terça-feira, 25 de agosto de 2009

A ANGÚSTIA - conto

Pensou que acordar balzaquiana seria algo terrivel. Tinha razão. Decidiu passar a noite no cinema. Foram três filmes pela madrugada. Um após o outro, quase sem interrupção. Pelo menos enquanto os filmes passavam não sentia nada. Suas primeiras horas, com a nova idade, foram comuns. Nada de novo, inclusive o fato de ter de lembrar alguns amigos que era seu aniversário e que tinham que fazer aquelas velhas cerimônias de abraço-beijo-parabéns! Os filmes eram bons, as companhias, idem.

Fim da maratona. Um café. Risos. Abraços. Despedida. Do lado de fora do cinema, pelo vidro, o sinal da chuva no asfalto. Ainda havia uma leve garoa. São Paulo. Decide ir para casa caminhando, para refletir, processar os filmes. Apesar de ter passado a noite em claro, ainda havia muita energia e excitação.

Entra por uma rua, por outra... a chuva começa a engrossar. Até pensa “poxa, Deus, hoje é meu aniversário!”. Ele devia ter mais o que fazer. Não pára. Pensamentos. Logo percebe a presença de alguém se aproximando. Fica com receio, mas continua andando. A chuva não cessa. É do sexo feminino, atraente, misteriosa. Está do outro lado da rua e observa. Não se encaram.
A chuva impede que a manhã se aproxime. Mesmo chovendo, a cidade movimenta-se. Mendigos nas calçadas. Transeuntes. Buzinas. E aos poucos todo aquele clima a domina. Várias imagens vem à tona. Adolescência. Ganhos e perdas. Erros e acertos. O choro é inevitável. Do outro lado, a outra a segue.

A vantagem de chorar na chuva é a impossível distinção entre o que é lágrima e o que é chuva. Se misturam. Mas a outra parece distinguir.

Ela sempre procura um motivo para chorar. Não tem o hábito, mas gosta. O dessa ocasião, era pela partida de uma amiga, para longe. As lembranças do passado, as vivências, as descobertas. Mas tudo poderia ser apenas um pretexto para o choro se iniciar, um pretexto para a reflexão. No momento é doloroso, mas a sensação posterior de alívio e leveza reconforta.
A presença da outra que a segue é incômoda. Não há medo, pois existe uma familiaridade ali, embora indecifrável. Já perto de sua casa o choro passa. A outra faz um aceno e segue por outra rua. Desaparece.

O casaco já estava todo molhado, mas pela espessura não atingiu sua pele. Está muito frio. Chega em casa, entra, se seca adequadamente e vai para debaixo dos cobertores.

As gotas fortes no telhado prenunciam a chuva que jamais cessará.

Autoria: Everson Bertucci