domingo, 21 de março de 2010

Durabilidade e Frivolidade - conto

Rafael conheceu Jonas numa boate. Mal deu tempo de se atrair direito porque Jonas se aproximou de forma tão rápida que o primeiro beijo veio sem muito pensar. Bom o suficiente para continuar por muitos minutos. Jonas estava regido pelo álcool. Rafael, pelo romantismo de sempre e pela insistência em acreditar que ainda possa haver beleza nas ações das pessoas. Mas logo Rafael percebeu que o lance de Jonas era apenas diversão e sexo, mas naquele momento era conveniente aproveitar e se divertir enquanto durasse o efeito do álcool.


Jonas logo tratou de sentir de perto o quanto Rafael estava excitado. E ele realmente estava e a coisa foi esquentando tanto que logo estavam trancados no banheiro e o sexo foi apenas consequência. Após o ato, Rafael pensou que dali cada um seguiria seu rumo, como acontecia sempre, mesmo contra sua vontade. Mas foi surpreendido pela atitude de Jonas, que mudou bastante seu comportamento. Foi ficando mais carinhoso, atencioso, jovial. Foram para a pista e ficaram dançando a noite toda. Seus beijos foram embalados pelos mais empolgantes flashbacks.


Rafael sabia que estava consciente e como sempre ficou fantasiando uma relação posterior. Sabia que as chances eram pequenas, mas sempre preferiu acreditar nas possibilidades. Já havia se decepcionado em tantas outras histórias, mesmo assim nunca deixou de acreditar que assim como ele, deveria existir mais alguém no mundo que também estivesse procurando alguém para namorar, para curtir, e para dividir uma história. Não queria sair dali e pensar que sua chance estaria vindo de forma torta. Resolveu apostar, principalmente porque Jonas estava se entregando e parecia mesmo de verdade.


Continuaram dançando com mais alguns amigos de Jonas até que o dia amanheceu e tiveram que sair. Na rua, ficaram abraçados enquanto conversavam numa esquina. Rafael ouvia a conversa de Jonas e de seus amigos, também alcoolizados. Eles riam de tudo, falavam sem parar e mesmo se sentindo um estranho naquela situação, quis ficar e aproveitar os momentos bons que estava vivendo. Jonas continuou carinhoso e Rafael resolveu se dar uma chance. Aceitou de prontidão o convite de Jonas de irem a uma festa de aniversário com pessoas que nunca poderia encontrar numa outra situação.


No aniversário, foi recebido por Jonas com um beijo caloroso, um abraço forte e em seguida o deixou sozinho para que interagisse com as outras pessoas, mas Rafael não conseguiu. Ficava quieto nos cantos, disfarçava um sorriso para um, um gole de cerveja com outro, uma frase, um gesto leve. Mas, e Jonas? Se divertia e conversava com todos, menos com Rafael. Vez ou outra passava, dava um beijo e saía para curtir. Rafael se sentiu só, mas tentou compreender que esse era o jeito de Jonas. Mais tarde, eles se entenderam, foram para um quarto e deixaram o desejo tomar conta de si. Dormiram. No dia seguinte foram embora juntos. Poucas palavras. Era o fim, pensou Rafael.


Estava enganado. Logo que se separaram recebeu uma mensagem de Jonas, em seu celular. Era uma daquelas frases bonitinhas, capazes de destruir qualquer possibilidade de indiferença. Ficou feliz e retribuiu. E assim foram dezenas de mensagens durante toda a semana. Novamente se encontraram na mesma casa da festa do aniversário, só que agora ,com bem menos pessoas. Para tentar um entrosamento com o pessoal, resolveu tomar seu primeiro porre. O vinho mais vagabundo. Todos beberam, fumaram. Não queria acreditar que Jonas não era para uma pessoa apenas. Era do mundo.


Mesmo com todas as evidências, continuou acreditando que a história deles poderia ter continuidade pela força de seus beijos. Mesmo estranhando um pouco, Rafael curtiu o momento e procurou não ficar questionando muito. Dormiu num sofá qualquer sob o efeito do vinho. Acordou super cedo com a cabeça latejando. Ai, isso é que é a tal da ressaca, pensou interrogativamente. Mesmo depois de tudo, Rafael e Jonas foram embora juntos novamente. Rafael sempre se perguntando o que aconteceria após se separarem. Nem precisou pensar muito. Minutos depois seu celular apitou. Era mensagem de Jonas. Ficou feliz.


Continuaram se falando durante a semana. Não tocaram no assunto e marcaram uma balada na sexta. Foram juntos e Jonas mantinha sempre uma certa distância. Na boate, Jonas se demonstrou muito distante, embora estivessem juntos o tempo todo. Rafael não entendia por que Jonas dançava com todas as garotas da festa, se apresentava e ficava logo amigo de todas elas e o deixava em segundo plano. Várias garotas foram se aproximando e entravam na roda para dançar com ele. Rafael não sabia lidar direito com a situação e tentava disfarçar um sorriso, mas no fundo estava se sentindo sozinho. Jonas dava selinhos e dançava coladinho a todas. Mal sabia ele que Rafael estava querendo a mesma coisa.


Num momento, o casal foi para outro ambiente com duas garotas que Jonas tinha conquistado a amizade. Enquanto Rafael conversava com uma, Jonas conversava com a outra, até que Jonas a beijou na frente de Rafael, que não soube reagir. Não sentiu ciúme, sentiu-se só. Eles estavam juntos, e novamente Rafael tentou ficar bem perante aquela cena desagradável. Depois conversaram e Jonas disse que foi apenas um beijo e justificou: ela é mulher e estava carente! Jonas reafirmou que estavam juntos, mas que poderiam beijar mulheres, só não poderiam beijar homens. Rafael entendeu e como estava combinado, não se importaria mais.


De volta à pista, refletiu e chegou à conclusão que após aquela noite daria um basta e que não mais se submeteria a uma situação assim. Gostava muito de Jonas, mas teria que gostar mais de si próprio. Procurou se divertir também com outras garotas, dançou. O problema é que Jonas tinha uma vivacidade, uma energia e um jeito tão especial de tratar as pessoas que Rafael não sabia direito a que conclusão chegar. De repente, passa entre eles um jovem cadeirante. Uma moça empurrava a cadeira de rodas e as pessoas abriram caminho para ele passar. O rapaz estava super feliz, dançando em sua cadeira e Jonas não hexitou: começou a interagir com o jovem e os dois começaram a dançar.


Jonas segurou a mão do rapaz e os dois dançaram. Jonas rodava a cadeira, rodopiava, beijava a mão do rapaz. O cadeirante estava visivelmente encantado com a abordagem tão gentil. Rafael se sentiu desarmado. Como posso me deixar levar por tanta mesquinharia perante esse gesto tão nobre, se perguntava ele, que havia se deparado com o que de mais belo poderia encontrar em seu caminho. Possivelmente Jonas nunca saberá que aquele ato ficou imortalizado na cabeça de Rafael. Uma das cenas mais bonitas já vistas por ele. Tudo se tornou muito pequeno perante todas as outras coisas.


Eles voltaram pra casa juntos. Logo ao se separarem, a mesma dúvida de sempre: será que vai continuar? Dois minutos depois uma mensagem no celular sinalizava que sim. E outras e outras e outras. Até que Jonas sumiu por um dia. Ficou sem responder mensagens, sem se manifestar e Rafael percebeu que estava muito mais envolvido do que imaginava. Depois Jonas mandou uma mensagem com uma desculpa que Rafael não acreditou, nem questionou. Não se achou no direito, preferiu calar. E continuaram trocando mensagens carinhosas, envolventes. Dois dias depois marcaram um encontro.


Se encontraram e Jonas avisou Rafael que a garota que ele tinha beijado, naquela balada, também participaria do encontro. Tinham se tornado amigos. Rafael não soube direito o que fazer, nem tinha. Foram caminhando até onde haviam marcado e ao atravessar a rua Jonas disse que gostava muito dele, mas que deveriam ser apenas amigos. Rafael já havia tido todos os sinais possíveis e não quis acreditar neles. Não disse nada. A garota chegou, se cumprimentaram, foram para um bar. Conversaram civilizadamente. Depois de alguns minutos Rafael se despediu do casal e foi para sua aula sabendo que o mundo que o cerca não vai mudar, assim como sabia que esse mesmo mundo não o faria deixar de acreditar nas possibilidades de uma história de verdade. E seguiu caminhando.

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