sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Os Seresteiros da Praça da Luz



Trio faz um mergulho na cultura popular brasileira num resgate de canções antigas




Nos arredores da Pinacoteca e do Museu da Língua Portuguesa, entre cultura contemporânea e moderna, esculturas e monumentos, entre prostitutas, cafetões, bêbados, crianças, adolescentes e adultos, a Praça da Luz é cenário para um trio de seresteiros que fazem um resgate de canções populares, nas tardes de sábados e domingos, cantando e tocando músicas que, hoje, quase não se ouvem mais nas rádios.

Passear pela Praça da Luz pode tanto ser um divertimento, como estar perto e atento a um leque de opções culturais. Em frente a ela, o Museu da Língua Portuguesa oferece várias opções de conhecimento dentro da nossa língua. Do lado, a Pinacoteca disponibiliza exposições de artistas relevantes nacional e internacionalmente. E nem precisa entrar na instituição para apreciar seu acervo. No próprio parque há inúmeras esculturas espalhadas, de artistas como Lasar Segall e Caciporé Torres.

Antes de atravessar o portão que dá entrada à praça, já é possível sentir o cheiro do verde. Uma jaqueira, com frutos e repleta de folhagens, dá o ar da graça. Ao entrar, pessoas de todos os nichos circulam pelos corredores do lugar. E bem próximo ao portão, sentados num dos bancos, os seresteiros Erito de Souza Leão, de 76 anos, Felimom Franco, 69, e Antônio José Gonçalves, 67, encantam a plateia que para, ouve, se encanta e segue.

Como todo o centro de São Paulo, a Luz também se tornou um lugar de passagem, e enquanto as pessoas passam, Leão dedilha o saxofone, Franco e Gonçalves o acompanham no violão. Alguns chegam bem perto do trio, outros admiram, ficam mais de longe, se empolgam, fazem pedidos, outros, permanecem contidos, ouvindo em silêncio. Leão para o saxofone e começa a cantar. Uma voz grave, forte. Uma voz de quem já viveu e cantou bastante.

Alguns estudantes conversam com os músicos, lhes fazem perguntas, filmam, fotografam, questionam. Eles respondem, atendem, brincam, fazem piada e voltam a tocar e cantar. Num certo momento, a plateia se torna totalmente masculina. Vários homens, de diferentes idades, observam os cantores e tocadores. Seus olhares têm expressão de lembrança.

Antonio Domingos dos Santos diz que sempre passa para ouvir os seresteiros. “Ouvi-los cantar me traz muitas lembranças. Lembro da minha família, de momentos que vivi. A música tem o grande poder de marcar épocas, vidas, momentos especiais. Na minha história não foi diferente”, completa.

Tudo de mais inusitado acontece nos corredores da praça. Enquanto o trio canta, passam artistas de rua com números circenses, senhoras passeiam com seus netos, senhores negociam com as prostitutas, casais passam de mãos dadas trocando carícias. Nada afeta os seresteiros, nem o barulho da trupe do circo, tampouco o estrondo dos aviões que sobrevoam o parque.

Nostalgia

Quem viveu entre as décadas de 20 a 50 certamente irá parar quando o trio começar a tocar: “Ah, se tu soubesses como eu sou tão carinhoso...”, de Pixinguinha, ou um Samba canção de Noel Rosa, “Perto de você me calo, tudo penso e nada falo, tenho medo de chorar...”. O resgate de músicas antigas, feita pelo trio, tem o intuito de não deixar que músicas da época vivida por eles, morram. Franco diz que são canções muito bonitas e que estão caindo no esquecimento. “Podem ver que aqui chega muita gente e pede uma música, um samba canção de Nelson Gonçalves, mas tem muitos que não conhecem. Porque as músicas foram engavetadas, infelizmente, esquecidas”, diz.
Não há quem não passe e pelo menos por um minuto não pare, não fique curioso, quem não passe pelo caminho e cantarole algumas estrofes da música. “Antigamente as músicas tinham mais melodia, mais poesia, mexiam com as pessoas, com seus sentimentos. O Nelson Gonçalves tocava violão, cavaquinho, pandeiro. Assim como a banda Demônios da Garoa ainda mantém essa tradição”, declara Franco.
É começar a dedilhar a introdução de alguma música que as pessoas que estão passando param, fazem roda, conversam com os músicos, fazem escolhas - são exigentes - dão palpites. A Música começa nos primeiros acordes no sopro do sax, logo em seguida os dois violões acompanham. Se ouve Cartola, Pixinguinha, Ary Barroso, Chico Buarque, Roberto Carlos, entre outros clássicos.


A Formação do Trio

Franco e Gonçalves faziam parte de um trio formado por outro integrante, Jorge, que tocava cavaquinho, falecido há quase dois anos. Eles tocavam samba e samba-canção, sempre na rua 15 de Novembro, no centro da capital paulista. Após a morte do parceiro, a dupla resolveu tocar no Parque da Luz, onde conheceram o saxofonista Erito de Souza Leão.

Leão conta que o encontro com a dupla Franco e Gonçalves não foi casual, pois já tinha ouvido eles tocarem na rua 15 de Novembro e desde então, passou a admirá-los. Quando os encontrou na Praça da Luz, aproveitou a oportunidade, os abordou dizendo que tocava sax e que gostaria de tocar com eles. O músico relata que, no início, Gonçalves não acreditou muito e até fez piada da situação, mas acabaram conversando melhor e formaram um novo trio.

Para eles, o compromisso é com a música e com o prazer de fazer o que realmente gostam. Eles não têm um vínculo profissional e nem a obrigação de tocar. Simplesmente se encontram porque gostam do que fazem e se reúnem para tocar aos sábados e domingos no parque, embora isso não seja uma obrigação. “A gente procura tocar aqui todo final de semana, mas quando não dá não tem briga. Nós não temos uma agenda”, completa Franco.


Por Everson Bertucci, Flávio Rocha e Tainá Pio

Publicado no link http://www.onne.com.br/conteudo/11499/os-seresteiros-da-pra-a-da-luz

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

NOVA MESMA HISTÓRIA

Há muito tempo a avó foi ensimesmando e aos poucos, perdendo a memória. Não lembrava do dia anterior, da ação anterior, da palavra anterior.

Era preciso alguém que cuidasse dela, pois já não distinguia muito bem os objetos. Dava-lhes outros nomes, e era dada a achar que a água do vaso sanitário era encantada.


-- ela faz as coisas voltarem.


Também tinha ímpetos de querer pular a janela.

-- do lado de lá tem muita vida, dizia.


Puseram grades na janela.


Além desses cuidados especiais, a avó costumava contar todos os dias a mesma história: que foi casada com um general, teve treze filhos, que dois deles morreram na guerra como bravos heróis e que os girassóis lhe traziam uma grande tristeza.

Na família ninguém mais tinha paciência de ficar tomando conta dela. Ter de ouvir a mesma história várias vezes ao dia e se atentar para que não mexesse na água do vaso sanitário.
Henrique, de 9 anos, era o único que sobrara para cuidar da avó. Seus pais o obrigaram. Detestou a idéia, mas não havia escolha. Prometeram uma boa mesada.


-- você sabia que eu gosto de docinho? Perguntava a avó ao neto.


Ele não respondia. Ficava sentado entretido com os joguinhos do celular.

-- pois é, eu gosto demasiado de docinho.


Henrique nem ouve.


-- você nunca fala?


Silêncio.


-- como você se chama?


Meio irritado, responde.


-- Henrique.
-- ah, você fala sim. E tem uma voz bonita! E se fala, ouve. Vou te contar uma história.

E contava. Dia após dia a mesma história. Enquanto contava, se dirigia ao banheiro.


-- Vó, não vai mexer na água do vaso, viu?! É suja!


Ela parou na hora e ficou pensativa. Virou a cabeça na direção do neto, o olhou bem e disse:

- Vó?! Mas eu não sou sua vó. Te conheci agora.


E ficou espantada. Henrique, para não se estender no assunto...


-- Ah, é verdade. Eu devo estar ficando louco.


Ela até esqueceu que estava indo ao banheiro e voltou. Os dias passavam e ela contava para Henrique a mesma história, que entretido com seus joguinhos no celular, mal escutava. Até o dia em que foi tentar impedi-la de mexer na água do vaso sanitário e o celular caiu lá dentro e pifou.


Como não tinha mais como se distrair com seus jogos eletrônicos, começou a levar alguns brinquedos para não ter que dar ouvidos àquela história da avó. O primeiro, foi um caminhão de madeira.

-- que caminhão bonito você tem, menino. Me faz lembrar uma história. Vou te contar.


E começava a mesma história. Só que agora o caminhão fazia parte dela porque dizia avó que um de seus filhos teve um igualzinho.


Henrique gostou do que ouviu. Cada vez que ele trazia um brinquedo, aquela história que ninguém mais suportava ouvir ganhava uma nova roupagem e ficava mais e mais instigante. Foi assim com a bola, com o carrinho, com a peteca e com todos os outros brinquedos e objetos. E de todo dia ela perguntar como se chamava, Henrique passou a inventar nomes. Davi, Lucas, Nivaldo...


Os nomes também despertavam novas ramificações naquela velha história. Com o tempo, o menino começou a perceber que o que a vó contava fazia parte da história de seu pai, de seus tios, de seu avô. Quando perguntava seu nome, ele passou a dar o nome de um parente e assim essas novas histórias iam entrando na história.


-- você me faz lembrar meus netos e meus filhos.
-- e onde eles estão?
-- morreram
-- todos?
-- sim. Não sobrou nenhum.
-- morreram de quê?
-- morreram de não mais gostar de mim.


Henrique parou por um tempo e ficou pensando.


-- se você quiser eu posso ser seu neto.
-- melhor não. Não quero que você morra.


Ela percebeu que ele ficou tristinho.


-- mas pode me chamar de vó, se quiser.
-- tá bom. Vamos brincar na pia do banheiro?
-- eu faço os barquinhos.
-- eu quero ser o comandante!
-- só se eu puder ser a mocinha!

Não foi difícil para Henrique perceber que era preciso morrer a cada noite, ao despedir-se da avó, para renascer no dia seguinte com outro nome e trazendo mais objetos para que pudesse ouvir uma nova mesma história.


Autoria: Everson Bertucci

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O UNIVERSO MÁGICO DA ILUSTRAÇAO - escrito para a revista CUPIM

Uma viagem lúdica através das impressoes e traços do ilustrador Adams Carvalho
A ilustração sempre esteve presente em sua vida de Adams Carvalho. Ele nos conta que, como toda criança, gostava de desenhar, a diferença é que: “eu apenas não parei. Pra mim era um extensão das brincadeiras. Acho que continua sendo”, afirma.

Formado em pintura, pela ECA-USP e apaixonado por cinema – mais do que qualquer outra linguagem – segundo ele mesmo, sua maior fonte de inspiração é a fotografia. Talvez por isso, em muitas das suas obras, há a impressão de estarmos próximos de um retrato quando nos deparamos com a preciosidade dos traços, a singeleza dos olhares, a força das expressões, a vivacidade das cores, as particularidades gestuais, a naturalidade dos movimentos.

No início da carreira, Adams apenas pintava. “Mas achei esse universo um pouco fechado e limitado, o circuito em galerias e espaços institucionais. Comecei a querer trabalhar com outros suportes como a ilustração e a animação, que atingem outros públicos e tratam de assuntos diferentes”, diz.

Mas quando perguntado sobre que tipo de trabalho mais gosta de fazer, nos revela que se diverte entre as ilustrações, pinturas e animações. “Gosto de todas, indistintamente. Pois cada uma tem seu espaço e não acho nenhuma melhor, mais importante ou mais gostosa de fazer”.

Entre as principais referências estão as fotografias e stills de filmes. Na pintura e desenho, demonstra preferência pelo trabalho de Hopper, Degas e Toulouse Lautrec. “Gosto dessas referências mais clássicas, apesar de achar que já não existem mais fronteiras de gêneros”.

Há três anos Adams ilustra para a Folha de São Paulo, onde entrou através de concurso, sendo um dos cinco finalistas. Foi quando o chamaram para ilustrar a coluna do Gilberto Dimenstein e a Revista da Folha, permanecendo até hoje.

Seu contato com a ilustração infantil aconteceu quando convidado para ilustrar o livro “No Meio do Caminho Tinha uma Luz”, de Débora Brenga. “Foi meu primeiro trabalho de ilustração editorial e o primeiro, e único, até agora”, diz. Sobre esta experiência ele complementa: “fiquei feliz com o resultado, as ilustrações são bastante pictóricas, iluminadas, curiosas, com imagens que nasceram de um ponto de vista diferente, assim como o texto da Débora”.

Sobre a ilustração no universo infantil, nos conta: “eu adoro. Imensamente. O meu tipo de trabalho não tem a ver com esse universo, infelizmente. Mas chego a achar que a ilustração infantil é tão, ou mais, importante do que a ilustração adulta”. E explica: “pois atinge as pessoas no começo de suas vidas. É aí que começa a fazer a diferença na vida das pessoas”.
Alguns de seus trabalhos podem ser visualizados no site http://www.adamscarvalho.com/
o lado lúdico

Quando resolvi escrever sobre ilustração, foi pensando no universo mágico que esta arte é capaz de produzir. Ainda criança, como a maioria, era fascinado por desenhos. Como ainda não sabia ler, ficava folheando os livros infantis em busca de ilustrações e, a partir delas, montava as histórias na minha cabeça. Era o meio de transporte para o universo que eu gostaria de ficar para sempre.

Lá eu podia fazer o que quisesse, na hora em que desejasse e com quem eu bem entendesse. E assim eu fazia. Mergulhava de corpo e alma num mundo cheio de vida, de cores, de doces, de alegria e de brincadeiras. Me empanturrar de pipoca, me lambuzar de chocolate, me entupir de leite condensado, lamber a forma de bolo da vovó e o melhor, não ter dor de barriga, nem nenhum adulto chato me dizendo “não pode isso, não pode aquilo”.

Havia os amigos imaginários e os longos diálogos com os personagens de Monteiro Lobato, representados pela esperta Emília. Vinha também o Fominha, o Desastrado, o Gargamel com seu gato Cruel (dos Smurfs), o Coração Valente, o Malvado e a Laurinha – com sua deliciosa voz esganiçada (Ursinhos Carinhosos). Tinha também a Magali, o Cascão e o Chico Bento (Turma da Mônica) e muitos outros.

Nesta atmosfera era possível fazer uma viagem quixotesca nos cavalos-de-cabo-de-vassoura, sem receio de cair; subir no galho mais fino e alto dos pés-de-manga, sem medo de se estatelar no chão; me transformar em Super-Homem e sair voando quando minha mãe vinha com aquela vara verde me sapecar a bunda. Enfim, era possível fazer mil estripulias numa mescla de inocência, esperteza e um toque sutil de malvadeza.

Bom seria se os adultos não perdessem essa beleza infantil, o poder de se divertir e se fazer colorir por tão pouco. Apenas um traço, um desenho, uma figura, uma ilustração é suficiente para transportar uma criança para dentro do céu, do seu próprio céu. E lá poder exercer a função de ser feliz, a função que ninguém poderia lhe tirar, a função única de ser criança.

Principais Trabalhos de Adams Carvalho

Livros: “No Meio do Caminho Tinha uma Luz”, de Débora Brenga; “O Tempo das Surpresas”, de Caio Riter e "Turbilhão em Macapá”, de Ivan Jaf.

CD’s: Duofel; Francisco Forró y Frevo”, de Chico César e “Pode Entrar”, de Ivete Sangalo [ainda não lançado].

Teatro: Toda programação gráfica do grupo “Comida dos Astros” e “Minha Nossa”, de Renata Sofredinni.

Cinema: “Olho de Boi”, de Hermano Penna.

Revista: Rolling Stone, Revista da TAM e Contra-Relógio.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

OITO VELHINHAS - conto

Nove ratinhos nasceram numa só ninhada no porão escuro de uma casa onde moravam nove velhinhas que cuidavam de nove galinhas. As velhinhas eram muito supersticiosas e acreditavam que quando uma delas morresse e o número nove fosse desfeito, a paz e a tranqüilidade não mais reinaria naquele lar onde o nove era um amuleto. Nove colheres, nove garfos, nove facas, nove cadeiras, nove xícaras, nove gatos, nove escovas de dente, nove camas, nove... nove... nove...
Suas visitas eram agendadas sempre obedecendo a regra. Cada uma só poderia receber uma única pessoa por visita e todas no mesmo dia e no mesmo horário, totalizando nove visitadores por vez. Caso houvesse uma desistência, cancelamento geral.

As velhinhas nunca souberam e nem poderiam saber que coincidentemente nove ratinhos nasceram em seu porão. Se soubessem, certeza que cuidariam para que suas vidas fossem preservadas com afinco. Do lado de fora da casa, os nove gatos salivavam com o cheiro forte de carne nova. Mas o porão era fechado a nove chaves e não havia buracos grandes em que pudessem entrar e se deliciar com a ninhada. Os dias foram passando e os ratinhos cresceram um pouco.

As nove eram muito religiosas e apegadas a diversos santos. Passavam tardes e noites orando. Dois detalhes as diferenciavam de outras senhoras. Primeiro, cada uma era devota de nove santos distintos e a eles faziam seus pedidos fervorosos. Segundo detalhe, o pedido feito aos nove santos. Desejavam a mesma e única coisa: que a morte viesse o mais breve possível e as levasse.
Mas elas não queriam morrer juntas, não era esse o desejo. Era morrer primeiro, era ser a primeira a morrer, pois enquanto as nove estivessem vivas, não teriam problema algum, mas a partir da morte da primeira, o caos se instalaria na casa para as outras e toda espécie de pestilências e mau agouro cairia sobre as oito. Apenas uma delas teria o privilegio de morrer tranquilamente: a primeira.

Um dos ratinhos nasceu cego. Vivia perdido no ninho e vez ou outra era pego pela mãe andando perdido pelo porão e seus pequenos buracos. Numa dessas andanças ele foi parar na cozinha onde as nove velhinhas tomavam seu café da manhã enquanto um dos gatos, o mais distraído, dormia embaixo da mesa. Andando pra lá e pra cá, o ratinho meio tonto - pois tinha apenas poucos dias de vida e nenhuma facilidade em identificar o mundo onde foi jogado - ficou tentando identificar algo familiar.

Uma das velhinhas levantou para pegar um copo de água no filtro e sem querer pisou no ratinho, escorregou, bateu com a cabeça na quina da mesa, caiu e morreu. O gato acordou com o barulho, percebeu os restos do pobre infeliz e saiu lambendo o que sobrou daquele saboroso café da manhã frente ao desespero das outras oito velhinhas condenadas por nao ter sido a escolhida pela morte que resolveu passar pela casa às nove horas, nove minutos e nove segundos do dia nove do nove de dois mil e nove.
Autoria: Everson Bertucci

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

AQUELA MULHER - conto


Olhei pro lado e vi Eulália. Até então não sabia seu nome. Só soube muito depois. Aparentemente tínhamos o mesmo propósito.

-- Vai se matar também?
-- Tô pensando, disse-me ela.
-- A vida é uma droga, né?!

Eulália pensou um pouco e disse:
-- Ah, a vida até que é bacana, o problema são as pessoas.
Passei a refletir sobre o que ela disse e lhe dei razão.

-- Será que dói muito quando se cai lá embaixo?
-- Dizem que dói... mas acho que nem dá pra saber direito. É tão rápido. O problema é se sobreviver.
-- Ah! Mas será que se sobrevive?
-- Eu soube de um cara que sobreviveu.

Fiquei aterrorizado.

-- Tá vivo até hoje. Parece que tava passando um caminhão de verduras na hora, ele caiu em cima e amorteceu a queda.
-- Que azar! E será que ele nunca mais tentou?
-- Ah, não! Deve ter ficado traumatizado. Mas deve ser uma super adrenalina pular dessa altura, já pensou?
-- Ah, não! Tenho medo de altura.
-- É a sua primeira vez?
-- Terceira
-- Sério?
-- No duro.
-- Por quê?
-- Estou apaixonado por uma mulher que não me ama.
-- E pelo jeito ela é linda!
-- Nada. É feia, chata, cheia de manias e mal humorada. Mas me apaixonei por ela. Não sei explicar.
-- Sei. E por que não se matou das outras vezes?
-- Na primeira vez porque uma velhinha percebeu que eu ia me matar e disse que se eu fizesse aquilo Deus ia me mandar direto pro inferno.
-- Desistiu por causa disso?
-- Ela foi bem enfática, me assustou.
-- E como ela era?
-- Velha! Gorda, baixinha, cabelos brancos... tava com uma roupa bonita!
-- branca?
-- Não. Era roxa. Por quê?
-- Ah, sei lá, se estivesse de branco, podia ser Deus disfarçado.
-- Que ideia!
-- Vai saber.
-- Será que podia ser Deus?
-- Não. Você não falou que ela estava de roxo?
-- Ah, é verdade!
-- Será que era uma bruxa?
-- Ah, não. Era feia, mas não tinha cara de bruxa.
-- Que ingenuidade a sua. Hoje em dia bruxa pode ter qualquer cara, nariz bonito e tudo.
-- Ah, é? Nem imaginava.
-- E da segunda vez, por que desistiu?
-- A velhinha apareceu de novo e disse a mesma coisa.

Eulália fica meio desconcertada e olha para os lados como que preocupada se alguém se aproxima.

-- Será que ela vai aparecer de novo?
-- Acho que não. Já tô aqui há mais de meia hora. Das outras vezes ela sempre aparecia rápido.
-- E por que você não pulou ainda?
-- Ah, tava esperando pra ver se ela aparecia. E você, por que não pula logo?
-- Não tenho coragem. Acha que a velhinha ainda vai aparecer?
-- Acho que não.
-- Talvez ela tenha vindo disfarçada.
-- Creio que não.
-- Vai pular mesmo?
-- Vou. A velhinha não apareceu.

Eulália me estende a mão e completa:

-- Desiste.
-- Não posso. Tá doendo muito.
-- Desiste. Vem comigo.

Me sinto intrigado com aquela mulher misteriosa e pergunto:

-- Quem é você?

Eulália me responde bem enfática:
-- Eu sou a velhinha e Deus vai te mandar direto pro inferno se pular dessa ponte.

Ficamos nos olhando fixamente por alguns segundos. Entendo a brincadeira e caímos na gargalhada. Agora sim, tínhamos o mesmo propósito.
E dizer que estraguei anos de minha vida, que eu quis morrer, que tive meu maior amor, por uma mulher que não me agradava, que não fazia o meu gênero!
Autoria: Everson Bertucci

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A ANGÚSTIA - conto

Pensou que acordar balzaquiana seria algo terrivel. Tinha razão. Decidiu passar a noite no cinema. Foram três filmes pela madrugada. Um após o outro, quase sem interrupção. Pelo menos enquanto os filmes passavam não sentia nada. Suas primeiras horas, com a nova idade, foram comuns. Nada de novo, inclusive o fato de ter de lembrar alguns amigos que era seu aniversário e que tinham que fazer aquelas velhas cerimônias de abraço-beijo-parabéns! Os filmes eram bons, as companhias, idem.

Fim da maratona. Um café. Risos. Abraços. Despedida. Do lado de fora do cinema, pelo vidro, o sinal da chuva no asfalto. Ainda havia uma leve garoa. São Paulo. Decide ir para casa caminhando, para refletir, processar os filmes. Apesar de ter passado a noite em claro, ainda havia muita energia e excitação.

Entra por uma rua, por outra... a chuva começa a engrossar. Até pensa “poxa, Deus, hoje é meu aniversário!”. Ele devia ter mais o que fazer. Não pára. Pensamentos. Logo percebe a presença de alguém se aproximando. Fica com receio, mas continua andando. A chuva não cessa. É do sexo feminino, atraente, misteriosa. Está do outro lado da rua e observa. Não se encaram.
A chuva impede que a manhã se aproxime. Mesmo chovendo, a cidade movimenta-se. Mendigos nas calçadas. Transeuntes. Buzinas. E aos poucos todo aquele clima a domina. Várias imagens vem à tona. Adolescência. Ganhos e perdas. Erros e acertos. O choro é inevitável. Do outro lado, a outra a segue.

A vantagem de chorar na chuva é a impossível distinção entre o que é lágrima e o que é chuva. Se misturam. Mas a outra parece distinguir.

Ela sempre procura um motivo para chorar. Não tem o hábito, mas gosta. O dessa ocasião, era pela partida de uma amiga, para longe. As lembranças do passado, as vivências, as descobertas. Mas tudo poderia ser apenas um pretexto para o choro se iniciar, um pretexto para a reflexão. No momento é doloroso, mas a sensação posterior de alívio e leveza reconforta.
A presença da outra que a segue é incômoda. Não há medo, pois existe uma familiaridade ali, embora indecifrável. Já perto de sua casa o choro passa. A outra faz um aceno e segue por outra rua. Desaparece.

O casaco já estava todo molhado, mas pela espessura não atingiu sua pele. Está muito frio. Chega em casa, entra, se seca adequadamente e vai para debaixo dos cobertores.

As gotas fortes no telhado prenunciam a chuva que jamais cessará.

Autoria: Everson Bertucci

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

ESCULTURA SEM TÍTULO 6 - fluxos

De que adianta pensar na dor do mundo na angústia da vida na velocidade atroz que o som atravessa as cordas do balanço na maldade infinita da existência da obscuridade no corte abrupto da asa na necessidade de correr e não parar com a vontade de ninar o mundo no colo no desejo de vomitar o ácido que corrói o aço de costurar os fios injustamente rompidos pelo aceleramento das batidas do coração do beija flor encarcerado na solidão devastadora do barulho da suspensão do vermelho doce das amoras em abraçar a poça de lama que rodeia a atmosfera branca do buraco que precisa ser detido pelo oxigênio que sufoca no cinza da fumaça verde da palavra disfarçada com adereços sedosos da vivacidade da imperfeição se as mãos estão atadas pelo fino fio da impotência?
Autoria: Everson Bertucci

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

FORMA - conto

-- Mãe, quando o pai foi embora naquela ocasião eu quis muito ter te abraçado.
-- Mas você me abraçou, filha.
-- Não, mãe, eu sei que o tempo passou, mas eu lembro que naquela noite eu não sabia como agir, o que dizer, o que sentir. Eu apenas fui pra cozinha e te passei um café.
-- Minha querida, a forma é só um detalhe.
Autoria: Everson Bertucci

domingo, 16 de agosto de 2009

RETRATO MICROSCÓPICO DO PRIMEIRO BEIJO - resenha do curta metragem "Saliva"

A boca que precede o primeiro beijo. Esta é a primeira imagem de “Saliva”, de Esmir Filho. Primeiro se conhece a boca, a protagonista da história. E a partir daí passamos a acompanhar sua dona, uma menina de doze anos que está prestes a passar por uma das experiências mais instigantes e fundamentais na vida de uma pessoa.

O espectador é convidado a se colocar no papel da jovem que está vivenciando um momento que para quem já passou pela experiência a acha tão simples e, por vezes, banal, mas que para Marina, a menina em questão, é algo que a está consumindo.
Marina se vê rodeada por medos, angústias, expectativas que toda pessoa passa. Uns com grande intensidade, outros, nem tanto. Um misto de sensações ainda não experimentadas e que não lhe é familiar, nem habitual. Suas amigas tentam auxiliá-la nesta experiência.

Poderia ser mais um dos inúmeros filmes rasos sobre o universo adolescente, seus clichês e afins, não fosse a apresentação lúdica do contexto, como opta a direção, sem cair no lugar comum, tampouco no ridículo.

Quase impossível não se divertir e se identificar com a personagem. Quem nunca se viu treinando o primeiro beijo, seja com uma laranja, uma maçã, no próprio braço, numa lâmpada, no espelho ou num outro objeto qualquer que possibilite tal façanha?

Quem acompanha Marina, passa a vê-la por dentro, através de suas sensações sendo exteriorizadas. Tudo passa a ter uma dimensão gigantesca. Seus sensores estão à flor da pele. Os sons, os movimentos, os espaços e os gestos ganham uma outra proporção, que não a real. Para Marina, tudo está modificado, lento, microscópico.

Ela está disposta a passar pela experiência do primeiro beijo, mas não consegue disfarçar a timidez e o nojo, afinal será seu primeiro contato com a boca de outro. E tudo se torna salivação.
A sensação interior se dá pela saliva que cai e empoça no chão. Seja na cena em que Marina e o menino que a beija estão com seus tênis cobertos de saliva ou quando os dois aparecem ensopados. Sem falar na leveza que geralmente sentimos quando damos o primeiro beijo. Aquela impressão de que estamos passeando pelas nuvens, que o chão nos foi tirado subitamente. Tal sensação silenciosa e única é transposta através de um jogo metafórico e paradoxal.
Autoria: Everson Bertucci

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

UMA SOMBRA DO FUTURO - Resenha do curta-metragem "Passadouro", de Torquato Joel

O curta inicia com uma paisagem bucólica, mostrando um lugar simples, no meio do nada, aparentemente distante da vida urbana: a seca nordestina. É possível notar as galinhas, as cabras, e outros elementos da roça. Um lugar muito distante da realidade atual, do universo tecnológico e industrial vigente.

Tudo poderia ser belo e confortante, não fosse o espectador ser confrontado com uma cabra abatida para o corte logo a seguir. Ela está pendurada pelas patas traseiras e sem a pele – utilizada para dar origem a outros produtos. Sua carne, prestes a servir de alimento à família residente na casinha rural que se apresenta, pelo menos é o que dá a entender.

A imagem composta pela cabra morta é um tanto incômoda, pois podemos ver a carne ainda cheia de sangue, como se ela estivesse viva. Seus olhos abertos e meio tristes também impressionam. É através deles que o espectador é apresentado à dona da casa, que está no fogão à lenha preparando a comida, com movimentos lentos e rotatórios, combinando com a vida daquela família.

O rádio antigo, toca uma bela versão da música “Ave Maria” e emociona um senhor, possivelmente o dono da casa. Seus olhos são a prova disto. Ao seu lado, na parede, uma foto muito antiga, daquelas que parecem desenho, compõe o retrato da família, remetendo a uma outra era, onde as coisas eram outras, o mundo era outro, as pessoas eram outras... as descobertas também.

Os sinais de modernidade vão aparecendo gradativamente. O filho assiste ao filme do “Batman” na TV. A marca do boné também denota uma mudança e, por fim, a antena parabólica concretiza a entrada de outro mundo naquela casa. Há algo se transformando ali.

“Passadouro” traz uma visão nostálgica dos velhos tempos, uma alusão ao passado, um olhar pra dentro. Uma nova realidade invadindo a vida de gente simples, que sem perceber está sendo modificada. É como uma saudade de um tempo que ainda não passou, uma sombra do futuro.
Autoria: Everson Bertucci

HORÓSCOPO DE QUINTA - POR MADAME CHARLA


O único Horóscopo que dá azar ler só o seu. Aqui é obrigatória aquela olhadela no signo do vizinho. Toda quinta: o que dizem os astros à Madame Charla sobre os signos do zodíaco. Sempre dois por vez


VIRGEM

Seu perfeccionismo anda irritando muita gente por aí, que eu estou sabendo. É hora de você mudar seus conceitos. Deixe a louça suja mais tempo na pia, não tire os cabelos do ralo do banheiro... e largue mão de ficar perseguindo teu marido. Não há saco que agüente, querida!


ESCORPIÃO

Se você está naqueles dias em que até a luz solar te irrita, pare em frente ao espelho, sorria, lhe dê bom dia, regue as plantas, dê um beijinho no cachorro e esteja de bem consigo mesma, pois ninguém é obrigado a suportar teu mau humooooooor...

Ilustraçao: Flávio Leal

ESCULTURA SEM TÍTULO 5 - fluxos

Gostaria muito de entender o por quê da aspereza com que as folhas secas têm caído sobre o lençol e o tem feito perder a delicadeza azul que escorre na água em busca do esgoto me explica aquela música que eu tanto ouço sair da parede ao lado e que demora a cessar seu toque pesa sobre a flor que exala aquele cheiro que não dá para dizer o que é apenas não se dilui pelo corredor barulhento e vazio do lugar colorido com giz de cera. Sente o que sinto? São elas que se aproximam eu sinto o cheiro doce que me toma mas não sei de onde vem tanta singeleza quando o casamento não mais escapa do inverno que se principia e traz à tona todo o gosto vermelho das cerejas e que impressionam pelo formato arredondado e quase perfeito dos verbos intransitivos da nostalgia do presente que é preciso dizer sem medo que as verdadeiras cerejas não resistiram ao tempo ou simplesmente não eram cerejas

Autoria: Everson Bertucci

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

ESCULTURA SEM TÍTULO 4 - fluxos

suspensa no ar pelo suspiro de assombro que nao se faz a árvore se espalha em galhos disformes cor de sangue onde brotam vestidos pendurados delicadamente em cabides de sal numa transformaçao parecida com o da borboleta abandonando o casulo através da lentidao enquanto a seda aos poucos forra o chao que nao existe é simplesmente pao que mata um pouco da fome da mulher que nao percebe a vestimenta e a faz cair no infinito que seca

Autoria: Everson Bertucci

domingo, 9 de agosto de 2009

ESCULTURA SEM TÍTULO 3 - fluxos

No fundo todos caminhavam com sobretudos longos e escuros passando pela varanda silenciosa com cadeira de balanço que a sombra da grande árvore protege do sol escaldante e seguiram pela mata fechada ouvindo as maritacas tuiuiús quatis tamanduás raptando todas as grandes pedras para dentro dos enormes bolsos feitos para este acolhimento e ganharam as águas do rio que trás vida ao campo verde até imergirem definitivamente a procura do respiro que alivia a dor deveras sentida e que agora flutua densa
Autoria: Everson Bertucci

terça-feira, 4 de agosto de 2009

ESCULTURA SEM TÍTULO 2 - fluxos

A estátua caminha sob o ácido que cai do céu que já foi olhado pelos que não mais enxergam o túnel infinito de luzes apagadas pelo assopro da boca seca de quem um dia viveu o horror da lama que exala o perfume que ninguém usa por motivo de inadimplência pelos débitos que ficarão sempre pendentes nas notas escritas à mão e que em algum lugar surgirão quando ninguém mais esperar e as lágrimas não mais adiantarão de nada obrigado pelas flores de bronze embaladas pela música surda do plástico derretido
Autoria: Everson Bertucci

domingo, 2 de agosto de 2009

ESCULTURA SEM TITULO 1 - fluxos

Porque está tudo fora do lugar. O céu o vento o ar o sol os dias a sensação gostosa de frescor o vinagre que era vinho os sons a luz que custa entrar o reverberar as cordas vocais calejadas sem contar com o fedor que as rosas têm exalado não não sei o que fazer com o sofá que não combina com aquele tom de vermelho que escorre da parede branca me passa um café fresco forte sem açúcar descafeinado não melhor um cubinho de açúcar eu gosto de vê-lo derreter no líquido escuro que se mistura ao sangue das pessoas sem sangue e frívolas por natureza morta pendurada na parede invisível da janela que foi aberta mas não deveria tire essas mãos de mim não quero mais sentir seu toque frio do dia cinza e por favor me mande flores que não rosas para que o buraco seja fechado custa trinta e cinco reais fatos que poderão acontecer e é por ele que tudo vai entrar e aos poucos tudo não passará de escuridão processo lento de vida que rasteja pelo fim não adianta encarar o espelho dessa forma ele se partirá em vários e te destruirá aos poucos o sol é mais forte através dele e a interrupção é isso que se vê nas calçadas nos corredores pontos isolados da cidade que empreteia a cada dia mais o verde que se esvai não não é nada como voce pensa o que há é uma caminhada que não leva a lugar algum e não há ninguém querendo chegar. Eu quero. Um suco de laranja bem gelado mas sem gelo não posso com artificialidade tire o lixo com cuidado eu não quero fechar o livro mas vire pro outro lado e apague a luz enquanto a caduquice do mundo não vem.

Autoria: Everson Bertucci

sexta-feira, 24 de julho de 2009

NOVA MESMA HISTÓRIA - conto

Há muito tempo a avó foi ensimesmando e aos poucos, perdendo a memória. Não lembrava do dia anterior, da ação anterior, da palavra anterior. Era preciso alguém que cuidasse dela, pois já não distinguia muito bem os objetos. Dava-lhes outros nomes, e era dada a achar que a água do vaso sanitário era encantada.

-- ela faz as coisas voltarem.

Também tinha ímpetos de querer pular a janela.

-- do lado de lá tem muita vida, dizia.

Puseram grades na janela.

Além desses cuidados especiais, a avó costumava contar todos os dias a mesma história: que foi casada com um general, teve treze filhos, que dois deles morreram na guerra como bravos heróis e que os girassóis lhe traziam uma grande tristeza. Na família ninguém mais tinha paciência de ficar tomando conta dela. Ter de ouvir a mesma história várias vezes ao dia e se atentar para que não mexesse na água do vaso sanitário. Henrique, de 9 anos, era o único que sobrara para cuidar da avó. Seus pais o obrigaram. Detestou a idéia, mas não havia escolha. Prometeram uma boa mesada.

-- você sabia que eu gosto de docinho?, perguntava a avó ao neto.

Ele não respondia. Ficava sentado entretido com os joguinhos do celular.

-- pois é, eu gosto demasiado de docinho.

Henrique nem ouve.

-- você nunca fala?

Silêncio.

-- como você se chama?

Meio irritado, responde.

-- Henrique.
-- ah, você fala sim. E tem uma voz bonita! E se fala, ouve. Vou te contar uma história.
E contava. Dia após dia a mesma história. Enquanto contava, se dirigia ao banheiro.

-- Vó, não vai mexer na água do vaso, viu?! É suja!

Ela parou na hora e ficou pensativa. Virou a cabeça na direção do neto, o olhou bem e disse:

- Vó?! Mas eu não sou sua vó. Te conheci agora.

E ficou espantada. Henrique, para não se estender no assunto...

-- Ah, é verdade. Eu devo estar ficando louco.

Ela até esqueceu que estava indo ao banheiro e voltou. Os dias passavam e ela contava para Henrique a mesma história, que entretido com seus joguinhos no celular, mal escutava. Até o dia em que foi tentar impedi-la de mexer na água do vaso sanitário e o celular caiu lá dentro e pifou.

Como não tinha mais como se distrair com seus jogos eletrônicos, começou a levar alguns brinquedos para não ter que dar ouvidos àquela história da avó. O primeiro, foi um caminhão de madeira.

-- que caminhão bonito você tem, menino. Me faz lembrar uma história. Vou te contar.

E começava a mesma história. Só que agora o caminhão fazia parte dela porque dizia avó que um de seus filhos teve um igualzinho.

Henrique gostou do que ouviu. Cada vez que ele trazia um brinquedo, aquela história que ninguém mais suportava ouvir ganhava uma nova roupagem e ficava mais e mais instigante. Foi assim com a bola, com o carrinho, com a peteca e com todos os outros brinquedos e objetos. E de todo dia ela perguntar como se chamava, Henrique passou a inventar nomes. Davi, Lucas, Nivaldo...

Os nomes também despertavam novas ramificações naquela velha história. Com o tempo, o menino começou a perceber que o que a vó contava fazia parte da história de seu pai, de seus tios, de seu avô. Quando perguntava seu nome, ele passou a dar o nome de um parente e assim essas novas histórias iam entrando na história.

-- você me faz lembrar meus netos e meus filhos.
-- e onde eles estão?
-- morreram
-- todos?
-- sim. Não sobrou nenhum.
-- morreram de quê?
-- morreram de não mais gostar de mim.

Henrique parou por um tempo e ficou pensando.

-- se você quiser eu posso ser seu neto.
-- melhor não. Não quero que você morra.

Ela percebeu que ele ficou tristinho.

-- mas pode me chamar de vó, se quiser.
-- tá bom. Vamos brincar na pia do banheiro?
-- eu faço os barquinhos.
-- eu quero ser o comandante!
-- só se eu puder ser a mocinha!

Não foi difícil para Henrique perceber que era preciso morrer a cada noite, ao despedir-se da avó, para renascer no dia seguinte com outro nome e trazendo mais objetos para que pudesse ouvir uma nova mesma história.

Autoria: Everson Bertucci

domingo, 28 de junho de 2009

EVERSON BERTUCCI E FLÁVIO ROCHA ENTREVISTAM LAURA - PORTADORA DO VITILIGO

Com cinco anos de idade, Laura era uma menina como outra qualquer. Filha de um casal simples, sua casa sempre foi repleta de crianças. Eram filhos de parentes, vizinhos e amigos. A mãe, Dona Analú, fazia muitos doces e petiscos para agradar a criançada. Sempre pronta para acolher quem quer que fosse, procurava oferecer o que tinha de melhor em sua casa. Não só ela, como seu esposo, Seu Joaquim, mais conhecido como Jaú – apelido do futebol. Este, dono de uma simpatia e generosidade que servia de exemplo para muitas pessoas.
Como uma boa parte das meninas da sua idade, Laura cresceu dentro do universo de Monteiro Lobato, suas histórias, seus personagens cativantes, seu universo fantástico. Uma menina que sempre vivia num mundo cor-de-rosa, tinha muito medo da morte e sonhava em ser bailarina. Era levada, adorava doces - todos eles - inclusive os mais simples, como aquela maria-mole vendida em um copinho e que vinha com um pequeno brinde que Laura chama de “figuinha”.
Apenas um detalhe começou a diferenciá-la das outras crianças, umas manchinhas brancas começaram a aparecer em seu nariz por volta dos seis anos de idade. Era o surgimento do vitiligo.
Os anos foram passando e no início de sua vida escolar seus medos mudam, o complexo e o isolamento surgem e com o passar do tempo, alguns fantasmas começam a freqüentar seu o cotidiano. A fuga da escola se torna a melhor opção.
Adolescente, Laura tem sede por conhecimento e a psicologia passa a fazer parte de seu sonho e faz despertar seu interesse de estudo nesta área, pois deseja desvendar os mistérios da mente, ajudar as crianças e àqueles que necessitam de auxílio emocional e encontram dificuldades, assim como ela.
Hoje, já mulher, Laura nos conta um pouco sobre a doença, os medos, o tratamento, a aceitação, o preconceito, os dissabores do amor, além da perda do sobrinho Nicolau de 14 anos, a importância da relação familiar, seu encontro com Chico Xavier, o desejo de ser mãe e outros aspectos relativos à sua vida.

O que é o vitiligo?

Doença caracterizada por descoloração da pele em certas áreas, de causa desconhecida e, embora não provoque danos à saúde, é um problema com poucas alternativas de tratamento. Sendo assim, o Vitiligo é uma patologia de despigmentação da pele em que manchas brancas podem surgir em várias partes do corpo. Normalmente são bilaterais (simétrico), mas pode ser assimétrico, segmentar, circunscrito, universal, congênito, generalizado e ocular. Várias hipóteses foram atribuídas acerca das causas da doença.
Estatísticas mostram que cerca de 4% da população mundial é portadora de vitiligo. Surge como se fosse uma resposta do organismo às tensões emocionais, como grandes perdas materiais, brigas de família, morte de um ente querido, ou viagem dos pais para o exterior.
Segundo especialistas, Vitiligo, não pega, não mata e não dói . A maioria dos pacientes com vitiligo já foi vítima de algum tipo de preconceito. Especialistas no setor afirmam que isso colabora para atrasar a reação positiva do organismo dos portadores aos medicamentos. Discriminar um portador de Vitiligo é uma atitude que não se justifica, porque Vitiligo não é doença, é apenas um problema de pele e como tal deve ser encarado pela família e amigos. Dermatologistas atestam que não há o menor risco de contágio direto ou indireto.

ENTREVISTADORES - Quando tudo começou?
LAURA – Quando era pequena, tinha muito medo da morte, ficava sabendo que alguém tinha partido, mesmo não conhecendo a pessoa, naquela noite eu não dormia. Tinha um doce que era uma maria-mole dentro de um copinho e vinha uma "figuinha" dentro. Um dia eu comi o doce e fiquei com a figuinha na boca, engoli e fiquei com ela atravessada, e com medo de morrer, apavorei, gritei pela minha mãe... Enfiava o dedo na garganta com medo de morrer. Eu cheguei a engolir o objeto, mesmo assim eu enfiava a mão na garganta e cheguei a machucá-la. Minha mãe me levou ao médico várias vezes, porque eu comecei a ficar com dor de estômago... Tinha de 5 para 6 anos, na época. O médico disse que eu estava com dor de estômago porque eu tinha passado nervoso. Ele medicou um tranqüilizante. Eu melhorei, mas depois de certo tempo, começou a sair uma mancha no nariz, que foi constatado que era vitiligo.

ENTREVISTADORES - Nesse período, qual era seu sonho?
LAURA – Eu sempre gostei de filmes clássicos, aquelas bailarinas, aquelas danças. Sempre me fascinaram. Meu sonho era ser bailarina. Tanto que eu adoro dançar. Foi passando o tempo e eu nunca fui atrás, agora até estou com vontade de entrar numa aula de dança (risos) sabe essa dança de salão? Então, estou com vontade de fazer.

ENTREVISTADORES - Como foi sua vida escolar?
LAURA – Foi um período que tive dificuldade, entrei na escola com sete anos, e que comecei a sentir determinadas coisas (complexo). Eu tive sempre bons amigos à minha volta, tanto no primário quanto no ginásio. A escola e os amigos não faziam diferença, o complexo estava em mim, não neles, tanto que os amigos falavam que para eles não tinha nenhum problema. Fui crescendo e me isolando, dei uma parada nos estudos, minha mãe tinha problema (de saúde) e eu não querendo me mostrar para a sociedade, então tudo se encaixou.

ENTREVISTADORES - Você associava seus problemas ao vitiligo?
LAURA – Sim, eu associava. Um dia durante uma conversa entre meu pai e minha mãe, sem que eles me vissem, ouvi minha mãe falar: “Velho, nós temos que ver o futuro da Laura. As outras (filhas) estão trabalhando, vão ter a aposentadoria delas, e nós não vamos viver a vida inteira. O que vai ser dela?” Eu tinha 22 anos, e comecei a me olhar desde os pés e fui subindo. Pensava “nossa, mais eu não sou aleijada, eu tenho perna, eu tenho pés...”. E eles (os pais) até aceitaram que eu ficasse em casa porque eu cheguei a ir procurar emprego, mas eu via no jornal que precisava ter boa aparência e sempre tinha aquilo na minha cabeça “duvido que vão me aceitar, não vai adiantar eu ir, eles vão me ver, lógico que vão querer a outra ou o outro”, e assim sucessivamente. Eu voltava para casa chorando. Então meus pais, cansados de ver esta cena toda vez que ia procurar emprego, resolveram me manter em casa. Me deram salário, me pagavam o correto. Parece que isso doía neles. Então, quando escutei aquela conversa... Eu falei comigo mesma que eu tinha que reverter. Parece que levei um choque, pois muita gente que estava em cadeira de rodas estava trabalhando. Quando eu estava sofrendo o complexo na íntegra eu não percebia essas coisas, foi então que decidi trabalhar fora.

ENTREVISTADORES - Como foi esse trabalho?
LAURA - O primeiro trabalho fora de casa foi com uma amiga, onde fui manicure em domicílio. Logo passei para um salão, onde fiquei quatro anos. Foi tranqüila, a minha relação com as pessoas, desde que não me deixasse me envolver pelo complexo. Depois desses quatro anos eu fui trabalhar numa escola, no Walt Disney (Escola Infantil).

ENTREVISTADORES - Houve algum fato que te surpreendeu lá?
LAURA – Quando houve uma mudança de direção na escola, a nova diretora disse que naquele ano os próprios alunos escolheriam quem homenagear. Então a professora de português pediu para eu subir até a sala do terceiro colegial. Logo pensei “Ai meu Deus, aí vem problema”. Fui até a classe e o líder da classe me disse, “Laura, por unanimidade você foi escolhida para ser a homenageada do ano”.

ENTREVISTADORES - Você sofreu algum preconceito neste período?
LAURA – Pelo contrário, eles até me defendiam e falavam: “Olha, não mexe com a Laurinha, não, hein! A Laurinha é sangue bom!” (risos).

ENTREVISTADORES - Os adolescentes e crianças, na escola, te perguntavam o que eram as manchas no seu rosto?
LAURA – As crianças, sim. Uma vez percebi que duas meninas me olhavam, eu as chamei e elas perguntaram: “O que é isso que você tem?”. Eu expliquei que eram manchinhas que saíram, e se contentavam com isso. Como eu sempre estava com elas dando carinho e atenção...

ENTREVISTADORES - Como era a sua relação familiar?
LAURA – Com as minhas irmãs foi assim: como a “Laura” sofria devido ao vitiligo, o amparo era maior, elas foram trabalhar cedo, e eu fiquei como a “bebezinha” da casa. Todo mundo amparava para eu não sofrer. Isso de certa forma influenciou na relação com minhas irmãs. Tanto que hoje sinto a distância delas em relação a mim. Meus pais sempre me trataram com mais cuidado, mais preocupação, e elas (irmãs) se sentiram como que deixadas de lado. Elas queriam que as tratassem igual. Meus pais foram assim, aonde falavam que tinham médico para tratar o vitiligo, eles me levavam. Iam, falavam com o médico e depois me levavam.

ENTREVISTADORES - E a relação atual com suas irmãs, como é?
LAURA – Eu gosto de coisas clássicas, elas de pagode; elas vivem de novelas e eu não suporto; adoro ler, elas já não gostam. Eu sou diferente. Até hoje se você conversar com elas vai ouvir “meus pais só faltavam colocar a Laura dentro de uma redoma de vidro para ninguém machucar, para ninguém tocar”. Eu quero que elas vejam a Laura de agora. Pois quando eu saí para trabalhar, eu dei uma mudança de trezentos e sessenta graus.

ENTREVISTADORES - E como foi esse processo?
LAURA – Eu me senti como se tivesse uma força interior falando assim “Agora você vai ou vai”. Porque a forma que a gente pensa, ou a gente abre ou fecha os caminhos. E como falei para mim, que eu era uma pessoa normal, que precisava trabalhar, os caminhos começaram a se abrir. Foi aí que veio uma amiga, me levou na delegacia do ensino, para escolher a escola onde tinha lugar para eu trabalhar. Ela fazia a unha comigo e dizia “Laura, eu não sei por que você não trabalha fora, você se comunica bem, é uma pessoa inteligente”.

ENTREVISTADORES - Fale um pouco dos seus pais.
LAURA – Meu pai era conhecido como Jaú, apelido do futebol. Um encanto de pessoa. Uma bondade que só faltava tirar a roupa do corpo para doar pro outro. E até hoje é uma pessoa homenageada. Até hoje ouço das pessoas que conheceu ele “o seu pai é um exemplo de vida pra gente!”. Isso quer dizer tudo. Nas horas enérgicas, no momento certo, foi enérgico sim, porque era necessário, pra dar uma educação, mas sempre com bondade e nisso construiu a Laura. Minha mãe era uma mulher lutadora, forte. Uma pessoa que casou com o homem certo. Ao mesmo tempo ela ficou em casa cumprindo o papel dela, ajudando aquele homem a enfrentar cada obstáculo que aparecia. Hoje eu estou aqui em nome dessa força dos dois. Deixaram uma riqueza imensa não só pra mim, como pra todos que estavam em sua volta. Me ensinaram a ter força, humildade e a querer o bem do próximo.

ENTREVISTADORES - Fale sobre sua entrada no Fórum de Mauá.
LAURA – Eu estava acostumada a trabalhar com criança e adolescente, onde havia uma troca. Você dava e recebia. No Fórum (onde trabalha atualmente) era o inverso. Quando eu entrei lá, as pessoas eram duras, como se fossem robôs. Aquilo me chocou. Na época eu fazia terapia com um psicólogo, o Sr. Rubens. Disse a ele que não queria ficar no Fórum. Ele me explicou que cada lugar que a gente vai temos uma missão, e se recusarmos essa missão, nós voltamos atrás para cumprí-la. Tudo é uma conquista. Fizemos um trabalho emocional, que eu poderia ser a Laura em qualquer lugar que eu fosse. Vai fazer 12 anos que estou no Fórum e nunca deixei de cumprimentar, de sorrir, de lidar com um, com outro. O que você leva, surte um efeito nas pessoas, independente do que você é.

ENTREVISTADORES - Você sentiu algum tipo de preconceito lá?
LAURA – Eu mudei a minha maneira de pensar. Quando eu estava vendo eles como robô... Eu afirmava “não gosto daqui, as pessoas são duras, são insensíveis”. Enquanto eu estava tendo essa visão, a coisa não iria mudar.

ENTREVISTADORES - E você acha que as pessoas te viam diferente em relação ao aspecto visual?
LAURA – Como certeza, mas não tive nenhuma forma de não aceitação ou receio como relação ao vitiligo.

ENTREVISTADORES - Você já sofreu alguma discriminação velada?
LAURA – Que tenha chegado até a mim, não. Nunca senti que isso aconteceu.

ENTREVISTADORES - Você vai fazer ou está fazendo algum tratamento?
LAURA – Eu estou fazendo. Tanto a parte psicológica quanto a parte médica.

ENTREVISTADORES - Como é o processo de tratamento?
LAURA – É lento, mas depende de como a pessoa lida com o problema. A ênfase da coisa está no emocional.

ENTREVISTADORES - E já sente os resultados?
LAURA – Com certeza. O remédio em si é uma coisa que você tem que acreditar naquilo que está fazendo. Quando eu procurava uma dermatologista, o que acontecia? A Laura ia especificamente só pelo vitiligo, esquecia da Laura mulher, da beleza, que poderia estar fazendo um tratamento. Eu estou em busca de eliminar o vitiligo, mas também cuidar de mim. Tratando da pele, não só do vitiligo. Não é tudo que eu posso usar. No lugar do claro (da pele) é muito sensível. Mas em em mim, não. Eu caminho, eu faço ioga, eu não paro.

ENTREVISTADORES - O sol não chega a te afetar?
LAURA – Não. A única coisa é que fica um pouco vermelhinho. Mas arder, machucar, coisa assim, não. Eu passo o protetor solar normalmente. Só.

ENTREVISTADORES - O que dizem os especialistas em relação ao tratamento? O que você já ouviu?
LAURA – Em termos de medicina, já ouvi de tudo, aliás, na minha adolescência o que levou eu ter complexo foi o que ouvi de um médico, que falou, assim, na lata: “Isso não tem cura, tem que saber lidar com isso”. Aquilo acabou comigo. Foi aí que veio o complexo mais difícil na minha vida. Um profissional tem que saber falar, saber orientar. O dia em que ele falou isso eu chorei duas semanas sem parar. Meus pais até se arrependeram de ter me levado nele, coitados! Eu tinha quinze anos. Foi duro.

ENTREVISTADORES – Nessa idade, qual era seu sonho?
LAURA – (Fica pensativa por alguns segundos) Aos quinze... A psicologia sempre me fascinou. Essa fase eu já estava pensando em psicologia. Era meu sonho.

ENTREVISTADORES - E hoje, o que dizem os médicos?
LAURA – Sempre me deram esperança. E uma coisa que sempre me fortaleceu também, como eu já falei, é a parte espiritual. A parte espiritual ajuda muito, muito, muito mesmo. Quando eu fui pra Uberaba foi já procurando algo tanto pro vitiligo como pra essa coisa, de medo da morte, coisa que eu já tinha superado um pouco por estar a algum tempo no kardecismo, (muito serena) é ali que eu tive a confirmação que a morte não existe... Que a vida continua. Através duma palestra do Chico Xavier.

ENTREVISTADORES - Como foi este contato? Você conversou com ele diretamente?
LAURA – Olha, lá eu vi tantos casos mais difíceis, complicados, que diante de todos os problemas das outras pessoas, eu percebi que eu não tinha nada, entendeu? E quando eu passei perto dele, ele me entregou uma rosa, eu peguei ia saindo. Foi quando ele me segurou pela mão, o Chico Xavier, e falou “fica tranqüila, você vai sarar, viu?”. Falou desse jeito.

ENTREVISTADORES - E sobre as questões do amor...
LAURA – O coração não escolhe quem gostar. Você quer escolher, porém... Certa vez eu ouvi da pessoa que eu gostava que eu era maravilhosa, mas ficava sempre na amizade, e eu tinha que entender isso, mas também não estava preparada para relacionamentos. Não havia preparado isso em mim. Obviamente qualquer tipo de relacionamento não iria dar certo. Eu achava que eu não conseguia uma relação mais forte por causa do vitiligo, e isso fazia com que eu não conseguisse ver que minhas amigas que não tinham vitiligo também não conseguiam se relacionar com ninguém (risos). E isso é uma coisa que eu ainda vou superar... Como eu superei no trabalho. Eu tenho certeza disso.

ENTREVISTADORES - Você tem vontade de ter filhos?
LAURA – Claro. Eu tenho vontade de ter trigêmeos (risos) até vejo os três, assim, deitadinhos, o carinho, aquela coisa toda. Eu tenho essa vontade... De ter um casamento e disso resultar em filhos. Eu sempre tive muito forte esse lado com universo infantil, aliás, minha família é assim. As crianças gostavam muito de ir à minha casa. Meu sonho era casar e ter filhos...

ENTREVISTADORES - Era?
LAURA – Não, é (risos) é meu sonho, formar uma família junto com a pessoa que eu goste e que ela goste de mim porque eu posso amar a pessoa, mas se ela não corresponder, isso não serve pra mim. Não serve.

ENTREVISTADORES – Tem algum outro sonho?
LAURA – Fazer uma faculdade de psicologia.

ENTREVISTADORES - Há pouco tempo você viveu um momento muito delicado que foi o falecimento do seu sobrinho de 14 anos. Como era sua relação com ele?
LAURA – Nós tivemos uma ligação muito forte. Muito mais eu com ele do que ele comigo. Quando ele era pequeno, eu ficava todo o tempo cuidando dele. Nós não nos parecíamos tia e sobrinho, éramos como irmãozinhos, tanto que, quando eu falava do ni (Nicolau) todo mundo achava que fosse meu irmão e não meu sobrinho. A morte de Ni foi surpresa. Muito, muito dolorida, mas muito mesmo. Tanto que eu voltei a fazer terapia. Eu não esperava isso. Não esperava mesmo. Eu tenho tanta fé que achava que ele ia sair dessa. Hoje eu consigo falar sem chorar, mas tinha vez que qualquer coisa que eu lembrava dele, eu chorava. Embora eu tenha voltado a fazer terapia por causa disso. Eu não tinha vitiligo nessa parte (lado direito do rosto), nas mãos também não tinha (mostra as mãos). Eu acho que a gente tem que extravasar, colocar pra fora tudo o que a gente está sentindo, mas eu me segurei muito por causa da minha irmã (mãe de Nicolau) e isso é um erro. Acredito agora, que Deus tem um propósito maior por tê-lo levado.

ENTREVISTADORES - Qual foi a causa do falecimento dele?
LAURA – Começou com problema na garganta e febre, mas acho que a infecção foi tão grande que começou a complicar os órgãos e, principalmente, o rim. Chegou a fazer hemodiálise.

ENTREVISTADORES - Como você lida com isso, hoje?
LAURA – O tempo ajuda muito.

ENTREVISTADORES – O que pode ser mais importante na vida de uma pessoa?
LAURA – O mais importante é se gostar. É a coisa principal. Se você não se ama, você não vai conseguir amar o outro.

ENTREVISTADORES - Se vendo de fora, quem é Laura?
LAURA – (pensa um pouco, sorri) A Laura... Olha, a Laura é o Coração de Deus. Porque o que eu quero pra mim, eu quero pra você, quero pra todos... (muito emocionada) principalmente para as crianças.


Por Everson Bertucci e Flávio Rocha

quarta-feira, 13 de maio de 2009

ESPOSA CONSUMISTA, ESPOSO FALIDO

Não sei se minha mulher é muito boa em me preparar armadilhas ou se sou um homem muito fácil de enganar. O prazer dela é acabar com o meu, principalmente quando é dia de futebol e cervejada. Eu sempre prometo nunca mais pisar na rua Oscar Freire em sua companhia. Uma das besteiras que fiz foi verbalizar esta afirmação a ela numa de nossas discussões.

É muito difícil dizer não a uma mulher, principalmente quando ela é dona de uma beleza hipnotizante casada com um poder particular de persuasão e uma capacidade única de me satisfazer sexualmente. Toda vez que ela vem com seus métodos femininos e me conduz até à rua Oscar Freire, ouço uma voz me dizer “prepare-se para ser devorado, mestre dos idiotas”. Não sei se essa voz é muito tímida e retraída ou se faz inexistir perto do turbilhão de frases e bondade advindas da minha tão falante esposa.

Vira esquina daqui, dali, de acolá... Quando vi, estávamos na Oscar Freire. Entramos numa loja de perfumes e ela quis sentir o cheiro de todos. No fim, saí intoxicado. Minha mente mal respondia. Passamos em frente a uma loja.

-- olha, que vitrine bem preparada! Veja aquele jogo de luz como valoriza o tom de cada vestido. Não é admirável essa capacidade que os vitrinistas têm? Ah, se eu tivesse mais tempo livre, com certeza, seria vitrinista. É de uma precisão quase divina. Eu fico me imaginando rodeada de todos esses objetos e tendo que escolher a maneira mais adequada de colocá-los para melhor atrair os olhares dos clientes. Não é fascinante?

Mal soltei um resmungo.

-- adoro quando você concorda comigo. Sou mesmo uma sortuda por ter um marido tão especial.

E fala com uma convicção e doçura que no momento me parece a coisa mais inofensiva do mundo.

-- vamos entrar por um minuto pra gente dar uma olhadinha mais de perto, amor?
Eu nunca consigo responder.

-- olha o deslumbre desse vestido, querido. Não é um fascínio?

Ao me ver, o detector de grandes idiotas que o vendedor tem é acionado.

-- deve ficar perfeito em você, diz o vendedor à minha esposa.
-- você acha?
-- não tenho a menor dúvida, complementa o vendedor.
Estava armada a arapuca.

Já vestida...

-- nossa, amor, que coincidência esse vestido ter ficado perfeito no meu corpo. Você viu que vendedor simpático?! Ele tinha razão, ficou ótimo!

Não sei se era o fato dela estar bem vestida, feliz e com pose de mulher fatal ou se era o efeito alucinógeno dos perfumes, ou ainda, a fato dela viver falando sem parar... o fato é que todos os zeros das etiquetas se tornaram inexistentes pra mim. Não conseguia ouvir, nem ver, nem pensar.

-- dois mil e duzentos reais, amor! Nunca vi um vestido tão barato!
-- nossa, barato mesmo! Vinte e dois reais e um bom preço para se pagar num vestido, minha querida.

Este era o efeito.

E lá vieram os sapatos, as bolsas, os cintos... rindo e conversando diretamente comigo. Eram os seres mais encantadores e simpáticos do mundo. Tudo do mais fino, sofisticado e caro. Passo o cartão de crédito e saímos felizes, rumo ao carro.
No caminho, sinto-me raciocinando novamente. Medo. Tento não acreditar na quantidade de sacolas que estou carregando. No rosto da minha esposa a felicidade transborda. Era o sinal. Ela conseguiu de novo o que queria. O efeito tóxico dos perfumes estava passando, minha esposa já não falava tanto e o efeito hipnótico estava findo.

Eu pensava, “minha querida, não esqueça de achar um eufemismo bem bonito para foi um trouxa ao mandar escrever a última frase do meu obtuário”.
-- está tão calado, querido! O que foi?
Autoria: Everson Bertucci

quinta-feira, 7 de maio de 2009

HORÓSCOPO DE QUINTA - POR MADAME CHARLA

O único Horóscopo que dá azar ler só o seu. Aqui é obrigatóra aquela olhadela no signo do vizinho. Toda quinta: o que dizem os astros à Madame Charla sobre os signos do zodíaco. Sempre dois por vez

SAGITÁRIO
Se a sua vida está um cocô, não se desespere. Um planeta, que não sei identificar qual, transita sobre seu signo, isso significa mudanças. Analise seus atos e aprenda com suas falhas, e não fique se achando a pior pessoa do universo. Existem pessoas bem piores, eu, por exemplo, conheço umas... duas.


TOURO
Ai, amiga taurina, eu sei que você está louca atrás do verdadeiro amor, mas é com muita dor e tristeza que eu digo que teu príncipe nem sabe da sua existência e que nem cavalo branco ele tem. Portanto, bem, trate de se ocupar com alguma coisa útil, antes que suba para a cabeça, tá?

Ilustraçao: Flávio Leal

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 45 - recomeço

Hoje talvez seja o dia mais difícil da minha vida. Não, diário, não é drama. É sério. Hoje é o dia que eu escolhi para morrer. Quero muito lhe pedir que me perdoe. Não quero que fique triste, apesar de ser o único que sentirá minha falta. E então, “perdoa eu”? Primeiro diz se perdoa, depois lhe digo do quê. Perdoa? Brigada! Queria que me perdoasse a arrogância, a intolerância, a grosseria.... espera, diário, ainda não terminei. Que me perdoe por toda a prepotência e egoísmo. Quero que saiba que graças a ti, a minha vida se transformou... e eu acho que foi pra bem melhor. Você me fez querer ser uma pessoa melhor. Isso não tem nada a ver com gentileza, você vai entender o por quê. Para que eu consiga voltar à vida, preciso abandonar esta, preciso deixar de escrever e viver. Apenas viver, diário. E agora o verdadeiro pedido de perdão: infelizmente para abandonar esta vida, terei de abandonar você. Por favor, não chore, eu já decidi. Por mais que isso me doa. Oi? Eu também, eu também te amo, diário. Mas terei de fazer uma coisa que vai me dilacerar. Para que este meu “eu” possa morrer... diário... terei de matá-lo. Minha morte se dará através de ti. Eu sei que é covardia. Talvez eu não saiba ser de outro jeito, mas vou tentar.... eu prometo.


Lentamente, ela arranca folha por folha do diário e, aos prantos, as queima.

terça-feira, 5 de maio de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 44 - descoberta

Acabo de voltar de uma viagem muito triste. Lá eu descobri que não sou mais aquela menina sonhadora que ia revolucionar o mundo. Que eu não tenho mais o brilho forte no olhar, nem a sede da mudança. É muito triste descobrir que se é muito pequena. O tempo passa e com ele a gente cresce. Logo eu que sempre quis crescer. Foi assim que voltei de dentro de mim, com essa deficiência... descobri também que... eu... boa noite, diário!

segunda-feira, 4 de maio de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 43 - transiçao

No terceiro encontro... não importa. Nem o terceiro e nenhum outro. Preciso parar de pensar no que não foi, parar de vivenciar o passado, parar de me martirizar, de achar que o erro foi meu. Preciso encontrar uma maneira de voltar a viver e parar de viver em função de uma coisa que não aconteceu. Por favor... me ajuda, diário.

sábado, 2 de maio de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 42 - sonho

Acabo de acordar de um sonho triste. Sonhei que era feliz.

Autoria: Everson Bertucci

sexta-feira, 1 de maio de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 41 - engano

No segundo encontro eu estava no auge da ansiedade. Dominada pela vontade de encontrá-lo e ao mesmo tempo a possibilidade de ter me iludido e tudo não ter passado de apenas uma construção imagética. E dentro de mim o fantasma que sempre me persegue: o medo da rejeição. Felizmente, foi perfeito, diário! Não houve ilusão, nem rejeição... pelo menos não naquele momento.

Autoria: Everson Bertucci

quinta-feira, 30 de abril de 2009

HORÓSCOPO DE QUINTA - POR MADAME CHARLA

O único Horóscopo que dá azar ler só o seu. Aqui é obrigatória aquela olhadela no signo do vizinho. Toda quinta: o que dizem os astros à Madame Charla sobre os signos do zodíaco. Sempre dois por vez

AQUÁRIO
Pare de achar que a vida é essa rotina ridícula de só trabalhar. É chegada a hora de se libertar das “correntes”, ou você prefere ficar gorda, barriguda e muxibenta atrás de uma mesa de escritório agüentando o mau humor da sua chefe varizenta e almoçando aquela comida gordurosa do Mc Donald’s? Agooooooora!


GÊMEOS
Se você é daquelas que vive na dúvida, está na hora de experimentar. Saia por aí descobrindo o que de bom há no mundo. Faça como uma amiga minha, experimente de tudo. Ela saiu por aí experimentando, experimentando, descobriu que era lésbica e hoje é uma pessoa feliz. Não é lindo?!?!

Madame Charla

quarta-feira, 29 de abril de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 40 - jardim de rosas vermelhas

Venho pensando muito na morte. Talvez seja a solução, apesar do meu medo. Não quero fazer mais nenhuma vítima. Vejo-a como solução para a solidão, o sofrimento, a angústia, essa dor silenciosa que me mata... “dor silenciosa que me mata”. Devo estar mesmo ficando louca! Nem assim consigo chorar. Apesar do meu medo, vejo a morte como um jardim de rosas vermelhas. Se olhar fixamente para elas, elas vem e te desligam.

Autoria: Everson Bertucci

terça-feira, 28 de abril de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 39 - o olhar da solidao

Hoje fui tomada por um momento sublime, diário. Lembranças de um amor que poderia... me veio à memória o momento do primeiro contato. Diário, nos conhecemos num lugar em que, normalmente, as pessoas não se conhecem. Pelo menos não para se amar. Num lugar em que nenhum de nós dois poderia imaginar encontrar alguém para se relacionar. Ele que me abordou. No primeiro momento não me interessei, mas sua delicada insistência me fez olhar dentro de seus olhos. Foi isso, foi neste exato momento que me perdi. Seus olhos me seduziram e não resisti. Depois, seu senso de humor. Ele me fez rir, diário. De uma maneira tão leve e substancial que em questão de segundos tudo se apagou. Éramos só nós dois. Não havia mais ruídos, luzes, nem sequer vestígio humano. É isso que acontece quando se é encantada. Em seguida, o toque. A maneira de acariciar a minha mão, de tocar minha boca, de sentir o meu cheiro, de olhar bem dentro dos meus olhos e não precisar dizer palavra. Nunca me senti tão a vontade com alguém em tão pouco tempo. Eu sabia que era especial. Só não sabia que estava sozinha.

Autoria: Everson Bertucci

domingo, 26 de abril de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 38 - discussao hilariante

Dez minutos depois bateu o arrependimento e liguei pra ele. Veio dizendo que estava muito chateado, mas tudo bem. Tudo bem, nada. Quando a pessoa diz que está “tudo bem”, pode ter convicção: não está nada bem. Tive a certeza no encontro seguinte. “Fizemos amor” e ele começou a cobrar de mim um pouco mais de “empolgação”. Disse que eu estava muito passiva, que era só ele quem procurava e acabou voltando ao episódio do banquete. Eu não tenho culpa se ele é um devasso sexual. Ele não me dava tempo de sentir vontade. Nunca vi uma ganância pelo ato de fazer amor. Ai, diário, não estou reclamando, só constatando. Oi? Eu, querendo me gabar? Ai, diário, pára com isso! Claro que não. Sei que ele ficou cobrando uma postura sexual mais “descarada” da minha parte. Preciso te confessar uma coisa: nunca gostei tanto de ver – ou melhor, ouvir, pois as luzes estavam apagadas – alguém brigando comigo. Estávamos brigando por causa de sexo. Ele reivindicava a uma “atitude sexual mais ativa”. Eu adorei. Enquanto ele falava e falava, eu – no escuro – levei as mãos à boca e ria escandalizadamente feliz com as coisas que ele dizia. Foi uma briga linda. É claro que nas pausas que ele dava, eu respirava fundo e dizia alguma coisa do gênero “indignada com aquela discussão” e assim que ele voltava a falar eu voltava a rir. Tem noção do que é alguém discutir com você reivindicando sexo? Oi? Ah, tá! A minha vontade era de gargalhar. Mas nunca alguém havia brigado comigo daquela forma. Eu não podia estragar aquele momento. Sem falar que se ele desconfiasse que eu estava achando aquilo hilário, seria mais uma briga. Brigamos até a exaustão e “fizemos amor” mais uma vez.

Autoria: Everson Bertucci

sexta-feira, 24 de abril de 2009

O DIARIO DE ALICE - EPISÓDIO 37 - depois do banquete

Bem, diário, agora que estamos mais íntimos, vou te contar o que aconteceu depois do banquete. Comemos, foi tudo bonito e tranqüilo. Ele gostou, veio me beijando, me acariciando. Eu só queria dormir. Estava exausta. “Vamos fazer amor?”. “Agora não! Vamos dormir um pouquinho”. “Quero fazer amor com você”. “Depois”. “Não. Agora!”. Ai, diário, “fizemos amor” a noite inteira. Eu precisava dormir. Ele continuou insistindo e eu dizendo “não”. Até que na décima quinta tentativa dele eu não resisti e... “você está surdo ou o quê?”. Você acha que eu fui grossa, diário? Brigada pela gentileza, mas dessa vez eu reconheço: eu fui grossa. Mas ele precisava entender que sexo é pra ser gostoso e não uma tortura. É claro que ele não entendeu. Brigamos a tarde inteira um acusando o outro de ter estragado tudo. Não houve acordo. Ele foi embora convencido que eu havia estragado tudo e eu fiquei em casa – agora sem sono – achando o contrário.

Autoria: Everson Bertucci

quinta-feira, 23 de abril de 2009

HORÓSCOPO DE QUINTA - POR MADAME CHARLA


O único Horóscopo que dá azar ler só o seu. Aqui é obrigatóra aquela olhadela no signo do vizinho. Toda quinta: o que dizem os astros à Madame Charla sobre os signos do zodíaco. Sempre dois por vez


ÁRIES
Ih, meu bem, se você acha que vai sobrar dinheiro esse mês, pode esquecer! A lua minguante está transitando sobre seu signo e isso significa que você estará endividada. Passe longe daquelas vitrines maravilhosas. Controle-se. Deus é mais!


LEÃO
Se você é aquela típica leonina vingativa, é melhor rever seus conceitos. Afinal, como diria o Chaves “a vingança nunca é plena, mata a alma e envenena”. E alma morta e envenenada, ninguém merece. Portanto, não deixe este espírito maligno te dominar. Reaja!!!
Ilustraçao: Flávio Leal

quarta-feira, 22 de abril de 2009

O DIARIO DE ALICE - EPISÓDIO 36 - o olhar

Olha, querido diário, preciso te falar uma coisa de cunho íntimo e preciso que você prometa nunca contar nada pra ninguém. Promete? Oi? Te ofendendo, eu? Não, não é isso. Eu confio, mas preciso que você jure. É que muito é muito íntimo. Entenda. Você promete? Hein, diário, promete? Greve de silêncio de novo não. Fala alguma coisa. Não vai falar mesmo? Tá bom! Você tem razão. Acho que você já deu provas o suficiente de confiança. Lembra da noite em que o conheci e que o olhar dele me deixou extasiada... nós transamos naquela mesma noite. Ai, não sei. A loucura foi tanta que me entreguei logo de cara. Transamos e foi maravilhoso, ou melhor, “fizemos amor” como ele mesmo disse. Agora fala pra mim, um homem que logo na primeira transa diz que “fizemos amor” é ou não é o homem pra se lavar a cueca e fazer comida pelo resto da vida? Brigada!

Autoria: Everson Bertucci

terça-feira, 21 de abril de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 35 - retrato do sono

Ele não foi o único a surpreender. Eu também lhe fiz uma bela surpresa, que embora clichê, muito romântica. Passamos juntos a noite de aniversário dele. Eu fiz de conta que não lembrava de nada, a geladeira vazia, tudo normal como sempre. Mal sabia ele que eu iria lhe preparar uma surpresa. Levantei um pouco mais cedo e pé ante pé fui até a cozinha. Na tarde anterior, eu havia ido ao supermercado e comprado várias coisinhas que ele gostava de apreciar. Escondi tudo dentro da gaveta de baixo da geladeira. Coloquei umas sacolas de legumes por cima e deu certo, ele nem desconfiou. De manhãzinha, na verdade já dava quase meio dia, porém, “de manhãzinha”, levando em consideração que fizemos “coisinhas” até às seis da manhã. Depois de tudo pronto voltei para o quarto, coloquei a melhor toalha de mesa sobre a cama, deixei-a bem bonita e sobre ela, duas bandejas. Suco natural de pêssego, biscoitos doces e salgados, pão preto integral, frios, mamão cortadinho em cubos espetado no palito, alguns guardanapos coloridos, duas xícaras grandes e coloridas, para apreciarmos o suco natural de pêssego e finalmente, chocolate branco – que ele venera. “Ai que alívio!”. Sentei ao lado da cama e fiquei olhando ele dormir. Lembrei-me dos inúmeros dias em que coloquei meu sobrinho mais novo para dormir. Tinha esquecido como é lindo ver um anjinho dormir e sempre o mesmo desejo: que o tempo parasse perante aquela imagem do sono. Minha experiência com o bebê me fez acreditar que “o tempo não pára”. Acordei-o com um beijo quente no rosto. “Bom dia!” “Bom dia!”. “Que horas são?” “Hora de tomar café”. Retribuiu o beijo, diário. Ficamos abraçadinhos por alguns minutos e em seu ouvido eu perguntei “Tá com fome?” “Tô”. E apontando para o banquete, eu disse... Oi? Banquete sim, diário. Que petulância! Por quê não seria um banquete? Só porque era simples? Pois saiba que foi feito com muito carinho e é isso que importa. Me impressiona muito! Depois eu é que sou a insensível. Tá bom, eu desculpo. Perdi até a vontade de prosseguir. Oi? Tá bom. Apontei para o banquete e disse “então come!”. Ele ficou sem palavras. Totalmente surpreso. Foi tão bonito. Só pelo olhar que ele me lançou... valeu a pena, apesar do meu sono. Mas o olhar dele fez tudo valer a pena. “por quê tudo isso?” “Ah, porque você merece e por ser o seu aniversário”. Outro beijo e outro e outro e outro e outro e outro e outro... ai, tá bom, diário, eu paro!

Autoria: Everson Bertucci

TRABALHO SOBRE FOTOGRAFIA

Quando informado sobre este trabalho e como teria de ser elaborado, levei um susto e me vi num contexto desesperador, pois as aulas que assisti levei como referência e como não tenho o hábito de fazer anotações, meu caderno estava totalmente em branco. O hábito referido se concretiza pelo fato de sempre ter existido em mim a “memória fotográfica”, que aliás, aqui soa como trocadilho.
Resolvi fazer um prospecto, não só das aulas assistidas, como também de referências visuais tidas ao longo de minha trajetória, já que através da fotografia dialogamos com o passado e somos os interlocutores das memórias silenciosas que elas mantêm em suspensão. O fato se dilui. Sobre o que se passou, têm-se apenas recordações, muitas vezes, embaçadas, fatos efêmeros de uma realidade em marcha, que se desvanecem, diluem-se nas suas próprias ocorrências, assim como a música tem o poder de resgatar momentos tidos como esquecidos e que um toque traz à tona realidades selecionadas pelo cérebro e por ele armazenadas.
Pensei em várias possibilidades de como elaborar este trabalho. Pensei em navegar por sites sobre o tema e ir colando alguns pontos principais e fazer uma mesclagem de algumas páginas, mas fiquei com medo de ser descoberto pelo professor. Afinal de contas nunca sabemos o que esses professores nos reservam. Principalmente quando estes são portadores de maletas pretas, e dentro delas: o desconhecido. Pensei “vai que ele descobre que eu fiz uma colagem e de dentro da maleta saca uma pistola e me elimina perante a classe como forma de repressão”, ou pior “vai que ele tira uma máquina fotográfica digital, de última geração, e registra toda a minha mediocridade e falta de dignidade ao fazer vários recortes da internet e colar, na cara dura, se titulando como autor destes recortes”. Enfim, não conhecendo o conteúdo da maleta, decidi buscar referências guardadas na memória e usar de um dos tópicos que o próprio professor sugeriu, e que eu coloquei como principal, que é o elemento da criatividade, mas sei que não vou dar conta de fazer como desejo.
Comecemos com uma poesia.


Retrato de Família


Este retrato de família
está um tanto empoeirado.
Já não vê no rosto do pai
quanto dinheiro ele ganhou.

Nas mãos dos tios não se percebem
as viagens que ambos fizeram.
A avó ficou lisa, amarela,
sem memórias da monarquia.

Os meninos, como estão mudados.
O rosto de Pedro é tranqüilo,
usou os melhores sonhos.
E João não é mais mentiroso.

O jardim tornou-se fantástico.
As flores são placas cinzentas.
E a areia, sob pés extintos,
É um oceano de névoa.

No semicírculo das cadeiras
nota-se certo movimento.
As crianças trocam de lugar,
mas sem barulho: é um retrato.

Vinte anos é um grande tempo.
Modela qualquer imagem.
Se uma figura vai murchando,
outra, sorrindo, se propõe.

Esses estranhos assentados,
meus parentes? Não acredito.
São visitas se divertindo
numa sala que se abre pouco

ficaram traços da família
perdidos no jeito dos corpos.
Bastante para sugerir
que um corpo é cheio de surpresas.

A moldura deste retrato
em vão prende suas personagens.
Estão ali voluntariamente,
saberiam – se preciso voar.

Poderiam sutilizar-se
no claro-escuro do salão,
ir morar no fundo dos móveis
ou no bolso de velhos coletes.

A casa tem muitas gavetas
e papéis, escadas compridas.
Quem sabe a malícia das coisas,
quando a matéria se aborrece?

O retrato não me responde,
ele me fita e se contempla
nos meus olhos empoeirados..
E no cristal se multiplicam

os parentes mortos e vivos.
Já não distingo os que se foram
dos que restaram. Percebo apenas
a estranha idéia de família

viajando através da carne.
O registro fixa o fato, atravessa dos tempos, perpetua a lembrança, preserva a memória, transporta ilusoriamente o passado, ou idéia dele. Todavia, o documento fotográfico também tem seu tempo de vida, sua duração, não importando a tecnologia de registro que o caracteriza. A fotografia tem inspirado grandes autores em todo o mundo, assim como o fez com nosso poeta mineiro, como podemos notar na poesia acima. Drummond, através, de sua escrita detalhada, remete o leitor a uma fotografia. Ao final da leitura da poesia o leitor tem em sua memória uma fotografia em preto e branco de uma família, com personagens muito familiares a quem lê.
Sabemos e montamos essa “fotografia” porque já nos habituamos ao seu formato e ao que ela representa. Mas, só temos essa referência fotográfica graças às descobertas de grandes inventores que virão a seguir.


OS QUATRO GRANDES INVENTORES

“A invenção raramente é devida ao acaso: ela corresponde a uma necessidade profunda e geral, tanto econômica como intelectual” (J. A. Lesourd e C. Gérald).

Joseph Nicéphore Niépce, recebe uma formação científica e enceta uma carreira de oficial. Com o seu irmão Claude, trabalha em diversas invenções, entre as quais um motor de explosão (1801), precursor do de Diesel, o pireolóforo, do qual registram patentes, em 1807 e 1817. em 1813, Niépce experimenta a litografia, inventado por Senefelder, em 1796, para reproduzir gravuras. As suas pesquisas orientam-se em duas direções: a reprodução de gravuras, tornadas translúcidas por meio de um verniz, e a reprodução de fotografias com a ajuda da câmara escura. Em 1816, fala a Claude numa imagem com sais de prata que obteve com valores invertidos e que não o satisfaz. Procura uma imagem com valores reais e desinteressa-se deste “negativo”. Cerca de 1819, experimenta o betume da judeia, produto castanho e viscoso, que os gravadores empregam na água-forte. Dissolve-se em essência de dippel e espalha-o sobre suportes diferentes: vidro, cobre prateado e estanho.
Nas suas experiências com a câmara escura são necessárias entre sessenta e cem horas para obter uma imagem. Niépce entra em contato com Louis-Jacques Mande Daguerre, em 1826, por intermédio do óptico Vincent Chavalier. Daguerre utiliza muitas vezes a câmara escura para desenhar os cenários do seu espetáculo de “som e luz” – o Diorama -, onde telas pintadas dão a ilusão do real, como a ajuda de jogos de luz.
Daguerre, mais novo e mais vocacionado para o lucro do que Niépce, deseja associar-se-lhe para explorar o que crê ser um bom negócio. No decurso de um encontro em Paris, em 1827, Niépce deixa-se seduzir pelo indivíduo e, vendo diminuir os seus meios financeiros, aceita finalmente assinar um contrato em 14 de dezembro de 1829, depois de inúmeras peripécias e de uma correspondência muito extensa. Neste contrato, Niépce “abdica da sua invenção” e Daguerre “emprega uma nova combinação com a câmara escura, os seus talentos e a sua indústria”.
Niépce morre em 1833, na sua casa do Grãs, sem ter aperfeiçoado muito o seu processo. Daguerre, nas suas pesquisas, continua a empregar iodo nas placas de cobre prateado e descobre que os vapores de mercúrio podem reforçar as imagens quase invisíveis à saída da câmara escura. É só em 1837 que usa a água salgada para fixar estas fotografias.
trata-se de um acessório para manter imóvel o pessoa fotografada.

Morto Niépce, Daguerre assina, em 1835, um novo contrato com o seu filho Isidore. Nele figuram os dois processos, minimizando o nome de Niépce, ao passo que o de Daguerre é o único ligado à invenção pomposamente designada como daguerreótipo.
Em março de 1839, Daguerre fica arruinado pelo incêndio do Diorama e deixa correr o boato que os Ingleses e os Russos pretendem adquirir a sua invenção. Isto leva o governo a conceder-lhe uma renda vitalícia de 6000 francos, enquanto a de Isidore Niépce não é senão de 4000.
A glória e a fortuna de Daguerre estão feitas. Conhecido, reconhecido, adulado, condecorado, beneficia plenamente da sua “indústria”. Apesar de tudo, elevam-se vozes para recordar que Niépce desapareceu completamente destes elogios. Francis Bauer e Isidore Niépce são os primeiros a dizê-lo.
Daguerre morre em 1851, tendo abandonado a fotografia em favor da pintura, a sua primeira profissão. A sua morte deixa a França indiferente. Todavia, o daguerreótipo está no seu apogeu: é usado no mundo inteiro.
Henri Fox talbot, notável homem de ciência, utiliza a câmara clara para desenhar, mas não fica totalmente satisfeito com ela. Desconhecendo os trabalhos de Wedgwood, bem como os de Daguerre e Niépce, faz ensaios com papel impregnado com nitrato de prata fixado com sal de cozinha desde 1834. estes primeiros “desenhos fotogênicos”, com valores invertidos (negativos), são realizados em cerca de dez minutos, em minúsculas câmaras escuras de 4 a 6 cm de lado. “Se a imagem assim obtida ficar suficientemente bem fixada para suportar a luz do sol, poderemos utilizá-la depois como objeto a copiar [...]”
Sem o saber, Talbot não faz senão o que Niépce já havia realizado, mas sem ter, conseguido fixar as imagens. É ele que a conselho do seu amigo Herschel, emprega a palavra fotografia (escrever com a luz). Estimulado por Daguerre e Niépce, aperfeiçoa a sua técnica e, em 1840 realiza, por acaso, a revelação da imagem latente, o que reduz o tempo de exposição a pouco menos de dez segundos.
Historicamente, é evidente que Talbot inventou o que será a fotografia moderna: o negativo-positivo, que aliás designa desta maneira, a revelação da imagem latente e a possibilidade de reproduzir as imagens.
Hippolyte Bayard, o mas ignorado dos quatro inventores, é um culto homem do Norte. Tendo tido conhecimento das pesquisas de Daguerre, em Janeiro de 1839, realiza, a partir de fevereiro, ensaios sobre papel sensibilizado e obtém provas positivas diretas com aspecto de desenhos, por causa da textura do papel. Mostra estas imagens a Arago, que protegendo Daguerre, não faz praticamente nada para o ajudar.
Antes da divulgação do daguerreótipo, a primeira exposição de fotografia da história, com cerca de trinta provas, no âmbito de uma festa de caridade, que a imprensa relata.
Só revela a sua técnica em 1840, à Academia das Ciências. Em 1841, para provar a anterioridade da sua invenção relativamente a Talbot, Bayard revela a sua existência, o que demonstra que também tinha inventado o negativo sobre papel com revelação da imagem latente.


A COR

Há três tipos de receptores de cor no olho humano: vermelho, verde e azul. Todas as cores que o olho humano pode perceber são combinações destas três cores primárias. Também há receptores para o branco e o preto, que não são tão sensíveis a luz.
O universo pictórico é um universo essencialmente colorido. A fotografia tentará reencontrar ao longo da sua história este realismo da cor. Os daguerreotipistas coloriam as suas imagens acentuando as cores, mas não foi senão em 1891 que foi criado, por Gabriel Lippmann, um primeiro método com resultados soberbos, ainda que muito difícil de aplicar.
Será o processo aditivo por transparências que dará os primeiros resultados práticos. Três negativos presos em três filtros coloridos (vermelho, verde, azul) e vistos ou projetados com os mesmos três filtros recriam todas as cores do espectro, pela adição das três cores primárias. Frédéric Ives aperfeiçoa o processo em 1885. Uma única chapa é impressionada através de um traço muito fino, colorido pelas três cores fundamentais. Os irmãos Lumière, quando criam a chapa Autochrome, em 1904, colocam a cor ao alcance de todos.
Em 1869, Louis Ducos du Hauron e Charles Cros descobrem uma mesma técnica de fotografia a cores. Este método dito subtractivo baseia-se na mistura dos pigmentos coloridos, como na tipografia. As dificuldades práticas deste método serão resolvidas por Leopold Mannes e Leopold Godowsky, que inventa o filme kodakchrome, em 1935, para a sociedade Kodak. Este filme “diapositivo” possui no suporte três camadas sensíveis que alternam com três camadas filtrantes e os corantes são depositados no decurso da revelação cromogenea muito complexa, ainda hoje utilizada.
Em 1941, são lançados o kodacolor e o agfacolor, mas sem a inversão, e que dão positivos sobre um papel concebido com uma técnica similar.
A última grande etapa na história da fotografia a cores será realizada pela Polaroid, em 1963, com o lançamento do Polacolor, que permite obter uma fotografia de 8x10 cm em um minuto.
Curiosidade: "Toda cor é uma interpretação que o cérebro faz dos sinais luminosos. Por isso, nunca se saberá ao certo se duas pessoas enxergam uma cor exatamente da mesma maneira. Às vezes, a percepção de uma cor pode ser afetada pelo efeito de contraste."
Pesquisa realizada por um laboratório de cores mostrou que as pessoas julgam subconscientemente uma outra pessoa, um ambiente ou um objeto pela cor. O emocional liga a cor a uma determinada situação:
Vermelho: perigo, quente, excitante, sexo.
Azul: masculino, frio, calmo, estável.
Branco: puro, honesto, frio.
Pastel: feminino, sensível, delicado.
Laranja: emoção, positivo.
Negro: morte, poder, autoridade, seriedade.
Rosa: feminino, quente, ardente.
Verde: natureza, conforto, esperança, dinheiro.
Amarelo: sol, calor, calma, tranqüilidade.

Algumas características da cor:
O contraste mede a separação entre valores de um determinado matiz.
O brilho mede a quantidade de cor branca adicionada à cor.
A saturação mede a quantidade de uma determinada cor presente na mistura.

SEQÜÊNCIA FIBONACCI

0 1 1 2 3 5 8 13 21 34...
Segundo Fibonacci, toda arte visual, para ser atraente segue a seqüência do “3” em que os olhos “na obra” fica no terço superior da imagem.
A divisão, na seqüência acima, de um número qualquer pelo seu antecessor resulta em 1,6... Tal seqüência é muito utilizada na publicidade.

KANDINSKY

Segundo Kandinsky alguns determinados pontos na tela despertam algo no espectador. Um ponto no centro, equilíbrio. No esquerdo superior, pouco notado. No direito superior, incômodo. No esquerdo inferior, agradável. No direito inferior, pouco incômodo. Sabendo destes princípios, pintores utilizaram deles para compor suas obras. O cinema e a televisão também o fizeram e o fazem.
A LUZ

Para que possamos compreender o fenômeno da fotografia, é necessário conhecer algumas propriedades físicas da luz. A luz é uma forma de energia eletromagnética radiante, à qual nossos olhos são sensíveis. A maneira como a vemos e como a fotografamos é diretamente afetada por duas importantes características da luz: ela viaja em linha reta e a uma velocidade constante. A luz pode ser refletida, absorvida
e transmitida.
Quando a luz é refletida por um objeto, se propaga em todas as direções.O orifício de uma câmara escura, quando diante desse objeto, deixará passar para o interior alguns desses raios que irão se projetar na parede branca. E como cada ponto iluminado do objeto reflete assim os raios de luz, temos então uma projeção da sua imagem, só que de forma invertida e de cabeça para baixo. Como cada ponto do objeto corresponde a um disco luminoso, a imagem formada possui pouca nitidez e, a partir do momento em que se substitui à parede branca pelo pergaminho de desenho, esta falta de definição passou a ser um grande problema para os artistas que pretendiam usar a câmara escura na pintura.


A CÂMARA ESCURA

A primeira descoberta importante para a fotografia foi a "câmara obscura". O conhecimento de seus princípios óticos se atribui a Aristóteles, anos antes de Cristo, e seu uso para observação de eclipses e ajuda ao desenho, a Giovanni Baptista Della Porta.

Câmara escura
Sentado sob uma árvore, Aristóteles observou a imagem do sol, durante um eclipse parcial, projetando-se no solo em forma de meia lua quando seus raios passarem por um pequeno orifício entre as folhas. Observou também que quanto menor fosse o orifício, mais nítida era a imagem.
Séculos de ignorância e superstições ocuparam a Europa, sendo os conhecimentos gregos resguardados no oriente. Um erudito árabe, Alhazem, descreveu a câmara escura em princípios do século XI.
No século XIV já se aconselhava o uso da câmara escura como auxílio ao desenho e à pintura. Leonardo da Vinci fez uma descrição da câmara escura em seu livro de notas, mas não foi publicado até 1797. Giovanni Baptista Della Porta, cientista napolitano, publicou em 1558 uma descrição detalhada da câmara e de seus usos. Esta câmara era um quarto estanque à luz, possuía um orifício de um lado e a parede à sua frente pintada de branco. Quando um objeto era posto diante do orifício, do lado de fora do compartimento, sua imagem era projetada invertida sobre a parede branca. O uso da câmara escura se difundiu entre os artistas e intelectuais da época, que logo perceberam a impossibilidade de se obter nitidamente a imagem, quando os objetos captados pelo visor estivessem a diferentes distâncias da lente. Ou se focalizava o objeto mais próximo, variando a distância da lente / visor (foco), deixando todo o mais distante desfocado, ou vice-versa. Danielo Brabaro, em 1568, no seu livro "A prática da perspectiva" mencionava que variando o diâmetro do orifício, era possível melhorar a nitidez da imagem. Assim, outro aprimoramento na câmara escura apareceu: foi instalado um sistema, junto com a lente, que permitia aumentar e diminuir o orifício. Este foi o primeiro “diaphragma”.
Quanto mais fechado o orifício, maior era a possibilidade de focalizar dois objetos a distâncias diferentes da lente.
Nesta altura, já tínhamos condições de formar uma imagem satisfatoriamente controlável na câmara escura, mas gravar essa imagem diretamente sobre o papel sem intermédio do artista era a nova meta, só alcançada mais tarde com o desenvolvimento da química.


AS MÁQUINAS FOTOGRÁFICAS

A partir de finais do século XIX, a diferença entre as máquinas fotográficas destinadas aos amadores e as destinadas aos profissionais é muito marcada.
A aparição do kodak nº 1 marca o início desta clivagem. Para os amadores, os critérios principais são a facilidade de utilização, o peso reduzido e o formato. Na Kodak, vai nascer toda uma linha de aparelhos que deriva dessa caixa de 1888 para se chegar, como vimos, ao Instamatic de 1963. para além destas caixas rígidas de formato quadrado, encontramos folding extensíveis, frequentemente de formato 6x9 cm.
No domínio profissional, as grandes máquinas de chapas e depois de filme maleável (plan-film) evoluem pouco. A madeira tem tendência a ser substituída pelo metal. Em 1910, a Linhof alemã, folding metálica de alta precisão, é introduzida no mercado, tal como a Speed Graphic americana, que possui uma coleção de oito chapas de 9x12 cm (4x5 polegadas). Nos formatos mais pequenos, podemos destacar três máquinas: a Ermanox alemã, com placa de 4,5x6 cm, munida de uma objetiva muito luminosa aberta a f/1,8, permitindo instantâneos com pouca luz e criada em 1924; a Rolleiflex 6x6 (reflex com duas objetivas sobrepostas), de Franke e Heidecke, saída de aparelhos do mesmo tipo, mas de formato maior, colocada no mercado em 1928; e, por fim a Hasselblad sueca, reflex mono-objetiva saída em 1946.
Em 1912, P. Smith inventa a primeira máquina de formato 24x36 mm, com filme de cinema. Mas é com a entrada no mercado, em 1925, da Leica, inventada por Oscar Barnack (1879-1936) para utilizar os restos de filme de cinema, que esta máquina de objetivas intercambiáveis se vai desenvolver e penetrar no meio profissional da reportagem.
Apenas em 1948 a marca Zeiss introduz no mercado a contax, primeira máquina reflex mono-objetiva com prisma retificador, antepassada de todas as nikon, cânon, pentax e outras minolta.
Para obter imagens, apesar de uma iluminação fraca, utilizava-se o pó ou a fita de magnésio, de 1860 a 1925, data em que se inventa a ampola flash, bastante menos perigosa e mais prática, porque não produz fumo. Cerca de 1830, Harold Edgerton inventa o flash eletrônico.
Auto-retratoProvinciano que nunca soubeEscolher bem uma gravata;Pernambucano a quem repugnaA faca do pernambucano;Poeta ruim que na arte da prosaEnvelheceu na infância da arte,E até mesmo escrevendo crônicasFicou cronista de província;Arquiteto falhado, músicoFalhado (engoliu um diaUm piano, mas o tecladoFicou de fora); sem família,Religião ou filosofia;Mal tendo a inquietação de espíritoQue vem do sobrenatural,E em matéria de profissãoUm tísico profissional.


Na poesia acima, de Manuel Bandeira, ele utiliza o retrato para compor um estado psicológico, uma fotografia interior de si mesmo. A máquina fotográfica aqui é sua escrita. Com ela, o poeta registra toda a sua história a registra através de versos.
Em 1962, o laser permite o aparecimento da holografia. Graças a esta técnica, obtêm-se imagens a três dimensões numa única chapa fotográfica e temos a ilusão de ver os objetos como se nos movimentássemos em seu redor.
Atualmente, os zooms, devido ao aperfeiçoamento das suas qualidades ópticas, têm tendência a substituir as objetivas de foco fixo e a focagem automática (autofocagem) tornou-se sistemática, ou quase, nestas máquinas, em particular nas compactas 24x36, que destronaram as tentativas anteriores,já evocadas, de máquinas de formatos mais ou menos estranhos.
A fotografia documental, exceto a da arquetetura e da paisagem, vai mudar radicalmente com a introdução do gelatino-brumeto de prata, devido à facilidade do seu uso, aos filmes maleáveis e aos aparelhos portáteis, frequentemente extensíveis, que já não requerem o embaraçoso tripé, porque o notável aumento da sensibilidade permite o instantâneo.
A fotografia vai dar origem a uma nova forma de documentação, até aí reservada à escrita. Com efeito, torna-se possível o relato da vida quotidiana.
Para Matisse, a fotografia deve limitar-se a registrar a realidade: “Realizada por um homem de gosto, a fotografia parecerá arte. No entanto, creio que o estilo das fotografias não tem importância; elas serão sempre surpreendentes, porque revelam a natureza, e todos os artistas encontrarão nelas um mundo de sensações. O fotógrafo, portanto, deve intervir o menos possível. [...] A fotografia deveria registrar e fornecer-nos documentos”.
Esta perspectiva um pouco redutora será partilhada pelo escultor Brancusi, que nos deixou uma grande coleção de fotografias e que foi ele mesmo o fotógrafo das suas obras.


GESTALT


A Gestalt é uma das tendências teóricas mais coerentes e coesas da história da Psicologia. Seus articuladores preocuparam-se em construir não só uma teoria consistente, mas também uma base metodológica forte, que garantisse a consistência teórica.
Gestalt é um termo alemão de difícil tradução. O termo mais próximo em português seria forma ou configuração, que não é utilizado, por não corresponder exatamente ao seu real significado.
Ernst Mach, físico, e Christian von Ehrenfels, filósofo e psicólogo, desenvolviam uma psicofísica com estudos sobre as sensações (o dado psicológico) de espaço-forma e tempo-forma (o dado físico) e podem ser considerados como os mais diretos antecessores da Psicologia da Gestalt. Os gestaltistas estavam preocupados em compreender quais os processos psicológicos envolvidos na ilusão de ótica, quando o estímulo físico é percebido pelo sujeito como uma forma diferente da que ele tem na realidade.
Toda forma percebida está relacionada com forças integradores do cérebro. O cérebro se auto-regula para organizar formas e torná-las compreensivas ou assimiláveis. Este processo espontâneo independe de nossa vontade e aprendizado. A gestalt tenta entender o fenômeno da percepção. Nós vemos o conjunto, não necessariamente os elementos constituintes de uma imagem.

LEITURA VISUAL PELAS LEIS DA GESTALT

Unidade – se refere a elementos que formam uma figura como um todo. De fácil compreensão.
Segregação – separar a figura do fundo ou detalhes da figura ou do fundo.
Unificação – coesão, equilíbrio e harmonia. A figura tem que estar bem distribuída.
Fechamento – é a idéia de complementação dos pedaços faltantes.
Continuação – fluidez das formas, ou seja, idéia de algo com começo e fim.
Semelhança/proximidade – organização.
Pregnância da forma ­– de fácil entendimento na relação fundo/figura, onde não há confusão visual.


EASTMAN E A KODAK
A câmara Kodak foi introduzida em 1888. era leve e pequena, carregada com um rolo de papel para 100 exposições. A câmara Kodak havia criado um mercado completamente novo e transformado em fotógrafos aqueles que só queriam tirar fotos e não tinham nenhum conhecimento da matéria. Qualquer um podia "apertar o botão" e a companhia do Sr. Eastman “fazia do resto”. Em 1889 saíram para venda os primeiros rolos de película transparente.

a câmera Kodak
Em 1891 se melhorou ainda mais a película transparente para amadores ao colocá-la em carretéis que podiam ser colocados na câmara em plena luz do dia. A câmara Kodak dobrável, de bolso, foi lançada em 1898; um fole permitia que se recolhesse a lente. Em 1900 apareceu a primeira câmara Brownie, para crianças. George Eastman sempre esteve muito interessado nos avanços técnicos, mas sua maior preocupação foi desenvolver métodos simples, para que o público pudesse ter prazer com a fotografia. Este princípio constituiu sua maior contribuição à indústria. Em 1923 lançou o primeiro filme de 16mm em branco e preto. O filme podia ser carregado na câmara à luz do dia; logo depois de exposta se enviava à Kodak para o processamento reversível e se devolvia pronto para ser projetado em casa. Filmar em 1924 já era tão fácil quanto tirar fotos: simplesmente "apertando o botão". O primeiro processo Kodacolor (que não deve ser confundido com o filme atual, de mesmo nome) se aproximou dos requisitos procurados e as melhorias continuaram até a fotografia colorida ficar tão simples quanto em branco e preto.
Fotos típicas das primeiras câmeras Kodak, que caracterizavam-se por seu formato de janela redondo
Carl W. Ackerman, seu biógrafo, escreve: "O Sr. Eastman foi um gigante de sua época. A filosofia social que praticou ao desenvolver sua companhia não só se adiantou à sua época, como ainda se passaram muitos anos antes de ser amplamente reconhecida e aceita".

O SÉCULO XX
Na entrada do ano de 1900, a fotografia já tinha todos os quesitos necessários para o registro de imagens com altíssima qualidade de exposição e reprodução, tanto que o cinema, cuja base é fotográfica, só seria possível tecnologicamente nestas condições, sendo concretizado por Edison e os irmãos Lumière. Mas na fotografia estática, os principalis avanços foram de ordem mecânica, na construção de lentes cada vez mais precisas e nítidas, e câmeras portáteis de diversos formatos e tamanhos.
A Eastman lançou, por exemplo, em 1900, a câmera Brownie, que custava apenas 1 dólar, e que trasformou radicalmente a fotografia em uma arte popular, legando outras empresas a supremacia por uma qualidade técnica profissional. Neste quesito, dois fabricantes de lentes se destacaram no mercado pela excelência da construção óptica, a Carl Zeiss e a Schneider, ambas alemãs, e que contribuíram largamente para o aumento da capacidade luminosa e qualidade da imagem formada.
Da mesma forma, foram explorados diversos tipos de formatos, pois os negativos de Eastman eram muito pequenos, propícios apenas a amadores. Fotógrafos profissionais ainda precisavam de chapas de negativo, mas agora confeccionados em material flexível e não mais em vidro. Os formatos em chapa foram explorados sob diversos tamanhos por diversos fabricantes de câmeras, mas havia sempre uma limitação comercial, da qual dependia a sobrevivência do formato.
Assim, os fabricantes de câmeras lançavam produtos que exigiam determinados formatos, e sob encomenda deste fabricante, chapas de negativo eram confeccionadas, geralmente pela própria Kodak. O custo disso era relativamente alto, e se a câmera não emplacasse comercialmente, o formato era fadado a morrer, como acontece até hoje em certos formatos de vídeo, como o Betamax (que sucumbiu ao VHS) e o Laser Disc (que morreu com a entrada do DVD). Assim, os grandes formatos, durante todo o período que vai de meados de 1900 até 1930, sofreram constantes modificações, sendo padronizados pela influência comercial em três principais, as chapas de negativo 8x10 polegadas, a 5x7 polegadas e a 4x5 polegadas.
Todas estas evoluções inventivas na área visual tiveram suas influências de artistas renascentistas, barrocos, impressionistas etc, tanto nas pinturas como nas esculturas. Figuras importantíssimas destes períodos como Leonardo da Vinci, Michelângelo, Renoir, Botticelli, Rafael, Caravaggio, Velázquez, Rembrandt, Claude Monet, Bernini, Manet, Tolouse Latrec, entre outros, desenvolveram técnicas de grande relevância histórica e que servem de referência até os dias atuais.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KOSSOY, Boris. Os Tempos da Fotografia: o efêmero e o perpétuo. 1ª Ed.; São Paulo: Ateliê Editorial, 2007.
AMAR, Pierre-Jean. História da Fotografia. 1ª Ed.; Lisboa: Edições 70, 2001.

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