Trio faz um mergulho na cultura popular brasileira num resgate de canções antigas
Nos arredores da Pinacoteca e do Museu da Língua Portuguesa, entre cultura contemporânea e moderna, esculturas e monumentos, entre prostitutas, cafetões, bêbados, crianças, adolescentes e adultos, a Praça da Luz é cenário para um trio de seresteiros que fazem um resgate de canções populares, nas tardes de sábados e domingos, cantando e tocando músicas que, hoje, quase não se ouvem mais nas rádios.
Passear pela Praça da Luz pode tanto ser um divertimento, como estar perto e atento a um leque de opções culturais. Em frente a ela, o Museu da Língua Portuguesa oferece várias opções de conhecimento dentro da nossa língua. Do lado, a Pinacoteca disponibiliza exposições de artistas relevantes nacional e internacionalmente. E nem precisa entrar na instituição para apreciar seu acervo. No próprio parque há inúmeras esculturas espalhadas, de artistas como Lasar Segall e Caciporé Torres.
Antes de atravessar o portão que dá entrada à praça, já é possível sentir o cheiro do verde. Uma jaqueira, com frutos e repleta de folhagens, dá o ar da graça. Ao entrar, pessoas de todos os nichos circulam pelos corredores do lugar. E bem próximo ao portão, sentados num dos bancos, os seresteiros Erito de Souza Leão, de 76 anos, Felimom Franco, 69, e Antônio José Gonçalves, 67, encantam a plateia que para, ouve, se encanta e segue.
Como todo o centro de São Paulo, a Luz também se tornou um lugar de passagem, e enquanto as pessoas passam, Leão dedilha o saxofone, Franco e Gonçalves o acompanham no violão. Alguns chegam bem perto do trio, outros admiram, ficam mais de longe, se empolgam, fazem pedidos, outros, permanecem contidos, ouvindo em silêncio. Leão para o saxofone e começa a cantar. Uma voz grave, forte. Uma voz de quem já viveu e cantou bastante.
Alguns estudantes conversam com os músicos, lhes fazem perguntas, filmam, fotografam, questionam. Eles respondem, atendem, brincam, fazem piada e voltam a tocar e cantar. Num certo momento, a plateia se torna totalmente masculina. Vários homens, de diferentes idades, observam os cantores e tocadores. Seus olhares têm expressão de lembrança.
Antonio Domingos dos Santos diz que sempre passa para ouvir os seresteiros. “Ouvi-los cantar me traz muitas lembranças. Lembro da minha família, de momentos que vivi. A música tem o grande poder de marcar épocas, vidas, momentos especiais. Na minha história não foi diferente”, completa.
Tudo de mais inusitado acontece nos corredores da praça. Enquanto o trio canta, passam artistas de rua com números circenses, senhoras passeiam com seus netos, senhores negociam com as prostitutas, casais passam de mãos dadas trocando carícias. Nada afeta os seresteiros, nem o barulho da trupe do circo, tampouco o estrondo dos aviões que sobrevoam o parque.
Nostalgia
Quem viveu entre as décadas de 20 a 50 certamente irá parar quando o trio começar a tocar: “Ah, se tu soubesses como eu sou tão carinhoso...”, de Pixinguinha, ou um Samba canção de Noel Rosa, “Perto de você me calo, tudo penso e nada falo, tenho medo de chorar...”. O resgate de músicas antigas, feita pelo trio, tem o intuito de não deixar que músicas da época vivida por eles, morram. Franco diz que são canções muito bonitas e que estão caindo no esquecimento. “Podem ver que aqui chega muita gente e pede uma música, um samba canção de Nelson Gonçalves, mas tem muitos que não conhecem. Porque as músicas foram engavetadas, infelizmente, esquecidas”, diz.
Não há quem não passe e pelo menos por um minuto não pare, não fique curioso, quem não passe pelo caminho e cantarole algumas estrofes da música. “Antigamente as músicas tinham mais melodia, mais poesia, mexiam com as pessoas, com seus sentimentos. O Nelson Gonçalves tocava violão, cavaquinho, pandeiro. Assim como a banda Demônios da Garoa ainda mantém essa tradição”, declara Franco.
É começar a dedilhar a introdução de alguma música que as pessoas que estão passando param, fazem roda, conversam com os músicos, fazem escolhas - são exigentes - dão palpites. A Música começa nos primeiros acordes no sopro do sax, logo em seguida os dois violões acompanham. Se ouve Cartola, Pixinguinha, Ary Barroso, Chico Buarque, Roberto Carlos, entre outros clássicos.
A Formação do Trio
Franco e Gonçalves faziam parte de um trio formado por outro integrante, Jorge, que tocava cavaquinho, falecido há quase dois anos. Eles tocavam samba e samba-canção, sempre na rua 15 de Novembro, no centro da capital paulista. Após a morte do parceiro, a dupla resolveu tocar no Parque da Luz, onde conheceram o saxofonista Erito de Souza Leão.
Leão conta que o encontro com a dupla Franco e Gonçalves não foi casual, pois já tinha ouvido eles tocarem na rua 15 de Novembro e desde então, passou a admirá-los. Quando os encontrou na Praça da Luz, aproveitou a oportunidade, os abordou dizendo que tocava sax e que gostaria de tocar com eles. O músico relata que, no início, Gonçalves não acreditou muito e até fez piada da situação, mas acabaram conversando melhor e formaram um novo trio.
Para eles, o compromisso é com a música e com o prazer de fazer o que realmente gostam. Eles não têm um vínculo profissional e nem a obrigação de tocar. Simplesmente se encontram porque gostam do que fazem e se reúnem para tocar aos sábados e domingos no parque, embora isso não seja uma obrigação. “A gente procura tocar aqui todo final de semana, mas quando não dá não tem briga. Nós não temos uma agenda”, completa Franco.
Por Everson Bertucci, Flávio Rocha e Tainá Pio
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