segunda-feira, 7 de setembro de 2009

AQUELA MULHER - conto


Olhei pro lado e vi Eulália. Até então não sabia seu nome. Só soube muito depois. Aparentemente tínhamos o mesmo propósito.

-- Vai se matar também?
-- Tô pensando, disse-me ela.
-- A vida é uma droga, né?!

Eulália pensou um pouco e disse:
-- Ah, a vida até que é bacana, o problema são as pessoas.
Passei a refletir sobre o que ela disse e lhe dei razão.

-- Será que dói muito quando se cai lá embaixo?
-- Dizem que dói... mas acho que nem dá pra saber direito. É tão rápido. O problema é se sobreviver.
-- Ah! Mas será que se sobrevive?
-- Eu soube de um cara que sobreviveu.

Fiquei aterrorizado.

-- Tá vivo até hoje. Parece que tava passando um caminhão de verduras na hora, ele caiu em cima e amorteceu a queda.
-- Que azar! E será que ele nunca mais tentou?
-- Ah, não! Deve ter ficado traumatizado. Mas deve ser uma super adrenalina pular dessa altura, já pensou?
-- Ah, não! Tenho medo de altura.
-- É a sua primeira vez?
-- Terceira
-- Sério?
-- No duro.
-- Por quê?
-- Estou apaixonado por uma mulher que não me ama.
-- E pelo jeito ela é linda!
-- Nada. É feia, chata, cheia de manias e mal humorada. Mas me apaixonei por ela. Não sei explicar.
-- Sei. E por que não se matou das outras vezes?
-- Na primeira vez porque uma velhinha percebeu que eu ia me matar e disse que se eu fizesse aquilo Deus ia me mandar direto pro inferno.
-- Desistiu por causa disso?
-- Ela foi bem enfática, me assustou.
-- E como ela era?
-- Velha! Gorda, baixinha, cabelos brancos... tava com uma roupa bonita!
-- branca?
-- Não. Era roxa. Por quê?
-- Ah, sei lá, se estivesse de branco, podia ser Deus disfarçado.
-- Que ideia!
-- Vai saber.
-- Será que podia ser Deus?
-- Não. Você não falou que ela estava de roxo?
-- Ah, é verdade!
-- Será que era uma bruxa?
-- Ah, não. Era feia, mas não tinha cara de bruxa.
-- Que ingenuidade a sua. Hoje em dia bruxa pode ter qualquer cara, nariz bonito e tudo.
-- Ah, é? Nem imaginava.
-- E da segunda vez, por que desistiu?
-- A velhinha apareceu de novo e disse a mesma coisa.

Eulália fica meio desconcertada e olha para os lados como que preocupada se alguém se aproxima.

-- Será que ela vai aparecer de novo?
-- Acho que não. Já tô aqui há mais de meia hora. Das outras vezes ela sempre aparecia rápido.
-- E por que você não pulou ainda?
-- Ah, tava esperando pra ver se ela aparecia. E você, por que não pula logo?
-- Não tenho coragem. Acha que a velhinha ainda vai aparecer?
-- Acho que não.
-- Talvez ela tenha vindo disfarçada.
-- Creio que não.
-- Vai pular mesmo?
-- Vou. A velhinha não apareceu.

Eulália me estende a mão e completa:

-- Desiste.
-- Não posso. Tá doendo muito.
-- Desiste. Vem comigo.

Me sinto intrigado com aquela mulher misteriosa e pergunto:

-- Quem é você?

Eulália me responde bem enfática:
-- Eu sou a velhinha e Deus vai te mandar direto pro inferno se pular dessa ponte.

Ficamos nos olhando fixamente por alguns segundos. Entendo a brincadeira e caímos na gargalhada. Agora sim, tínhamos o mesmo propósito.
E dizer que estraguei anos de minha vida, que eu quis morrer, que tive meu maior amor, por uma mulher que não me agradava, que não fazia o meu gênero!
Autoria: Everson Bertucci

Um comentário:

Paulo Fodra disse...

Muito bom o conto, Everson! A propósito, tem um selo para você lá no meu blog: http://aredknight.blogspot.com/2009/09/vale-pena-ficar-de-olho-nesse-blog.html

Abraço!