terça-feira, 9 de dezembro de 2008

IRREAÇÃO

Hoje, fui vítima de uma eventualidade. Ou não? Puxaram minha sacola na rua. Pensei ser um amigo brincando.
-- Passa a bolsa, meu chapa, senão te pipoco todo. Não tô aqui pra brincadeira, não. Anda! Anda! Anda! Vamo logo, maluco, passa essa sacola pra cá, que é melhor pra ti.
Não era um amigo. Puxei a sacola para junto de meu corpo.
-- A gente não tá pra brincadeira, passa logo a sacola, pô!
Eram dois. Fizeram de suas palavras uma metralhadora de ameaças intimidantes. Não dei a sacola que eles queriam. Eu puxava de um lado e um deles, do outro.
-- Não vou dar. Isso não é meu.
Era meu sim. Mas eu não ia dar. Tinha comprado naquele dia. Uma jaqueta que eu paquerava há dois meses e que levaria três para pagar.
Com uma agilidade impressionante, o que tentava me tirar a sacola percebeu e retirou minha carteira do bolso sem que eu pudesse deter. Ah, mas ele foi bonzinho, retirou o pouco dinheiro que tinha e me devolveu a carteira.

-- Passa logo a sacola, senão a gente te mata.
-- Então mata, seu escroto. Só assim pra levar o que é meu. Filho da puta! Socorro! Socorro! Socorro! Eles estão me matando. Socorro!
Dei um chute certeiro no saco do que me abordou.
-- Ainda vai querer minha sacola seu verme?
Uma cotovelada entre o olho e o nariz do outro. Tenho certeza que ele nunca mais vai esquecer. As pessoas que passavam, percebendo tudo aquilo, desceram de seus carros, bicicletas e motocicletas e vieram me prestar socorro. Uma senhora que passava se revoltou e deu uma bolsada em cada um deles. Um jovem acabou de quebrar o nariz que eu havia começado. O pessoal que estava no ônibus desceu e começou a gritar e ao mesmo tempo chutar aqueles dois que já estavam envoltos em sangue. Tiramos a roupa deles e deixamos expostos na calçada como devem ficar as carnes putrefatas. Depois começamos a cuspir neles. Precisavam sentir a chuva ácida de nossas salivas sobre seus corpos. A polícia, os bombeiros e uma ambulância chegaram muito rapidamente. Contiveram (?) a multidão. Os enfermeiros arrastaram os dois até a ambulância, os jogaram sobre a maca e saíram. Os policiais ficaram e parabenizaram todos nós pelo ato de bravura e coragem. Os bombeiros vieram pessoalmente me cumprimentar e todos aplaudiram a ação. Aos poucos a ordem estava de volta e o sangue no chão ficou como registro.

No que eu colocava a carteira de volta no bolso, ele aproveitou a minha distração e arrancou- me a sacola. Se eu não estivesse com uma pasta na outra mão ele não teria conseguido. O outro ainda quis me tirar a jaqueta que eu estava vestindo.
-- Tiro porra nenhuma!
Saíram correndo. É tudo muito rápido e os pensamentos muito lentos, embora os flashes que roda na cabeça tenha uma velocidade quase inexplicável nestas ocasiões. Talvez, justamente por isso: a lentidão e a cegueira. Não se registra muita coisa.
Seria incapaz de reconhecer aqueles dois rostos, mas registrei perfeitamente o rosto da mulher que estava parada na porta do bar, a expressão facial do rapaz que passou interrogativo e os olhares curiosos de dentro do ônibus parado no semáforo.
Com o sol - que, finalmente, resolveu aparecer naquela tarde bonita - o silêncio de uma avenida movimentada.

Autoria: Everson Bertucci

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