagido por inúmeros elementos, sejam eles vindos direta ou indiretamente. Ele não pode por exemplo, querer andar nu pelo mundo, mesmo que sinta vontade, a não ser que seja dentro de sua própria casa, dentro de suas limitações. Ousar fazer isto fora do seu espaço, será reprimido pela sociedade, através das autoridades.
Se o indivíduo não se submete às convenções, se não leva em consideração os usos de sua ‘tribo’, automaticamente há uma exclusão, uma segmentação e ele tem de arcar com as conseqüências de seus atos. Neste caso não há uma punição direta e sim indiretamente. Será que este indivíduo está preparado a pagar esse preço? Será que existe uma estrutura psicológica para se viver à margem da sociedade? Será que mesmo à margem ele conseguirá estabelecer um contato de identificação consigo mesmo? Será que ele está preparado para encarar esta coerção social? Será que a fuga pode vir a ser a solução?
Onde quer que o indivíduo esteja sempre vai haverá regras e limitações, muitas criadas por ele mesmo. O que pode acontecer é em cada lugar existir limitações diferentes. O que é regra num lugar pode não ser em outro.
Como pode o indivíduo dizer-se totalmente livre profissionalmente, se muitas vezes, não pôde exercer o que realmente quis por motivos ou interesses financeiros, sem poder escolher o trabalho desejado, tendo que se dispor a encarar o que apareceu primeiro. Para obter um objeto desejado ele é obrigado a pagar pelo mesmo através de seu esforço físico ou intelectual, embora isso possa passar despercebido por este.
Desde que nasce é passado ao indivíduo valores, conceitos etc. A educação dele consiste numa maneira imposta de ver, de sentir e de agir de acordo com a realidade que o cerca. Cabe a ele questionar o que está lhe chegando e tentar mudar sua realidade, embora ele possa se deparar com uma força muito maior que a sua e o medo de ser sucumbido por ela o faça esmorecer. Ele pode ser coagido e engolido violentamente.
Assistindo a um filme, percebi a felicidade de um personagem quando desfez seu casamento aparentemente feliz , abandonou quase tudo o que tinha, entrou em seu carro conversível e saiu pela estrada dirigindo sem rumo, a toda velocidade, e ouvindo música no último volume. Este era o conceito dele de liberdade. Para sua esposa, poderia ser as alianças.
Como o indivíduo pode ser livre sem ignorar a presença do outro? Como ser livre perante todos os signos existentes, sejam na vida matrimonial ou social, em que a liberdade de um pode simbolizar a prisão do outro?
Podemos considerá-la como mais um produto mercadológico? Um produto que o mercado trata de divulgar e que não passa de mais uma motivação para que o homem continue a alimentá-lo?

Autoria: Everson Bertucci

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 26 - necessidade

Diário, aquela parte que eu falei está me enlouquecendo. Eu tento enganá-la - olhando pra outros, ouvindo a marchinha do carnaval, sorrindo e conversando com os amigos, fazendo louvores à Dionísio - mas não adianta, ela é muito esperta. Ela desvia todo e qualquer tentativa de fuga. Que vontade olhar em seus olhos e repetir "estou tão feliz por você estar aqui!". Segurar em suas mãos e perceber que, pelo menos por alguns segundos, não estou só. Ilusões! Eu preciso delas, diário.

Autoria: Everson Bertucci

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 25 - lágrima

Ai, diário, como é triste não ter ninguém para se oferecer uma canção de amor. Dessas em que se tem total vontade de... boa noite, diário!

Autoria: Everson Bertucci

quinta-feira, 2 de abril de 2009

O DIARIO DE ALICE - EPISÓDIO 24 - a parte que importa

O tiro saiu pela culatra, diário. Eu me diverti, sim. Mas não tanto como eu gostaria. Eu dancei, sim, mas não era isso que eu queria. Uma parte de mim quer esquecê-lo, sabe que tem de esquecer. Mas a outra parte simplesmente não esquece. Uma parte de mim quer encontrar outro, mas a outra não. A parte que quer esquecer está lutando contra a outra, mas está muito difícil, diário. A parte que não quer esquecer está jogando sujo. Ela está me transformando numa pessoa absolutamente desinteressante. A parte que quer esquecer é a mais sensata. Ela sabe que tudo não passa de uma idealização, sabe também que não será nada fácil lutar contra a outra. Ela vai conseguir, não vai, diário? Brigada! Mas a parte insensata não pára de pensar nele. Ela insiste em estar com ele, pois ela sabe que com ele seria diferente. Seria alegre, divertido... seria autêntico, diário.

Autoria: Everson Bertucci

quarta-feira, 1 de abril de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 23 - reconciliação

Diário, apesar de tudo estou feliz. Já esqueci todos os xingamentos, aliás, gostaria de agradecer. Nunca imaginei que sua agressividade fosse me fazer tão bem. Acho que você gosta de mim, diário. Só gostando de alguém somos capazes de humilhar e espezinhar. Por isso, sou absolutamente grata a ti. Tudo bem que nem tudo era verdade, você acabou pegando pesado, eu entendo. Você gosta de mim, não gosta? Diário, estou falando com você! Diário? Diário? Greve do silêncio de novo? Ai, diário, por favor! Não agüento mais ficar falando sozinha! Prometo que vou deixar de ser grossa. Vamos combinar assim? Eu não entendo você, diário. Eu sempre fui tão atenciosa contigo, tão companheira, ouço todas as suas angústias, desabafos e por tão pouco você me vira as costas. Volte a ser meu amigo. Quero te fazer uma proposta. Que tal passarmos uma borracha em tudo e recomeçar sem mágoas? Topas? Brigada!

Autoria: Everson Bertucci