quinta-feira, 13 de agosto de 2009

ESCULTURA SEM TÍTULO 5 - fluxos

Gostaria muito de entender o por quê da aspereza com que as folhas secas têm caído sobre o lençol e o tem feito perder a delicadeza azul que escorre na água em busca do esgoto me explica aquela música que eu tanto ouço sair da parede ao lado e que demora a cessar seu toque pesa sobre a flor que exala aquele cheiro que não dá para dizer o que é apenas não se dilui pelo corredor barulhento e vazio do lugar colorido com giz de cera. Sente o que sinto? São elas que se aproximam eu sinto o cheiro doce que me toma mas não sei de onde vem tanta singeleza quando o casamento não mais escapa do inverno que se principia e traz à tona todo o gosto vermelho das cerejas e que impressionam pelo formato arredondado e quase perfeito dos verbos intransitivos da nostalgia do presente que é preciso dizer sem medo que as verdadeiras cerejas não resistiram ao tempo ou simplesmente não eram cerejas

Autoria: Everson Bertucci

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

ESCULTURA SEM TÍTULO 4 - fluxos

suspensa no ar pelo suspiro de assombro que nao se faz a árvore se espalha em galhos disformes cor de sangue onde brotam vestidos pendurados delicadamente em cabides de sal numa transformaçao parecida com o da borboleta abandonando o casulo através da lentidao enquanto a seda aos poucos forra o chao que nao existe é simplesmente pao que mata um pouco da fome da mulher que nao percebe a vestimenta e a faz cair no infinito que seca

Autoria: Everson Bertucci

domingo, 9 de agosto de 2009

ESCULTURA SEM TÍTULO 3 - fluxos

No fundo todos caminhavam com sobretudos longos e escuros passando pela varanda silenciosa com cadeira de balanço que a sombra da grande árvore protege do sol escaldante e seguiram pela mata fechada ouvindo as maritacas tuiuiús quatis tamanduás raptando todas as grandes pedras para dentro dos enormes bolsos feitos para este acolhimento e ganharam as águas do rio que trás vida ao campo verde até imergirem definitivamente a procura do respiro que alivia a dor deveras sentida e que agora flutua densa
Autoria: Everson Bertucci

terça-feira, 4 de agosto de 2009

ESCULTURA SEM TÍTULO 2 - fluxos

A estátua caminha sob o ácido que cai do céu que já foi olhado pelos que não mais enxergam o túnel infinito de luzes apagadas pelo assopro da boca seca de quem um dia viveu o horror da lama que exala o perfume que ninguém usa por motivo de inadimplência pelos débitos que ficarão sempre pendentes nas notas escritas à mão e que em algum lugar surgirão quando ninguém mais esperar e as lágrimas não mais adiantarão de nada obrigado pelas flores de bronze embaladas pela música surda do plástico derretido
Autoria: Everson Bertucci

domingo, 2 de agosto de 2009

ESCULTURA SEM TITULO 1 - fluxos

Porque está tudo fora do lugar. O céu o vento o ar o sol os dias a sensação gostosa de frescor o vinagre que era vinho os sons a luz que custa entrar o reverberar as cordas vocais calejadas sem contar com o fedor que as rosas têm exalado não não sei o que fazer com o sofá que não combina com aquele tom de vermelho que escorre da parede branca me passa um café fresco forte sem açúcar descafeinado não melhor um cubinho de açúcar eu gosto de vê-lo derreter no líquido escuro que se mistura ao sangue das pessoas sem sangue e frívolas por natureza morta pendurada na parede invisível da janela que foi aberta mas não deveria tire essas mãos de mim não quero mais sentir seu toque frio do dia cinza e por favor me mande flores que não rosas para que o buraco seja fechado custa trinta e cinco reais fatos que poderão acontecer e é por ele que tudo vai entrar e aos poucos tudo não passará de escuridão processo lento de vida que rasteja pelo fim não adianta encarar o espelho dessa forma ele se partirá em vários e te destruirá aos poucos o sol é mais forte através dele e a interrupção é isso que se vê nas calçadas nos corredores pontos isolados da cidade que empreteia a cada dia mais o verde que se esvai não não é nada como voce pensa o que há é uma caminhada que não leva a lugar algum e não há ninguém querendo chegar. Eu quero. Um suco de laranja bem gelado mas sem gelo não posso com artificialidade tire o lixo com cuidado eu não quero fechar o livro mas vire pro outro lado e apague a luz enquanto a caduquice do mundo não vem.

Autoria: Everson Bertucci

sexta-feira, 24 de julho de 2009

NOVA MESMA HISTÓRIA - conto

Há muito tempo a avó foi ensimesmando e aos poucos, perdendo a memória. Não lembrava do dia anterior, da ação anterior, da palavra anterior. Era preciso alguém que cuidasse dela, pois já não distinguia muito bem os objetos. Dava-lhes outros nomes, e era dada a achar que a água do vaso sanitário era encantada.

-- ela faz as coisas voltarem.

Também tinha ímpetos de querer pular a janela.

-- do lado de lá tem muita vida, dizia.

Puseram grades na janela.

Além desses cuidados especiais, a avó costumava contar todos os dias a mesma história: que foi casada com um general, teve treze filhos, que dois deles morreram na guerra como bravos heróis e que os girassóis lhe traziam uma grande tristeza. Na família ninguém mais tinha paciência de ficar tomando conta dela. Ter de ouvir a mesma história várias vezes ao dia e se atentar para que não mexesse na água do vaso sanitário. Henrique, de 9 anos, era o único que sobrara para cuidar da avó. Seus pais o obrigaram. Detestou a idéia, mas não havia escolha. Prometeram uma boa mesada.

-- você sabia que eu gosto de docinho?, perguntava a avó ao neto.

Ele não respondia. Ficava sentado entretido com os joguinhos do celular.

-- pois é, eu gosto demasiado de docinho.

Henrique nem ouve.

-- você nunca fala?

Silêncio.

-- como você se chama?

Meio irritado, responde.

-- Henrique.
-- ah, você fala sim. E tem uma voz bonita! E se fala, ouve. Vou te contar uma história.
E contava. Dia após dia a mesma história. Enquanto contava, se dirigia ao banheiro.

-- Vó, não vai mexer na água do vaso, viu?! É suja!

Ela parou na hora e ficou pensativa. Virou a cabeça na direção do neto, o olhou bem e disse:

- Vó?! Mas eu não sou sua vó. Te conheci agora.

E ficou espantada. Henrique, para não se estender no assunto...

-- Ah, é verdade. Eu devo estar ficando louco.

Ela até esqueceu que estava indo ao banheiro e voltou. Os dias passavam e ela contava para Henrique a mesma história, que entretido com seus joguinhos no celular, mal escutava. Até o dia em que foi tentar impedi-la de mexer na água do vaso sanitário e o celular caiu lá dentro e pifou.

Como não tinha mais como se distrair com seus jogos eletrônicos, começou a levar alguns brinquedos para não ter que dar ouvidos àquela história da avó. O primeiro, foi um caminhão de madeira.

-- que caminhão bonito você tem, menino. Me faz lembrar uma história. Vou te contar.

E começava a mesma história. Só que agora o caminhão fazia parte dela porque dizia avó que um de seus filhos teve um igualzinho.

Henrique gostou do que ouviu. Cada vez que ele trazia um brinquedo, aquela história que ninguém mais suportava ouvir ganhava uma nova roupagem e ficava mais e mais instigante. Foi assim com a bola, com o carrinho, com a peteca e com todos os outros brinquedos e objetos. E de todo dia ela perguntar como se chamava, Henrique passou a inventar nomes. Davi, Lucas, Nivaldo...

Os nomes também despertavam novas ramificações naquela velha história. Com o tempo, o menino começou a perceber que o que a vó contava fazia parte da história de seu pai, de seus tios, de seu avô. Quando perguntava seu nome, ele passou a dar o nome de um parente e assim essas novas histórias iam entrando na história.

-- você me faz lembrar meus netos e meus filhos.
-- e onde eles estão?
-- morreram
-- todos?
-- sim. Não sobrou nenhum.
-- morreram de quê?
-- morreram de não mais gostar de mim.

Henrique parou por um tempo e ficou pensando.

-- se você quiser eu posso ser seu neto.
-- melhor não. Não quero que você morra.

Ela percebeu que ele ficou tristinho.

-- mas pode me chamar de vó, se quiser.
-- tá bom. Vamos brincar na pia do banheiro?
-- eu faço os barquinhos.
-- eu quero ser o comandante!
-- só se eu puder ser a mocinha!

Não foi difícil para Henrique perceber que era preciso morrer a cada noite, ao despedir-se da avó, para renascer no dia seguinte com outro nome e trazendo mais objetos para que pudesse ouvir uma nova mesma história.

Autoria: Everson Bertucci

domingo, 28 de junho de 2009

EVERSON BERTUCCI E FLÁVIO ROCHA ENTREVISTAM LAURA - PORTADORA DO VITILIGO

Com cinco anos de idade, Laura era uma menina como outra qualquer. Filha de um casal simples, sua casa sempre foi repleta de crianças. Eram filhos de parentes, vizinhos e amigos. A mãe, Dona Analú, fazia muitos doces e petiscos para agradar a criançada. Sempre pronta para acolher quem quer que fosse, procurava oferecer o que tinha de melhor em sua casa. Não só ela, como seu esposo, Seu Joaquim, mais conhecido como Jaú – apelido do futebol. Este, dono de uma simpatia e generosidade que servia de exemplo para muitas pessoas.
Como uma boa parte das meninas da sua idade, Laura cresceu dentro do universo de Monteiro Lobato, suas histórias, seus personagens cativantes, seu universo fantástico. Uma menina que sempre vivia num mundo cor-de-rosa, tinha muito medo da morte e sonhava em ser bailarina. Era levada, adorava doces - todos eles - inclusive os mais simples, como aquela maria-mole vendida em um copinho e que vinha com um pequeno brinde que Laura chama de “figuinha”.
Apenas um detalhe começou a diferenciá-la das outras crianças, umas manchinhas brancas começaram a aparecer em seu nariz por volta dos seis anos de idade. Era o surgimento do vitiligo.
Os anos foram passando e no início de sua vida escolar seus medos mudam, o complexo e o isolamento surgem e com o passar do tempo, alguns fantasmas começam a freqüentar seu o cotidiano. A fuga da escola se torna a melhor opção.
Adolescente, Laura tem sede por conhecimento e a psicologia passa a fazer parte de seu sonho e faz despertar seu interesse de estudo nesta área, pois deseja desvendar os mistérios da mente, ajudar as crianças e àqueles que necessitam de auxílio emocional e encontram dificuldades, assim como ela.
Hoje, já mulher, Laura nos conta um pouco sobre a doença, os medos, o tratamento, a aceitação, o preconceito, os dissabores do amor, além da perda do sobrinho Nicolau de 14 anos, a importância da relação familiar, seu encontro com Chico Xavier, o desejo de ser mãe e outros aspectos relativos à sua vida.

O que é o vitiligo?

Doença caracterizada por descoloração da pele em certas áreas, de causa desconhecida e, embora não provoque danos à saúde, é um problema com poucas alternativas de tratamento. Sendo assim, o Vitiligo é uma patologia de despigmentação da pele em que manchas brancas podem surgir em várias partes do corpo. Normalmente são bilaterais (simétrico), mas pode ser assimétrico, segmentar, circunscrito, universal, congênito, generalizado e ocular. Várias hipóteses foram atribuídas acerca das causas da doença.
Estatísticas mostram que cerca de 4% da população mundial é portadora de vitiligo. Surge como se fosse uma resposta do organismo às tensões emocionais, como grandes perdas materiais, brigas de família, morte de um ente querido, ou viagem dos pais para o exterior.
Segundo especialistas, Vitiligo, não pega, não mata e não dói . A maioria dos pacientes com vitiligo já foi vítima de algum tipo de preconceito. Especialistas no setor afirmam que isso colabora para atrasar a reação positiva do organismo dos portadores aos medicamentos. Discriminar um portador de Vitiligo é uma atitude que não se justifica, porque Vitiligo não é doença, é apenas um problema de pele e como tal deve ser encarado pela família e amigos. Dermatologistas atestam que não há o menor risco de contágio direto ou indireto.

ENTREVISTADORES - Quando tudo começou?
LAURA – Quando era pequena, tinha muito medo da morte, ficava sabendo que alguém tinha partido, mesmo não conhecendo a pessoa, naquela noite eu não dormia. Tinha um doce que era uma maria-mole dentro de um copinho e vinha uma "figuinha" dentro. Um dia eu comi o doce e fiquei com a figuinha na boca, engoli e fiquei com ela atravessada, e com medo de morrer, apavorei, gritei pela minha mãe... Enfiava o dedo na garganta com medo de morrer. Eu cheguei a engolir o objeto, mesmo assim eu enfiava a mão na garganta e cheguei a machucá-la. Minha mãe me levou ao médico várias vezes, porque eu comecei a ficar com dor de estômago... Tinha de 5 para 6 anos, na época. O médico disse que eu estava com dor de estômago porque eu tinha passado nervoso. Ele medicou um tranqüilizante. Eu melhorei, mas depois de certo tempo, começou a sair uma mancha no nariz, que foi constatado que era vitiligo.

ENTREVISTADORES - Nesse período, qual era seu sonho?
LAURA – Eu sempre gostei de filmes clássicos, aquelas bailarinas, aquelas danças. Sempre me fascinaram. Meu sonho era ser bailarina. Tanto que eu adoro dançar. Foi passando o tempo e eu nunca fui atrás, agora até estou com vontade de entrar numa aula de dança (risos) sabe essa dança de salão? Então, estou com vontade de fazer.

ENTREVISTADORES - Como foi sua vida escolar?
LAURA – Foi um período que tive dificuldade, entrei na escola com sete anos, e que comecei a sentir determinadas coisas (complexo). Eu tive sempre bons amigos à minha volta, tanto no primário quanto no ginásio. A escola e os amigos não faziam diferença, o complexo estava em mim, não neles, tanto que os amigos falavam que para eles não tinha nenhum problema. Fui crescendo e me isolando, dei uma parada nos estudos, minha mãe tinha problema (de saúde) e eu não querendo me mostrar para a sociedade, então tudo se encaixou.

ENTREVISTADORES - Você associava seus problemas ao vitiligo?
LAURA – Sim, eu associava. Um dia durante uma conversa entre meu pai e minha mãe, sem que eles me vissem, ouvi minha mãe falar: “Velho, nós temos que ver o futuro da Laura. As outras (filhas) estão trabalhando, vão ter a aposentadoria delas, e nós não vamos viver a vida inteira. O que vai ser dela?” Eu tinha 22 anos, e comecei a me olhar desde os pés e fui subindo. Pensava “nossa, mais eu não sou aleijada, eu tenho perna, eu tenho pés...”. E eles (os pais) até aceitaram que eu ficasse em casa porque eu cheguei a ir procurar emprego, mas eu via no jornal que precisava ter boa aparência e sempre tinha aquilo na minha cabeça “duvido que vão me aceitar, não vai adiantar eu ir, eles vão me ver, lógico que vão querer a outra ou o outro”, e assim sucessivamente. Eu voltava para casa chorando. Então meus pais, cansados de ver esta cena toda vez que ia procurar emprego, resolveram me manter em casa. Me deram salário, me pagavam o correto. Parece que isso doía neles. Então, quando escutei aquela conversa... Eu falei comigo mesma que eu tinha que reverter. Parece que levei um choque, pois muita gente que estava em cadeira de rodas estava trabalhando. Quando eu estava sofrendo o complexo na íntegra eu não percebia essas coisas, foi então que decidi trabalhar fora.

ENTREVISTADORES - Como foi esse trabalho?
LAURA - O primeiro trabalho fora de casa foi com uma amiga, onde fui manicure em domicílio. Logo passei para um salão, onde fiquei quatro anos. Foi tranqüila, a minha relação com as pessoas, desde que não me deixasse me envolver pelo complexo. Depois desses quatro anos eu fui trabalhar numa escola, no Walt Disney (Escola Infantil).

ENTREVISTADORES - Houve algum fato que te surpreendeu lá?
LAURA – Quando houve uma mudança de direção na escola, a nova diretora disse que naquele ano os próprios alunos escolheriam quem homenagear. Então a professora de português pediu para eu subir até a sala do terceiro colegial. Logo pensei “Ai meu Deus, aí vem problema”. Fui até a classe e o líder da classe me disse, “Laura, por unanimidade você foi escolhida para ser a homenageada do ano”.

ENTREVISTADORES - Você sofreu algum preconceito neste período?
LAURA – Pelo contrário, eles até me defendiam e falavam: “Olha, não mexe com a Laurinha, não, hein! A Laurinha é sangue bom!” (risos).

ENTREVISTADORES - Os adolescentes e crianças, na escola, te perguntavam o que eram as manchas no seu rosto?
LAURA – As crianças, sim. Uma vez percebi que duas meninas me olhavam, eu as chamei e elas perguntaram: “O que é isso que você tem?”. Eu expliquei que eram manchinhas que saíram, e se contentavam com isso. Como eu sempre estava com elas dando carinho e atenção...

ENTREVISTADORES - Como era a sua relação familiar?
LAURA – Com as minhas irmãs foi assim: como a “Laura” sofria devido ao vitiligo, o amparo era maior, elas foram trabalhar cedo, e eu fiquei como a “bebezinha” da casa. Todo mundo amparava para eu não sofrer. Isso de certa forma influenciou na relação com minhas irmãs. Tanto que hoje sinto a distância delas em relação a mim. Meus pais sempre me trataram com mais cuidado, mais preocupação, e elas (irmãs) se sentiram como que deixadas de lado. Elas queriam que as tratassem igual. Meus pais foram assim, aonde falavam que tinham médico para tratar o vitiligo, eles me levavam. Iam, falavam com o médico e depois me levavam.

ENTREVISTADORES - E a relação atual com suas irmãs, como é?
LAURA – Eu gosto de coisas clássicas, elas de pagode; elas vivem de novelas e eu não suporto; adoro ler, elas já não gostam. Eu sou diferente. Até hoje se você conversar com elas vai ouvir “meus pais só faltavam colocar a Laura dentro de uma redoma de vidro para ninguém machucar, para ninguém tocar”. Eu quero que elas vejam a Laura de agora. Pois quando eu saí para trabalhar, eu dei uma mudança de trezentos e sessenta graus.

ENTREVISTADORES - E como foi esse processo?
LAURA – Eu me senti como se tivesse uma força interior falando assim “Agora você vai ou vai”. Porque a forma que a gente pensa, ou a gente abre ou fecha os caminhos. E como falei para mim, que eu era uma pessoa normal, que precisava trabalhar, os caminhos começaram a se abrir. Foi aí que veio uma amiga, me levou na delegacia do ensino, para escolher a escola onde tinha lugar para eu trabalhar. Ela fazia a unha comigo e dizia “Laura, eu não sei por que você não trabalha fora, você se comunica bem, é uma pessoa inteligente”.

ENTREVISTADORES - Fale um pouco dos seus pais.
LAURA – Meu pai era conhecido como Jaú, apelido do futebol. Um encanto de pessoa. Uma bondade que só faltava tirar a roupa do corpo para doar pro outro. E até hoje é uma pessoa homenageada. Até hoje ouço das pessoas que conheceu ele “o seu pai é um exemplo de vida pra gente!”. Isso quer dizer tudo. Nas horas enérgicas, no momento certo, foi enérgico sim, porque era necessário, pra dar uma educação, mas sempre com bondade e nisso construiu a Laura. Minha mãe era uma mulher lutadora, forte. Uma pessoa que casou com o homem certo. Ao mesmo tempo ela ficou em casa cumprindo o papel dela, ajudando aquele homem a enfrentar cada obstáculo que aparecia. Hoje eu estou aqui em nome dessa força dos dois. Deixaram uma riqueza imensa não só pra mim, como pra todos que estavam em sua volta. Me ensinaram a ter força, humildade e a querer o bem do próximo.

ENTREVISTADORES - Fale sobre sua entrada no Fórum de Mauá.
LAURA – Eu estava acostumada a trabalhar com criança e adolescente, onde havia uma troca. Você dava e recebia. No Fórum (onde trabalha atualmente) era o inverso. Quando eu entrei lá, as pessoas eram duras, como se fossem robôs. Aquilo me chocou. Na época eu fazia terapia com um psicólogo, o Sr. Rubens. Disse a ele que não queria ficar no Fórum. Ele me explicou que cada lugar que a gente vai temos uma missão, e se recusarmos essa missão, nós voltamos atrás para cumprí-la. Tudo é uma conquista. Fizemos um trabalho emocional, que eu poderia ser a Laura em qualquer lugar que eu fosse. Vai fazer 12 anos que estou no Fórum e nunca deixei de cumprimentar, de sorrir, de lidar com um, com outro. O que você leva, surte um efeito nas pessoas, independente do que você é.

ENTREVISTADORES - Você sentiu algum tipo de preconceito lá?
LAURA – Eu mudei a minha maneira de pensar. Quando eu estava vendo eles como robô... Eu afirmava “não gosto daqui, as pessoas são duras, são insensíveis”. Enquanto eu estava tendo essa visão, a coisa não iria mudar.

ENTREVISTADORES - E você acha que as pessoas te viam diferente em relação ao aspecto visual?
LAURA – Como certeza, mas não tive nenhuma forma de não aceitação ou receio como relação ao vitiligo.

ENTREVISTADORES - Você já sofreu alguma discriminação velada?
LAURA – Que tenha chegado até a mim, não. Nunca senti que isso aconteceu.

ENTREVISTADORES - Você vai fazer ou está fazendo algum tratamento?
LAURA – Eu estou fazendo. Tanto a parte psicológica quanto a parte médica.

ENTREVISTADORES - Como é o processo de tratamento?
LAURA – É lento, mas depende de como a pessoa lida com o problema. A ênfase da coisa está no emocional.

ENTREVISTADORES - E já sente os resultados?
LAURA – Com certeza. O remédio em si é uma coisa que você tem que acreditar naquilo que está fazendo. Quando eu procurava uma dermatologista, o que acontecia? A Laura ia especificamente só pelo vitiligo, esquecia da Laura mulher, da beleza, que poderia estar fazendo um tratamento. Eu estou em busca de eliminar o vitiligo, mas também cuidar de mim. Tratando da pele, não só do vitiligo. Não é tudo que eu posso usar. No lugar do claro (da pele) é muito sensível. Mas em em mim, não. Eu caminho, eu faço ioga, eu não paro.

ENTREVISTADORES - O sol não chega a te afetar?
LAURA – Não. A única coisa é que fica um pouco vermelhinho. Mas arder, machucar, coisa assim, não. Eu passo o protetor solar normalmente. Só.

ENTREVISTADORES - O que dizem os especialistas em relação ao tratamento? O que você já ouviu?
LAURA – Em termos de medicina, já ouvi de tudo, aliás, na minha adolescência o que levou eu ter complexo foi o que ouvi de um médico, que falou, assim, na lata: “Isso não tem cura, tem que saber lidar com isso”. Aquilo acabou comigo. Foi aí que veio o complexo mais difícil na minha vida. Um profissional tem que saber falar, saber orientar. O dia em que ele falou isso eu chorei duas semanas sem parar. Meus pais até se arrependeram de ter me levado nele, coitados! Eu tinha quinze anos. Foi duro.

ENTREVISTADORES – Nessa idade, qual era seu sonho?
LAURA – (Fica pensativa por alguns segundos) Aos quinze... A psicologia sempre me fascinou. Essa fase eu já estava pensando em psicologia. Era meu sonho.

ENTREVISTADORES - E hoje, o que dizem os médicos?
LAURA – Sempre me deram esperança. E uma coisa que sempre me fortaleceu também, como eu já falei, é a parte espiritual. A parte espiritual ajuda muito, muito, muito mesmo. Quando eu fui pra Uberaba foi já procurando algo tanto pro vitiligo como pra essa coisa, de medo da morte, coisa que eu já tinha superado um pouco por estar a algum tempo no kardecismo, (muito serena) é ali que eu tive a confirmação que a morte não existe... Que a vida continua. Através duma palestra do Chico Xavier.

ENTREVISTADORES - Como foi este contato? Você conversou com ele diretamente?
LAURA – Olha, lá eu vi tantos casos mais difíceis, complicados, que diante de todos os problemas das outras pessoas, eu percebi que eu não tinha nada, entendeu? E quando eu passei perto dele, ele me entregou uma rosa, eu peguei ia saindo. Foi quando ele me segurou pela mão, o Chico Xavier, e falou “fica tranqüila, você vai sarar, viu?”. Falou desse jeito.

ENTREVISTADORES - E sobre as questões do amor...
LAURA – O coração não escolhe quem gostar. Você quer escolher, porém... Certa vez eu ouvi da pessoa que eu gostava que eu era maravilhosa, mas ficava sempre na amizade, e eu tinha que entender isso, mas também não estava preparada para relacionamentos. Não havia preparado isso em mim. Obviamente qualquer tipo de relacionamento não iria dar certo. Eu achava que eu não conseguia uma relação mais forte por causa do vitiligo, e isso fazia com que eu não conseguisse ver que minhas amigas que não tinham vitiligo também não conseguiam se relacionar com ninguém (risos). E isso é uma coisa que eu ainda vou superar... Como eu superei no trabalho. Eu tenho certeza disso.

ENTREVISTADORES - Você tem vontade de ter filhos?
LAURA – Claro. Eu tenho vontade de ter trigêmeos (risos) até vejo os três, assim, deitadinhos, o carinho, aquela coisa toda. Eu tenho essa vontade... De ter um casamento e disso resultar em filhos. Eu sempre tive muito forte esse lado com universo infantil, aliás, minha família é assim. As crianças gostavam muito de ir à minha casa. Meu sonho era casar e ter filhos...

ENTREVISTADORES - Era?
LAURA – Não, é (risos) é meu sonho, formar uma família junto com a pessoa que eu goste e que ela goste de mim porque eu posso amar a pessoa, mas se ela não corresponder, isso não serve pra mim. Não serve.

ENTREVISTADORES – Tem algum outro sonho?
LAURA – Fazer uma faculdade de psicologia.

ENTREVISTADORES - Há pouco tempo você viveu um momento muito delicado que foi o falecimento do seu sobrinho de 14 anos. Como era sua relação com ele?
LAURA – Nós tivemos uma ligação muito forte. Muito mais eu com ele do que ele comigo. Quando ele era pequeno, eu ficava todo o tempo cuidando dele. Nós não nos parecíamos tia e sobrinho, éramos como irmãozinhos, tanto que, quando eu falava do ni (Nicolau) todo mundo achava que fosse meu irmão e não meu sobrinho. A morte de Ni foi surpresa. Muito, muito dolorida, mas muito mesmo. Tanto que eu voltei a fazer terapia. Eu não esperava isso. Não esperava mesmo. Eu tenho tanta fé que achava que ele ia sair dessa. Hoje eu consigo falar sem chorar, mas tinha vez que qualquer coisa que eu lembrava dele, eu chorava. Embora eu tenha voltado a fazer terapia por causa disso. Eu não tinha vitiligo nessa parte (lado direito do rosto), nas mãos também não tinha (mostra as mãos). Eu acho que a gente tem que extravasar, colocar pra fora tudo o que a gente está sentindo, mas eu me segurei muito por causa da minha irmã (mãe de Nicolau) e isso é um erro. Acredito agora, que Deus tem um propósito maior por tê-lo levado.

ENTREVISTADORES - Qual foi a causa do falecimento dele?
LAURA – Começou com problema na garganta e febre, mas acho que a infecção foi tão grande que começou a complicar os órgãos e, principalmente, o rim. Chegou a fazer hemodiálise.

ENTREVISTADORES - Como você lida com isso, hoje?
LAURA – O tempo ajuda muito.

ENTREVISTADORES – O que pode ser mais importante na vida de uma pessoa?
LAURA – O mais importante é se gostar. É a coisa principal. Se você não se ama, você não vai conseguir amar o outro.

ENTREVISTADORES - Se vendo de fora, quem é Laura?
LAURA – (pensa um pouco, sorri) A Laura... Olha, a Laura é o Coração de Deus. Porque o que eu quero pra mim, eu quero pra você, quero pra todos... (muito emocionada) principalmente para as crianças.


Por Everson Bertucci e Flávio Rocha