terça-feira, 31 de março de 2009

ESTUDO ELABORADO A PARTIR DO TEXTO "O PALEOLHAR DA TELEVISÃO", de Décio Pignatari

Sobre “O Paleolhar da Televisão”
Por Everson Bertucci


Logo de início, O Paleolhar da Televisão, de Décio Pignatari, chama a atenção. Primeiro, pelo título. Paleolhar, um neologismo que faz parar para pensar e fazer uma análise do que poderia ser. Para alguns pode parecer óbvio, mas, às vezes, o óbvio é tão óbvio que cega. Olhando mais de perto conseguimos relacionar com o paleolítico, com a era da pedra lascada.
Segundo, pela escrita, pelo jogo bem posto de palavras, de frases, das relações feitas, pela vontade de ler o texto em voz alta. Desperta uma vontade de decodificar logo no primeiro parágrafo os símbolos existentes.

“Embora em cores, continua azul a luz que o cinescópio irradia no ambiente, caverna platônica às avessas: o mundo entra casa a dentro e projeta nas paredes as sombras dos cavernícolas mesmerizados.”

Cinescópio? Caverna platônica? Cavernícolas mesmerizados? Luz azul? Bem, dá a impressão que ele “fumou um baseado e tá doidão”, mas, fumado ou não, o fato é que o texto não é de fácil entendimento. Pressupõe-se um certo repertório para conseguir fazer a decodificação. Relações com o “Mito da Caverna”, a “Era Paleolítica”, “Hamlet”, e outras que aparecem ao longo do texto. Algumas de simples relação, outras nem tanto, como o “soma huxleyano”.
Terceiro, pela informação contida no texto, pela relação TV x DROGA feita por ele.

“As pessoas se apaixonaram pelos quadrinhos, pelo rádio, pelo cinema, pelo rock – mas ninguém se apaixona pela televisão. TV não é questão de obsessão, paixão ou afeição: é questão de vício. Vicia-se pela televisão, como se vicia em açúcar, fumo, maconha, coca e outros da área farmaco-dependente.”

Décio defende que a TV gera, em quem assiste, uma dependência muito próxima à da química. O filme “Réquiem Para um Sonho” faz uma analogia muito próxima à de Décio. Na ficção, mãe e filho são dependentes químicos. O filho é viciado em drogas e no desenrolar da história ele vai aumentando cada vez mais as doses para se satisfazer. A mãe, viciada em TV, recebe uma ligação, de um programa, dizendo que em breve poderá participar do programa. Entusiasmada com a possibilidade de “ser vista”, ela precisa entrar nos moldes da TV. Percebe que está gorda demais para isto e começa uma corrida contra o tempo para entrar no vestido mais bonito que tem e que não serve mais. Para isso, começa a tomar remédio para emagrecer e continua grudada no sofá assistindo seus programas favoritos. Com o passar dos dias, a mãe começa a apresentar sintomas muito próximos aos do filho. “Réquiem Para Um Sonho” faz um paralelo entre mãe e filho, entre droga lícita e ilícita. Mostra o poder que a TV tem de influenciar, de iludir, de persuadir, de controlar o indivíduo viciado, fazendo com que este nem perceba o que está acontecendo e que se sinta feliz e realizado com ela.

“Quem não assiste a televisão não pertence à seita dos “haxixins”

A vida passa a ser o que a televisão mostra. É ela quem levanta as questões que serão discutidas pelos cavernícolas, nos bares, no trabalho, no futebol, nas reuniões familiares. Entende-se que a TV acaba sendo a fornecedora do “repertório” do dia-a-dia. Ou seja, quem não utiliza essa “droga”, fica excluído.


Quarto, a poesia.

“olho quase extra-terreno feito de gotas audiovisuais sonoras, desferidas por um chuveiro pirotécnico de elétrons coloridos. (...) o olhar da televisão é endoscópio, cateter que penetra nos divertículos mentais e emocionais do dia-a-dia urbano, é o “soma” huxleyano dos “urbanitas” (...) olhar no olhar, amorosa retina cretina (...) o olho crocodílico da televisão cola e bricola (...) o berço explêndido do gigante é o analfabetismo”


Décio Pignatari utiliza em seu texto suas experiências e influências advindas da linguagem que culminou no Concretismo, movimento que incorporava recursos visuais e a fragmentação das palavras e do qual, juntamente com Haroldo e Augusto de Campos, ajudou a fundar.
O Concretismo abolia o verso tradicional, as poesias eram feitas quase tão somente de substantivos e verbos, além da utilização de paranomásias (retina cretina / cola bricola), neologismos (paleolhar / midiacamento), estrangeirismos (soma huxleyano / software), valorização do som, forma visual, carga semântica (gotas audiovisuais sonoras / elétrons coloridos / chuveiro pirotécnico).
Todos estes traços fazem com que o texto se torne agradável, inteligente, e empolgante ao abordar uma questão tão relevante.
Sexto. Embora com um olhar europeizado, Pignatari levanta questões muito significativas.

“Iconicamente falando, somos bastante alfabetizados, via Globo/Embratel – mas nós fomos da voz à imagem, passando por cima do jornal e do livro, software básico das sociedades avançadas”

Uma sociedade avançada não poderia passar pela imagem e depois pelo jornal e o livro? Não poderia ser uma questão de diversidade social, sem ter que, necessariamente, copiar uma sociedade avançada existente? Enfim...
Sétimo. O despertar para a reflexão tanto do que é arte, quanto para pensar uma nova geração “educada” pela TV.

“Quando seduz, é arte. Quando vicia, é antiarte (...) o homem está interessado no consumo, não na produção”

O que vale é o consumo exacerbado, pregado pela TV antiartística-viciante. Não interessa a origem do produto. O ideal é estar vestindo, comendo, utilizando e lendo o que a TV “sugere” ser bom. É o prazer pelo prazer.
Por fim, a hipertextualidade. “O Paleolhar da Televisão” abre um leque gigantesco que nos conduz desde os primórdios, passando pelo imaginário até a atualidade multimidiática, despertando muitos questionamentos sobre um futuro imaginável... mas nem tanto.
Como será o mundo dessa nova geração “educada” pela TV? Como será o mundo futuro sem o contado direto entre os indivíduos, sem as histórias contadas no quarto pelos avós, pelos tios, pelos pais? Como será o mundo em que a TV fará parte das reuniões de família, o mundo em que a TV, e não mais os pais, se torne a conselheira, a companheira, a referência?
A TV tornou-se um canal de fuga. Quando se quer fugir da solidão, das questões existenciais, do desconhecido, do inconsciente, do silêncio gritante... liga a TV.

SÍNTESE SOBRE A MUDANÇA OCORRIDA COM O ADVENTO DA MÍDIA - GLOBALIZAÇÃO

NOVA VERSÃO DE UM ROTEIRO DE SUCESSO

Palavra- chave: cemitério

Resumo: Síntese sobre a mudança ocorrida com o advento da mídia.


É certo que quando se começou a falar em globalização, houve muitos burburinhos. Todos falavam em modernidade, alguns não sabiam exatamente o que era, outros só tinham ouvido falar e muitos não entendem até hoje.
De repente se acorda e tudo está fora do lugar. Acordar de uma hora para outra e se deparar com um mundo cibernético em que as cartas manuscritas não tem mais o valor de outrora, em que muitos dos nascidos a pouco nunca sentiram o cheiro de terra molhada, nunca sentaram em volta de uma fogueira, quando criança, para ouvir um tio mais velho contar histórias que somente os mais antigos sabiam fazê-lo e que somente o espírito infantil consegue captar. Mas há quem diga sentir o perfume das rosas nos e-mails.
Bem ou mal, o certo é que houve, no último século, uma mudança muito brusca na cultura e realidade, não só brasileira, como mundial. A chegada da TV, veio para revolucionar a vida cotidiana das pessoas. Trouxe muitas novidades e um universo completamente diferente. Com ela, o contato mais direto com o outro, foi gradativamente ficando menos intenso e se transformando num diálogo mais “televisão x ser humano”, um universo, muitas vezes, solitário.
Junto com isso, trouxe uma certa libertação, rompimento de padrões, o despertar de uma nova era e quando achamos que não tinha mais nada por vir... chega o computador, e a internet nos surpreende ainda mais com a possibilidade de acesso, quase instantâneo, sobre tudo o que há e acontece no mundo.
Deixando um pouco de lado a nostalgia e nos atendo à realidade atual, o fato é que a mídia é um fator fundamental nessa era globalizada. Segundo Dênis Moraes, em “O Capital da Mídia na Lógica Globalizada”,

“A retórica da globalização intenta incutir a convicção de que a fonte primeira de expressão cultural se mede pelo nível de consumo dos indivíduos”

Percebe-se, claramente o intuito da mídia em transformar o indivíduo num ser consumista, pois o processo de consumo, talvez seja, o combustível motor de sua sobrevivência. Moraes ainda continua:

“A chamada grande mídia fabrica o consenso sobre a superioridade das economias abertas, insistindo que não há saída fora dos pressupostos neoliberais. O eixo ideológico consiste em enquadrar o consumo como valor universal, capaz de converter necessidades, desejos e fantasias em bens integrados à ordem da produção”.

A grande mídia busca construir conceitos que levam o indivíduo a pensar como lhe convém, devido aos pressupostos das economias abertas, ou seja, capitais externos entrando e saindo do país obtendo os melhores lucros sem nenhuma contrapartida, fazendo com que países não desenvolvidos sofram prejuízos econômicos. Mesmo assim a mídia fabrica a idéia de que a melhor alternativa é transformar o consumo como valor universal.
Toda essa revolução vinda com a globalização, é claro, trouxe muitas coisas boas e outras, nem tanto. Ainda está se aprendendo a viver com isso porque existem mudanças positivas para o nosso cotidiano e mudanças que estão tornando a vida de muita gente mais difícil ou, no mínimo, diferente. O combate à inflação foi um dos pontos positivos. Com a modernização da economia e a entrada de produtos importados o consumidor foi beneficiado com o barateamento e melhor qualidade dos produtos, oferta esta que ampliou a disponibilidade de produtos nacionais em vários setores, como carros, roupas, eletrodomésticos e em serviços como locadoras, restaurantes etc. A opção de escolha que se tem hoje é infinitamente maior.
Mas a necessidade de modernização e de aumento da competitividade das empresas, produziu um efeito muito negativo, que foi o desemprego. Para reduzir custos e poder baixar os preços, as empresas tiveram de aprender a produzir mais com menos gente. Incorporavam novas tecnologias e máquinas. O trabalhador perdeu espaço e esse é um dos grandes desafios que, não só o Brasil, mas algumas das principais economias do mundo têm hoje pela frente: crescer o suficiente para absorver a mão-de-obra disponível no mercado. Além disso, houve o aumento da distância e da dependência tecnológica dos países periféricos em relação aos desenvolvidos.
Grandes empresas, na sua sede insaciável pelo lucro aproveitam disso para explorar nações menos desenvolvidas e exploração da mão-de-obra. A China é um exemplo disso, ela desperta o interesse de algumas empresas que aproveitando das deficiências econômicas locais, utilizam da mão-de-obra “escrava” para maior obtenção de lucros.
Com a globalização, os indivíduos passaram a ter acesso a elementos antes disponíveis apenas para quem tinha um grande acesso econômico, como o conhecimento de novas culturas, acesso a informações internacionais, etc.
Isto toma corpo num outro trecho do texto referido:

“Vivemos uma mudança de paradigma comunicacional. Do gabarito midiático evoluímos para o multimídia, sob o signo da digitalização. A linguagem digital única forja a base material para a hibridação das infra-estruturas de transmissão de dados, imagens e sons”.

Com o avanço tecnológico que de uma hora para outra foi tomando conta do universo social nas últimas décadas, possibilitou ao indivíduo, com o crescimento do mercado do cinema, por exemplo, a ter mais opções de divertimento, informação e reflexão perante assuntos relevantes relativo à própria existência. Em contrapartida, as grandes distribuidoras estão mais preocupadas em “distrair” a massa e mantê-la sobre seu domínio, lançando e dissipando sempre os mesmos enlatados, vendendo ilusões. Dênis de Moraes chama a atenção para o caso de filmes, nos quais se fundem elementos dos westerns norte-americanos embalados pelos efeitos especiais hollywoodianos.
Quando algum diretor foge a esta regra se vê, na maioria das vezes, fadado ao fracasso de público, pois não há muitas instituições para investir em filmes com um nível cultural mais profundo. Filmes com intensidade dramática e de elaborado questionamento, como “As Horas”, passam despercebidos por ter uma linguagem bem diferente do comum até mesmo pela narrativa e pela construção das imagens, assim como “Magnólia”, “Dogville”, “Dançando no Escuro”, entre outros, que acabam ficando no circuito alternativo e restrito a um público limitado, embora tragam no elenco figuras “que chamam bilheteria” como Nicole Kidman, Tom Cruise, Bijork.
De qualquer forma considero isto um avanço, pois embora que de forma escassa, existe acesso a tais filmes, e graças a isso pude me deparar com um depoimento feito por uma criança de oito anos, indiana e filha de prostituta, num universo totalmente degradante e sem a menor expectativa de vida dizendo naturalmente: “É preciso aceitar que a vida é triste e dolorida. Só isso!”. No documentário “Nascidos em Bordéis”, pode-se notar que a globalização não se faz presente àquela realidade que os cerca e que graças a ela, em outras nações, ela pode ser vista, embora que também de forma escassa.

“A mídia global (...) entrelaça a propriedade de estúdios, produtoras, distribuidoras e exibidoras de filmes, gravadoras de discos, editoras, parques de diversões, TVs abertas e pagas, emissoras de rádio, revistas, jornais, serviços on line, portais e provedores de internet, vídeos, videogames, jogos, softwares, CD-ROMs, DVDs, equipes esportivas, megastores, agências de publicidade e marketing...”

Ou seja, o que existe é um monopólio destas empresas que conduz a massa como lhe melhor convém. Fazem um mega espetáculo em que o indivíduo sinta a necessidade de se integrar e se não corresponde aos seus chamados fica de fora deste gigante universo.
Toda essa estrutura mercadológica, com seus atrativos consumistas, se apresenta da maneira mais interessante possível aos olhos do indivíduo como um imenso e bem disfarçado “cemitério”, com ornamentações de alto requinte e um Hitler sem suástica, nem nada que o faça perceptível a priori, recepcionando e direcionando, de forma encantadora, o indivíduo a comprar o produto de sua “loja”. Somente olhos mais atentos conseguem ler o que está escrito nos olhos do “vendedor”: “Nós que aqui estamos, por vós esperamos”.

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 22 - linhas vazias

Cansei ser ignorada, pisoteada e massacrada por todos. Será que você não percebe que eu não agüento mais tanta solidão, não percebe que está sendo tão cruel quanto eu fui com ele? Diário, não quero perder a única coisa que me restou. Por favor, não me faça acreditar que estou sozinha no mundo, que nada me resta. Eu sei que estou merecendo esse impacto para melhorar. Eu estou aprendendo, será que não dá pra perceber que eu estou tentando mudar!? Só que também não dá pra mudar de um minuto pro outro. Estou tentando, diário. Me perdoa? Nem assim você se comove, não é? Nem me vendo rasgar como uma enlouquecida. Pois então fale alguma coisa, me xingue, grite, me insulte, qualquer coisa deve ser melhor que esse silêncio que grita dentro de mim a cada minuto, que me faz me sentir o ser mais asqueroso e insignificante que existe. Anda, grita! Não vai mesmo, né? Pois saiba que você é muito pior do que eu, muito pior. Você é insensível, diário. Não deve existir nenhum sentimento dentro dessas páginas, apenas linhas vazias e sem o menor significado. É isso que você é. E ainda tem coragem de se achar superior a mim? Pois não passa de um diariozinho vazio. Vai se ferrar você! Você não é nada pra falar assim co... você me xingou?! Ah, você me xingou, diário! Continua, por favor. Sim, você tem razão. Eu sou isso mesmo. Pode xingar. Você esqueceu de dizer que eu sou... isso, sou sim. Já está ficando demais. Isso eu nunca fui. Que isso, diário? Tudo tem limites. Como é que é? Você... Hã?... isso é jogo baixo. Eu jam... Grossa? Não sou gr... Mas v... não use is... quem v... P... Errr.... pra mim chega! Tchau.

Autoria: Everson Bertucci

segunda-feira, 30 de março de 2009

ESTUDO ELABORADO A PARTIR DO TEXTO "", de Paula Sibília

O BLOG E A FICÇÃO

“Os autores de blogs e outros gêneros confessionais parecem ótimos exemplos dessa nova classe em expansão: os artistas sem obras. Talvez todas essas imagens auto-referentes e esses textos intimistas que hoje atordoam as telas tenham uma meta prioritária: permitir que seus autores se tornem artistas – ou melhor: celebridades. Essas novas formas de expressão e comunicação seriam uma mera desculpa para que os usuários da Internet (entendidos como “qualquer um” ou “gente comum”) possam criar e desenvolver à vontade aquilo que seria sua principal e verdadeira obra, isto é: sua própria personalidade” [pág. 8]

A questão listada acima por Paula Sibilia, recentemente, foi discutida no cinema. Murilo Salles, trata justamente desse universo “bloguista” em seu longa “Nome Próprio”, baseado em relatos do blog de Clarah Averbuck, assim como em seu livro “Máquina de Pinball”, que se iniciou na internet. No filme a personagem protagonista se chama Camila. Ela acaba de ser expulsa de casa pelo namorado que descobre que está sendo traído. Inconformada com o término, Camila passa a enviar e-mails para o ex-namorado na esperança de ser perdoada. Sem sucesso com as tentativas, cria um blog e começa a relatar toda a sua angústia e desespero amoroso. Aos poucos, Camila se vê envolvida em outras aventuras amorosas e sempre relatando suas novas investidas afetivas entre cigarros, drogas e bebidas alcoólicas, num universo sujo, solitário e dolorido.
A Camila do filme passa a ser personagem dela mesma. É um jogo de ficção dentro da ficção.

“convém esboçar algumas interrogações: estas novas formas de expressão e comunicação – blogs, fotologs, videologs, webcams – deveriam ser consideradas vidas ou obras? Todos esses textos auto-referentes e essas cenas da vida privada que agitam as telas interconectadas pela rede mundial de computadores, mostram a vida de sues autores ou são obras de arte produzidas pelos novos artistas da era digital? É possível que sejam, ao mesmo tempo, vidas e obras? (...) cabe indagar se todas essas palavras e essa aluvião de imagens não fazem nada mais (e nada menos) do que exibir fielmente a realidade ou se, ao contrário, criam e expõem diante do público um personagem fictício” [pág. 2]

A Camila fica dividida entre o que é sua vida real e o que ela relata no blog, sua maneira ficcional de escrever sobre si mesma. O que parece acontecer é que Camila cria uma outra Camila quando escreve. Todo esse jogo fica melhor esclarecido quando na última cena do filme nos deparamos com duas Camilas. Uma está em sua sala, em frente ao computador, escrevendo e enquanto escreve o espectador vê na tela seus escritos. Ao lado tem uma outra Camila, meio deprimida, que fuma e bebe cerveja num canto da sala. A Camila escritora observa a Camila “gente comum” e a partir daí escreve suas frases. Em determinado ponto as duas Camilas se levantam se dirigem à frente da câmera e olham diretamente para a lente, como se olhasse diretamente para o espectador, levantando uma questão: quem é quem? Ou quem é personagem de quem? Quem é personagem e quem é real? Quem assiste e quem é assistido?
O próprio Murilo Salles fala sobre suas Camilas

“(...) Como eu estava brincando com essa questão do quê é narrado e o quê é vivido por Camila, pelas duas Camilas, eu transformei o filme em “Uma História Real”. Eu estava brincando com esse conceito, do quê que é verdade, o quê que você posta num blog e o quê você vive na vida real; de como a gente se ficcionaliza. Porque, no final das contas, é essa a questão.”

O diretor de arte de “Nome Próprio” fala também sobre a importância das frases serem exibidas na tela, como se o espectador estivesse na frente do computador lendo o blog

“ele (o filme) conta uma história sobre coisas que estão no seu imaginário. Precisei construir a palavra escrita porque estamos falando de Literatura – eu literalmente precisava colocar palavras na tela, pois o texto dito e o texto lido são diferentes, têm outro tempo”


O DIÁRIO ENQUANTO ARTE

Quando se pensa ou se fala em diário, logo se pensa em intimidade. Algo íntimo e pessoal que diz respeito apenas a quem escreve e que desperta uma curiosidade incrível no outro. É quase impossível se deparar com um diário ou ouvir alguém dizer que escreve um diário sem sentir uma vontade incontrolável de saber o que o outro pode ter escrito.
Com essa nova era digital a intimidade vem perdendo espaço no que diz respeito aos diários. O que era de cunho íntimo e secreto antes, hoje é justamente o contrário. Diários e mais diários são escritos com o intuito justamente de que sejam lidos pelo maior número possível de pessoas. É assim na internet, seja através de blogs ou videologs.
Muitas pessoas sentem a necessidade de dividir suas experiências com outras. Entre em ação o egocentrismo, falar exacerbadamente sobre si: aventuras, amores, decepções, solidão, desespero, sexo, segredos. É uma necessidade em dividir experiências com o outro, principalmente quando o outro é um estranho. Alguém que nunca se viu e, provavelmente, nunca se verá.
Toda essa demonstração do eu acaba por transformá-lo num personagem. Difícil se policiar e distinguir entre o eu autor, narrador e personagem.

“(...) trata-se de uma unidade ilusória construída na linguagem, a partir do fluxo caótico de cada experiência individual. No entanto, é um tipo bem especial de ficção, pois além de se desprender do magma real da própria existência, acaba provocando um forte efeito no mundo: nada menos que o eu de cada um. (...) é uma ficção necessária, afinal, pois somos feitos desses relatos: eles são a matéria que nos constitui enquanto sujeitos. A linguagem nos dá consistência e relevos próprios, pessoais, singulares; e a substancia que resulta desse cruzamento de narrações se (auto) denomina “eu”. A experiência de si próprio como um eu se deve à condição de narrador do sujeito, alguém que é capaz de organizar a sua experiência na primeira pessoa do singular. Mas tal sujeito não se expressa unívoca e linearmente através de suas palavras; ao contrário disso, ele se constitui na vertigem desse córrego discursivo”

A indústria cinematográfica tem se utilizado desses relatos “íntimos” para lotar salas de cinemas no mundo todo. De maneira, na maioria das vezes, cômica os diários tomam as telas despertando a curiosidade em milhares de pessoas por histórias da intimidade alheia, como “O Diário de Bridget Jones”, “Diário de Uma Paixão”, “Diário de Uma Babá” entre outros filmes.
É claro que os diários inspiraram obras também relevantes, tanto na literatura quanto no cinema. Filmes como “O Diário de Anne Frank” e “Diários de Motocicleta”, são obras de maior relevância por se tratar de temas importantes, como a Segunda Guerra Mundial e a viagem que Che Guevara fez pela América do Sul, respectivamente.
Até que ponto esses diários podem ser considerados arte? Será que podem ser considerados assim?
Um outro exemplo significante é “O Diário de Frida Kahlo”. A artista não tinha a intenção de escrever uma obra de arte e sim escrever sobre suas dores, seu amor por Diego Rivera, sua impotência física por não poder gerar um filho, alguns esboços de futuras obras etc. Seu diário acabou se tornando um importante fator para se entender melhor seus quadros.
Pode-se dizer que Frida era uma artista centrada em si mesma como ela mesma dizia “pinto a mim mesma porque sou sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor”. Frida pintou inúmeros auto-retratos simbolizando suas angústias, seu interior, suas decepções, o mundo que a rodeava, a impossibilidade de ser mãe e, principalmente, sobre as seqüelas físicas e psíquicas, decorrente do acidente de bonde sofrido aos 18 anos, presentes em seu corpo durante toda a vida.
Se tornou um ícone da pintura não só pelo talento e expressividade ao trabalhar com símbolos indígenas, populares, religiosos e mitológicos da cultura mexicana, mas também por ter transformado, de certa forma, toda sua vida em arte. Em seu diário pode-se encontrar frases de extrema euforia e esperança como quando teve seu pé amputado “pés, para que os quero, se tenho asas para voar”, assim como frases de dor, de descrença e sofrimento “espero ter uma partida feliz e espero nunca mais voltar”.
O diário desta artista se tornou um objeto de estudo para especialistas em arte com o intuito de desvendar, através da intimidade, todos os elementos simbólicos contidos nas artes plásticas de Frida Kahlo: as cores, os símbolos, as poesias e cartas direcionadas ao conturbado relacionamento amoroso com Rivera e seus relatos pessoais referente ao próprio corpo maltratado.
Com o surgimento da fotografia, e em conseqüência, o cinema e, posteriormente, a televisão uma grande mudança ocorreu na questão da intimidade. Antes a intimidade era vista de outra forma e numa proporção bem pequena. Em relação a diários, por exemplo, não se tinha uma grande exposição como há hoje.

“Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
Pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus”.

Na poesia “Cidadezinha Qualquer”, de Carlos Drummond de Andrade pode se notar como a intimidade do outro é observada num outro contexto. É possível observar a vida do outro, mesmo num outro contexto, através das “janelas”. Com a cultura da imagem “as janelas” se transformam. As de Drummond se transformaram em telas, seja do computador, do cinema ou da televisão. A observação da intimidade do outro passou a ser feita através destes veículos num ritmo totalmente oposto ao do poema, ou seja, com a maior rapidez possível. O que não mudou, talvez, foi somente a conclusão final do eu-lírico “eta vida besta, meu Deus”..

O SEXO E O EU NA WEBCAM

Com a chegada da internet e a possibilidade de conexão com outros indivíduos, estando eles em qualquer parte do mundo, o sexo ganhou um novo meio tanto para encontros ocasionais somente para satisfazer o corpo - sem compromisso, e pela praticidade, provável, das partes nunca mais se verem - ou simplesmente pela prática “solitária-virtual”.
Nestas práticas cibernéticas a indivíduo se sente liberto de seus pudores e mais a vontade para falar e fazer coisas que não teria coragem de fazer em outros ambientes. Talvez, possa-se dizer que ele expõe o seu verdadeiro eu, ou simplesmente ou eu que não lhe é habitual – pelo menos socialmente.

“Assim, a noção de intimidade vai se desmanchando: deixa de ser um território onde imperavam (e deviam imperar) o segredo e o pudor, para se tornar um palco onde cada um pode (e deve) encenar o show de sua própria personalidade.”

Diante de uma tela de computador, parece que o indivíduo se liberta de conceitos religiosos e familiares relacionados ao sexo. Na frente dela, se despe de pudores, moralismos e deixa aflorar seus desejos mais íntimos e secretos. O fato de estar se relacionando pela internet o faz ter a impressão de que aquelas pessoas também estão despidas dessas hipocrisias sociais, igualando-os, e também pelo fato de que não terão nenhum laço social ou afetivo – embora possa haver exceção.
Há também uma necessidade de exibição da própria imagem, uma necessidade em exibir o corpo, principalmente as partes mais atrativas sexualmente: boca, bunda, pênis, vagina e seios. Tudo isto numa busca incansável pelo prazer momentâneo ou pela perfeição do corpo, num jogo de criação de eus

“O corpo e os modos de ser constituem superfícies lisas nas quais todo e qualquer sujeito (...) transformando-se em um personagem capaz de atrair os olhares alheios é necessário ficcionalizar o próprio eu para realizá-lo, para lhe conceder realidade, como se estivesse constantemente emoldurado pelo halo luminoso de uma tela de cinema ou TV, como se vivesse dentro de um reality-show ou nas páginas brilhosas de uma revista de “gente famosa”, ou como se a vida transcorresse sob a lente incansável de uma webcam.”

A webcam possibilita ao indivíduo criar um cano de escape para a solidão. É como se a webcam se transformasse numa companheira fiel do sujeito trazendo companhias diversas e descartáveis num frenético e constante reality-show. Muitas vezes o indivíduo se torna escravo deste universo vicioso e, porque não dizer, nocivo. É a necessidade de ver e de ser visto. A câmera ligada somente não basta, ele tem a necessidade de saber que está sendo visto por alguém e de preferência que o número de espectadores seja sempre o maior possível para que ele se sinta real, existente. Há uma necessidade em existir.

“Se ninguém viu, simplesmente não fomos (não existimos?). Nessa solidão que parece intrínseca ao ser humano residiria o grande abismo que nos separa das personagens, que muitas vezes também parecem estar na mais completa e terrível solidão.”

Autoria: Everson Bertucci

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 21 - oi?

Oi, diário! Hoje é carnaval, sabia? Sabia, né, te falei ontem. Pois é... folia, alegria, festa e sorrisos espalhados pelos quatro cantos. Vou sair. Vou me divertir. Hoje é dia de muita alegria e muito beijo na boca. E é isso que eu vou fazer. Isso, é claro, em nada me engrandece, mas eu preciso. Eu vou, mesmo que essa diversão seja apenas momentânea. Quero dançar. Vou sambar a noite toda. “Flash backs”, marchinhas, axé, funk... carnaval vale tudo. Olha, diário, queria fazer isso tudo com ele, confesso, mas não posso renunciar à vida. Feliz, eu? Viva o carnaval!

Autoria: Everson Bertucci

domingo, 29 de março de 2009

RESENHA DO FILME "BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS" a partir dos conceitos da cibernética

“Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” levanta questões cibernéticas ao fazer uma analogia entre homem e máquina, abordando o tratamento da informação no interior desses processos como codificação e aprendizagem, conceitos da cibernética.
O filme ao nos confrontar com a possibilidade de seres humanos terem deletadas (termo maquinal) da memória lembranças indesejáveis que lhes causam dor, angústia e sofrimentos, nos remete ao universo das máquinas, tratando o homem como tal.
O que se quer fazer, através de uma experiência laboratorial, é com que o indivíduo, assim como uma máquina tenha informações excluídas de seu software; no caso do homem: a memória. Faz-se todo um processo de captação sensorial para decodificar as lembranças que incomodam o sujeito através de objetos que o levam a tais recordações que, de certa forma, o fere. Ao decodificar as áreas afetadas com as lembranças feita maquinalmente, se delineia a área em que tais informações estão alojadas para que futuramente sejam apagadas.
Feito isto o indivíduo volta para sua casa, toma uma “droga” que o fará dormir e em seguida começa-se o processo, de exclusão dos fatos, que ele mesmo contratou e que após o “tratamento” o fará acordar no dia seguinte como se nada tivesse acontecido.
No caso do personagem Joel, após o início do tratamento, há um arrependimento por parte dele ao perceber que sua amada, Clementine, está sendo deletada de sua mente. Isso faz com que Joel se desespere ao perceber que uma parte boa de sua lembrança passará a não mais existir.
Começa aí uma luta frenética para tentar enganar a máquina que está apagando Clementine de sua mente. Joel elabora um mecanismo de levar Clementine para lembranças em que ela nunca esteve para que estas falsas lembranças sejam apagadas e nao as verdadeiras e nisso o filme é muito feliz elaborando um jogo lúdico, engraçado e até patético, como por exemplo a cena em que ele está embaixo da mesa aos quatro anos e insere Clementine no contexto; ou da cena em que ele é pressionado, pelos coleguinhas, a esmagar um passarinho e covardemente é aniquilado por eles.
Tudo leva a crer que Joel vencerá a máquina e continuará com suas lembranças. Enfim, Joel faz de tudo – e em alguns momentos até consegue parar a máquina – para que Clementine continue fazendo parte de sua história. Em vão, pois a máquina acaba, aparentemente, vencendo.
A máquina em questão consegue realmente apagar as lembranças de Joel, assim como a de Clementine e a de Mary. Mas o que a máquina não consegue fazer com a “máquina homem” é apagar o que realmente o diferencia da máquina, pois nela tudo de informação que se coloca ou tira dela nao faz diferença. Nada irá interferir em seu funcionamento. Ela nao sentirá absolutamente nada, nem perdas, nem danos, justamente por ser desprovida de emoção. Irá funcionar de acordo com os comandos que lhe serão inseridos.
O filme mostra apenas a questão consciente e devemos levar em conta a existência do inconsciente humano, algo muito complexo e que uma máquina não conseguiria detectar. A conclusão que se pode chegar é que esses indivíduos sempre, caso se encontrem novamente, terão algum tipo de interesse despertado um pelo outro - porque a máquina elimina as lembranças e não as preferências e as experiências adquiridas ao longo da vida. As informações podem até ser retiradas do homem, mas a impressão que fica é que, mesmo que infinitas vezes lembranças sejam deletadas, nunca conseguirão apagar o instinto, a aura, a essência: o brilho humano. É justamente esse brilho que origina o título resumidor do filme: “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”.

Autoria: Everson Bertucci e Fernanda Silvestre

ESTUDO ELABORADO A PARTIR DO LIVRO "O QUE É PÓS-MODERNO", de Jair Ferreira dos Santos

“desmaterializando a obra de arte no fim do milênio
faço um quadro com moléculas de hidrogênio
fios de pentelho de um velho armênio
cuspe de mosca pão dormido asa de barata torta
meu conceito parece à primeira vista
um barrococó figurativo neo-expressionista
com pitadas de art-nouveau pós-surrealista
calcado na revalorização da natureza morta
minha mãe certa vez disse-me um dia
vendo minha obra exposta na galeria
meu filho isso é mais estranho que o cu da jia
e muito mais feio que um hipopótamos insone
pra entender um trabalho tão moderno
é preciso ler o segundo caderno
calcular o produto bruto interno
multiplicar pelo valor das contas de água luz e telefone
rodopiando na fúria do ciclone
reinvento o céu e o inferno
minha mão não entendeu o subtexto
da arte desmaterializada no presente contexto
reciclando o lixo lá do cesto
chego a um resultado estético bacana
com a graça de deus e basquiat
nova iorque me espere que eu vou já
picharei com dendê de vatapá
uma psicodélica baiana
misturarei anáguas de viúva
com tampinhas de pepsi e fanta uva
um penico com água da última chuva
ampolas de injeção de penicilina
desmaterializando a matéria
com a arte pulsando na artéria
boto fogo no gelo da sibéria
faço até cair neve em teresina
com o clarão do raio da silibrina
desintegro o poder da bactéria”

Bienal[1]. Nada melhor para iniciar uma pequena introdução de pós-moderno. Zeca Baleiro faz de “bienal” uma obra baseada em elementos da pós-modernidade. A música trata justamente dos novos elementos da arte, da nova conjuntura artística, de novos conceitos até e filosóficos de questionar o mundo. Exemplos disso estão nas galerias de arte com esculturas elaboradas com materiais antes sem o menor valor artístico. Casos como o do artista[2] que colocou um mictório de cabeça para baixo e intitulou “A fonte”, causando um certo espanto aos visitantes, levando a comentários como o da mãe, citada na letra acima

meu filho isso é mais estranho que o cu da jia
e muito mais feio que um hipopótamos insone

Essas formas da pós-modernidade, através desses objetos estranhos trazem fundamentos filosóficos levantando questões sociais. O caso do mictório transformado em fonte nos faz questionar o que estamos bebendo, o que estamos consumindo, nos fazendo lançar um outro olhar sobre as coisas.


“sem amor, sem ninguém[3]
sem nenhum, sem cem
sem bondade, sem maldade
sem saudade, sem alguém
sem agora, sem passado
sem futuro, sem presente
sem memória
sou http://www.sem/
sou www.sem

sem sim, sem não
sem baião, nem de dois
sem tom, sem som
sem batom, sem cachaça
sem graça, sem dó
sem pó, sem pirraça
sem feijão, sem arroz
sem teto, sem chão

é o w do w do w ponto plugado
e nesse jogo inventado
eu fico sem ponto sem

sem amor, sem ninguém
sem Rimbaud, sem cem
sem queijo, sem rato
sem beijo, sem Lacan
sem Freud, sem manhã
sem sina, sem menino, sem menina
sem karma, sem cama, sem drama, sem gasolina
sem comédia, sem a mídia, sem a média
sou ponto sem, sem cem/ sem sol, sem uol
sem anzol, sem mar lar

é o w do w do w ponto plugado
e nesse jogo inventado
eu fico sem ponto sem

sem verbo, sem advérbio
sou transitivo direto
e nesse verbo de amor e de paixão
tão só, tão tão
tão só, tão tão
tão só, tão tão
tão só, tão tão
tão só”

As relações pessoais estão cada vez mais impessoais, não há o convívio, a conversa, as histórias contadas por um tio mais velho. A televisão passou a fazer o “diálogo” com o indivíduo. Só que nesse “diálogo” somente a televisão fala. O indivíduo apenas recepciona e, na maioria dos casos, nem questiona: aceita. As relações afetivas estão cada vez mais complicadas. Parece que há uma deficiência em alguma parte do organismo que não dá pra identificar onde está. É como na quadrilha[4] em que “João que amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém”, mas que no fundo estava procurando alguém para amar

“O indivíduo na condição pós-moderna é um sujeito blip, alguém submetido a um bombardeio maciço e aleatório de informações parcelares, que nunca formam um todo, e com importantes efeitos culturais, sociais e políticos”.

Jair Ferreira dos Santos fala de forma metalingüística sobre o Pós-Moderno. O texto é totalmente pós moderno. Linguagem coloquial, jovem, signos etc para compor um texto agradável, fácil e inteligente de se ler.

“os signos de pós-modernismo estão nas ruas, no mass media (...) new-wave, cintos meteleiros, rock punk, por aí vai”.

É um texto que se aproxima do leitor. O leva a identificação.
Poesias também pós-modernistas podem abordar o tema através de elementos e signos, como poderemos notar a seguir:


espelho ALTERADO[5]

luzes piscantes
máquinas frenéticas
hálito alcoólico
nicotina pulsante
movimento reflexo
pensamento travado
identidade passageira
escuridão dolorida

estou só
mas não
estou só

por quê as máquinas dançam?
as máquinas pensam?
essas máquinas pensam?
a música pára?

e eu
incapaz de vivenciar
a luz piscante
a dança robótica
a música disritmada
percebo que a máquina
sou eu

meu existir máquina
não permite...
mas uma máquina tem existência?
como odeio existir máquina
como é triste existir máquina
como dói querer deixar de existir máquina

me percebo máquina
querendo interagir
com as luzes piscantes
com a música disritmada
com a dança robótica
nicotina e álcool
dos que não são máquinas
e a questionar o por quê

estou só
mas não
estou só

e a máquina eu
procura a máquina outra
olhares cruzados
uma máquina?
aparentemente
um contato?
o olhar diz sim
o toque diz sim
a voz da máquina outra
breca a máquina eu
não era o todo
a máquina outra não era máquina
a máquina sou eu

estou só
mas não
estou só

a máquina eu
no seu medo
do que não é máquina
foge
será que a máquina outra
não era mesmo máquina?
ou será que a máquina eu
no seu medo
não percebeu?

estou só
mas não
estou só

máquina pensa?
de tanto perceber e pensar e sentir e questionar
máquina não-máquina
me percebo só me percebo

paro máquina
paro não-máqu


“o pós-modernismo chegou aos jornais e revistas, caiu na boca da massa. Um novo estilo de vida com modismos e idéias, gostos e atitudes nunca dantes badalados, em geral coloridos pela extravagância e o humor, brota por toda parte. Micro, videogame, vídeo-bar, FM, moda eclética, maquilagem pesada, new wave, ecologia, pacifismo, esportivismo, pornô, astrologia, terapias, apatia social e sentimento de vazio – estes elementos povoam a galáxia cotidiana pós-moderna, que gira em torno de um só eixo: o indivíduo em suas três apoteoses – consumista, hedonista, narcisista.”

A poesia espelho ALTERADO dá a idéia de um homem-máquina. Alguém que não sabe direito o que está acontecendo ao seu redor, que tem muitas informações a serem processadas de forma rápida, fazendo uma relação com a máquina que age por manipulação. Ao mesmo tempo esse alguém se vê questionando ser ou não ser máquina. Alguém num ambiente com outros, aparentemente, iguais e, ao mesmo tempo, totalmente diferentes.

e eu
incapaz de vivenciar
a luz piscante
a dança robótica
a música disritmada
percebo que a máquina
sou eu


Quem é a máquina, ele ou os outros?
Esse alguém se vê refletido num espelho alterado, um espelho trincado, em que a imagem refletida, além de não ser real, é uma imagem distorcida, fazendo questionar qual imagem existe realmente: a de dentro do espelho ou a que está fora. As estrofes da poesia seguem essa mesma lógica. A idéia de que é uma coisa só, mas que refletida nesse espelho trincado fica mais ou menos da forma que está.
A máquina-homem começa a se questionar o por quê das coisas que a cerca

por quê as máquinas dançam?
as máquinas pensam?
essas máquinas pensam?
a música pára?

E ao se questionar, não consegue interagir com as luzes piscantes, a dança robótica, a música disritmada.

me percebo máquina
querendo interagir
com as luzes piscantes
com a música disritmada
com a dança robótica
nicotina e álcool
dos que não são máquinas

A impressão que se tem é que o eu lírico em questão está em crise de identidade e o que ele gostaria é de não ter que questionar, de simplesmente aceitar o mundo que o cerca, assim como os outros que interagem, que não pensam, que não questionam, simplesmente vivem como o mundo ao seu redor os molda. Justamente por pensar em sua condição, este eu lírico não sabe se ele é a máquina ou se os outros é quem são.
Outro ponto importante, é a questão da solidão, muito presente na pós-modernidade. O se sentir só perante tanta coisa. Uma solidão dolorida.

estou só
mas não
estou só

E para fugir dela, máquina ou não, o eu lírico parte em busca de alguém para que, de certa forma, se complete, se encontre.

e a máquina eu
procura a máquina outra

Ao encontrar alguém, percebe que este outro só se interessa por parte do seu eu, ou seja, só pela aparência e não pelo todo.

olhares cruzados
uma máquina?
aparentemente
um contato?
o olhar diz sim
o toque diz sim
a voz da máquina outra
breca a máquina eu
não era o todo

Ao se perceber realmente lidando com algo desconhecido, a máquina (eu lírico) foge da resposta ao se questionar se ela é quem é máquina ou se é o outro. O que ocorre é que não há uma resposta. A construção da poesia é tão robótica quanto o tema abordado. A impressão é que tudo é robotizado, até quando se fala da solidão parece que a máquina não consegue terminar a frase. No exemplo estou só mas não estou só, quando aparece quebrado na estrutura poética fica ambígua, nos dá a impressão que ele começa a construir uma frase e pára, ou seja, quando diz estou só e vai justificar com o mas não estou só é como se parasse na metade de frase a acaba constatando realmente que está só, nos dando a ambigüidade robótica. Outro trecho é construído de forma parecida.

me percebo só me percebo

A frase acima dá duas impressões: de que a máquina acaba realmente se percebendo solitária, se lermos da seguinte forma me percebo só, me percebo. Ou simplesmente, se percebendo como um todo, se pontuarmos de outra forma me percebo, só me percebo

Ao se questionar o tempo todo máquina, não-máquina, o ser ou o não ser e sem sucesso com uma resposta, temos a impressão que todos esses questionamentos se quebram como uma máquina e ao mesmo tempo parece que o espelho se quebrou de vez e a resposta ficou na parte que caiu.

paro máquina
paro não-máqu

Na música interpretada por Simone, também há traços de solidão e individualismo, o universo do novo, da internet, da tecnologia, do passageiro.

sem amor, sem ninguém
sem Rimbaud, sem cem
sem queijo, sem rato
sem beijo, sem Lacan
sem Freud, sem manhã
(...)
tão só, tão tão
tão só, tão tão
tão só, tão tão
tão só, tão tão
tão só”


No pós-moderno o hedonismo é pregado pelos meios como forma de satisfação do indivíduo, talvez até, como forma de fuga ao real, de conceitos existenciais como a solidão, a descoberta do eu.

luzes piscantes
máquinas frenéticas
hálito alcoólico
nicotina pulsante
movimento reflexo
pensamento travado

É justamente nesse ritmo de festa, luzes piscantes, o álcool, nicotina, entretenimento. O indivíduo se vê bombardeado por informações que o deixa sempre ocupado, sempre entretido, anestesiado para questões mais profundas.

“O hedonismo – moral do prazer (não de valores) buscada na satisfação aqui e agora – é sua filosofia portátil. (...) as sociedades pós-industriais, planejadas pela tecnociência, programam a vida social nos seus menores detalhes, pois nelas tudo é mercadoria paga a uma empresa privada ou estatal (...) além disso, há o apelo constante do novo.”

É a busca pelo prazer que a TV e a publicidade vendem. É o consumo exacerbado.

“a massa pós-moderna, no entanto, é consumista, classe média, flexível nas idéias e nos costumes. Vive no conformismo em nações sem ideais e acha-se seduzida e atomizada (fragmentada) pelos mass media, querendo o espetáculo com bens e serviços no lugar do poder. Parcitipa, sem envolvimento profundo, de pequenas causas inseridas no cotidiano (...) Se a modernidade teve intensa mobilização política (duas guerras mundiais, revoluções, guerras anticoloniais), a pós-modernidade se interessa antes pelo transpolítico: liberação sexual, feminismo, educação permissiva, questões vividas no dia-a-dia. Normalmente o indivíduo pós-moderno evita a militância fogosa e disciplinada. Ele é frio, prefere movimentos com fins práticos, nos quais a participação é flutuante e personalizada. Nada de lutas prolongadas ou patrulhamento ideológico.” Pág. 92

Jair Ferreira dos Santos com suas características marcantes como na utilização de metáforas, o uso da linguagem coloquial faz com se seu texto se torne agradável e abrangente ao abordar não só as questões artísticas como também questões individuais em relação a sexualidade na pós-modernidade. Ele fala da permissividade, da diversidade sexual, da pílula e de como se lida com tais assuntos com o advento da pós-modernidade.

“No lugar da família guardiã moral, apoio psicológico, a pós-modernidade propõe ligações abertas tipo amizade colorida. O swing é experiência validade e a educação evolui para o permissivo. A pílula faz recuar o poder paterno. O rei pênis e seus dois assessores impõem menos o sexo genital ante a vaga homossexual e transexual em ascensão. Moral branda, amor descontraído. Sai o tango, entra o rock “amor sem preconceitos, sexo total”.

Com a pós-modernidade, o mundo digital ganhou um amplo espaço. Vivemos no simulacro, no efêmero. Com a câmera, a realidade passou a ser outra, uma realidade fragmentada, um tanto ilusória. O indivíduo busca viver uma realidade similar aos de seus personagens televisivos, baseado no amor eterno, na busca incansável pela felicidade plena, como se a vida fosse fragmentada, assim como na TV. Jair cita o caso da mãe que prefere mostrar a filha na foto (no simulacro) do que exibir a filha real. O signo se torna mais interessante do que o real, pois “o simulacro faz o real parecer mais real, dá-lhe uma aparência desejável”.

“o humor, outra sedução massiva pós-moderna, sabor dos tempos, descontrai e desdramatiza o social. Na arte moderna, ria-se com o absurdo, assunto sério. Atualmente, o lance é rir sem tem~são, descrispar-se, desencucar-se”.

O autor aponta também para a o individualismo do sujeito. Diz que com todas essas características pós-modernas, o narcisismo – o “eu me amo, eu me amo, eu não consigo viver sem mim” está cada vez mais dominante entre os indivíduos e o que sensações isto pode causar neles.

“A condição pós-moderna é precisamente a dificuldade de sentir e representar o mundo onde se vive. A sensação é de irrealidade, com vazio e confusão. (...) no indivíduo, se juntam vazio e colorido na danceteria, tédio e curiosidade ante um filme pornô, frieza e fascinação ante os dígitos na tela de um computador, banalidade e excitação no shopping center”

Quando se pergunta o por quê disso, Jair já antecipa uma resposta:

“Porque no mundo pós-moderno, objetos e informação, circulando em alta velocidade, são descartáveis. Da mesma forma, os sujeitos também produzem personalidades descartáveis”.

As relações se tornaram descartáveis. Não se tolera mais, não se procura compreender o outro, se algo está desagradando, simplesmente se rompe o laço e se descarta. Há pouco espaço para o diálogo, para a discussão e compreensão.
Na literatura muitos autores criaram formas pós-modernas em suas formas narrativas. José Saramago aboliu a forma padrão de narrar. Ele não usa a pontuação conforme as regras, fazendo com que o leitor se atente mais na leitura exigindo um esforço maior para a compreensão; os parágrafos são imensos, atingindo uma, duas ou mais folhas; não exclamações, nem interrogações em suas frases. Hilda Hilst mistura a narrativa da história com os diálogos de personagens, causando um certo desconforto para um leitor desatento. É preciso prestar muita atenção para uma maior absorção da história. Julio Cortazar faz o leitor entrar num labirinto narrativo, num jogo de vai e volta hipertextual, onde o leitor vai seguindo as pistas dadas na narrativa para juntar um quebra cabeça e entender o todo, fazendo com que o começo da história esteja no meio do livro e sua continuação esteja antes e assim sucessivamente.

CIDADEZINHA QUALQUER[6]


Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
Pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.


A referência de Drummond tende a ficar somente na poesia. Nos últimos anos as “cidadezinhas” vêm se transformando em metrópoles com casas entre prédios, ou melhor, as casas sendo substituídas por prédios, edifícios cada vez mais altos e mais pomposos. Não vemos mais mulheres entre laranjeiras e sim mulheres invadindo o mercado de trabalho. Nada mais é devagar, nem o homem, nem o cachorro, tampouco o burro. O que se percebe é a correria. Nas ruas, nos trens, nos metrôs. A correria constante contra o tempo, contra a morte, contra algo que nem se sabe ao certo o que é. No entanto, talvez, o que continuará presente nessa era pós-moderna é a expressão final do eu-lírico: “Eta vida besta, meu Deus”.
[1] Letra de Zeca Baleiro, interpretada pelo próprio e com participação especial de Zé Ramalho.
[2] Marcel Duchamp
[3] http://www.sem/. Letra de Zé de Riba e Romildo Soares, interpretada por Simone.
[4] ANDRADE, Carlos Drummond. Antologia Poética. São Paulo:Record, 2002, p. 193
[5] BERTUCCI, Everson – poesia inédita
[6] ANDRADE, Carlos Drummond. Antologia Poética. São Paulo:Record, 2002, p. 63

Escrito por Everson Bertucci

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 20 - véspera

Oi, diário. É chegada a hora e o dia marcado para sermos felizes. Um dia, aliás vários, em que somos obrigados a estar de bem com a vida. Eu gosto dessa data. Tudo é feito para que possamos nos sentir bem e é assim que eu vou me comportar. Não quero nem saber de pensamentos negativos e decepções amorosas. Aliás, já estou até me sentindo melhor. Acho que é pelo fato de ser a véspera. Prometo que vou me sentir bem, diário. Amanhã. É amanhã.

Autoria: Everson Bertucci

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 19 - trilha da tortura

Por quê minha vida se transformou em “flashs”? Não suporto mais esse compacto dos nossos melhores momentos. Por quê temos que eleger uma música para representar a relação? Agora essa música soa como instrumento de tortura em meus ouvidos, diário. Ela toca na minha cabeça a todo minuto. Chego a pensar que a música é alguma obra maligna. Foi feita exclusivamente para torturar pessoas que se gostam. Não bastasse isso, ela vem acompanhada por “flashs” de nossos momentos felizes. Como numa película de filme de amor, aqueles bem apaixonantes com final impossível. Passei a odiar todos os filmes de amor. Por causa deles eu sofro. Se nunca tivesse visto um filme desses, talvez não soubesse construir na minha cabeça esses malditos “flashs” acompanhado por trilha sonora.

Autoria: Everson Bertucci

sexta-feira, 27 de março de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 18 - vou dançar

Olha, diário, não sei mais o que fazer. Já são cinco dias e nada. Será que ele esqueceu de tudo? Você continua sem falar comigo? Achei que já tivesse passado. Você tem todo direito de não querer falar, mas eu sei que está me ouvindo e isso me basta. Tomei uma decisão. Vou sair hoje à noite. Vou colocar minha melhor roupa, me maquiar, uma produção completa e vou dançar. Vou beijar o primeiro que aparecer. O primeiro bonito, claro. Cansei de esperar. Não tô certa? Hein, não tô certa? ... SILÊNCIO IRRITANTE! Prometo nunca mais falar dele. Vou ficar com outro, fazer ele se apaixonar por mim, depois desprezá-lo para que todos aprendam. Eu sei o que você está pensando, mas isso é justiça. Me deseja sorte?! Por favor! Tá difícil só falar. Queria te ouvir um pouco. Tudo bem, depois te conto tudo.

Autoria : Everson Bertucci

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 17 - greve de silêncio

Oi, diário! Tudo bom? Acho que fui um pouco grosseira com você, né? Queria que entendesse que eu estava sob o efeito do descaso e do... desprezo. Ele ainda não ligou. Será que eu o perdi? Te fiz uma pergunta. Por quê você não responde? Eu compreendo que houve um excesso da minha parte, você sabe que eu sou justa. Entenda, por favor. Agora estou mais calma. Só queria te pedir que não me deixasse só. Eu nunca tinha te visto daquela forma. Você nunca falou daquele jeito comigo. Não sei o que aconteceu. Parece que todo mundo resolveu me punir. Não bastasse ele! Você sempre me ouvia, me apoiava e de repente você começa a tripudiar em cima de mim. E nem tudo era verdade. Uma boa parte sim, mas nem tudo. Sabe, diário, estava pensando, será que eu gosto dele ou só quero que me ligue pra eu não me sentir desprezada? Hein? Não vai mesmo responder? Tudo bem, eu te respeito, mas sinto bastante sua falta. Tchau!

Autoria: Everson Bertucci

quarta-feira, 25 de março de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 16 - asfixia

Ele não me ligou. Ele passou o final de semana inteiro sem me ligar. Como uma pessoa passa três dias sem ligar pra outra? Você tem noção de quanto tempo leva pra passar essas horas pra alguém que está esperando? Ele simplesmente não ligou. Será que você sabe quantas vezes eu respirei nesses três dias? Normal? Normal? Não, isso não é normal. Não é coisa da minha cabeça. Ele deve ter outra, eu sinto. Deve ser a “ex”. Ele deve ter tido uma recaída, foi isso. Será, meu Deus? Não. Acho que não, né? Brigada! Sabe, diário, descobri que as empresas de fósforo mentem pra gente. Eles dizem que vem 40 palitos numa caixinha, mas é mentira. Você acredita que numa das caixinhas tinha apenas 37 palitos? Apenas 37. O cúmulo! Por quê será que ele não me ligou mais? Ele me ligava tanto no começo. É, eu sei que eu reclamava. É que ele me ligava demais. Me irritava! Mas três dias é demais pra mim. O que foi? Você acha? Mas eu já pedi desculpas por tudo. Eu sei que fui intolerante, não precisa ficar me lembrando. Eu sei, eu sei. Sei disso também. Que isso, diário? Você nunca falou assim comigo! Não é justo você usar tudo o que eu te contei pra me recriminar. Isso não é justo. É verdade, eu fiz tudo isso sim. Não foi vingança, já te falei: foi justiça. Você não pode falar assim comigo. Diário, pára com isso! Pára, diário! Já disse pra p... o quê? Nunca imaginei que fosse capaz de me dizer isso! Você p... hã?... Ps... Nã... como? Isso não f... Meu P... eu jam.. ment... Pra mim chega. Tchau!

Autoria: Everson Bertucci

terça-feira, 24 de março de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 15 - recusa

Não aceitou meu convite, diário. Disse que no dia seguinte teria um compromisso e tinha que estar DESCANSADO. Será que eu o canso, diário? Brigada! Eu fiz de conta que entendi pra não criar mais uma situação. Disse que estava tudo bem, que ficava pra outra oportunidade. Então o convidei pra sair no domingo. A mesma resposta: ia ver se dava. Isso não é resposta quando a gente gosta. Sei lá, dissesse outra coisa. É muito descaso. Disse que a gente se falava. Será que ele ainda gosta de mim, diário? Brigada! Vou esperar. É verdade, ele deve me ligar ou então aparecer de surpresa como já fez em outra ocasião, lembra? Foi tão legal aquele dia. Ele deve repetir. Eu vou fazer de conta que nem imaginava que ele fosse me fazer uma surpresa. É isso. Vou planejar tudo.

Autoria: Everson Bertucci

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 14 - convite

Oi, diário! Aparentemente ficou tudo resolvido. Liguei pra ele, disse que estava com saudades, conversamos um pouco e foi assim. Disse que ficou tudo resolvido. MAS É MENTIRA. Eu sinto na voz dele que não está tudo certo. Ele está diferente. O tom da voz não é a mesma. Ele diz que é cansaço. Mas não é. Tenho a impressão que os olhos dele dizem outra coisa, mas não posso vê-los. O que eu faço, diário? Não é coisa da minha cabeça. Tá bom, eu vou te ouvir. Você deve ter razão. Convidei ele pra sair na sexta-feira à noite. Disse que vai pensar. Vai ver se eu mereço. Ele disse assim, brincando. Acho que ele vai aceitar.

Autoria: Everson Bertucci

quinta-feira, 19 de março de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 13 - tarde

Ai, diário, esperei tanto pela noite que agora acho que ela não devia ter chegado nunca. Ah, foi bom, porém, estranho. Nos explicamos, eu disse que estava nervosa e como ele atrasou demais, eu não achava justo perder o filme. Disse que ficou magoado. Que se fosse o contrário, ele teria desistido do filme só pra me esperar. Achei tão romântico, mas não demonstrei. Eu não podia deixar ele pensar que tinha razão. Disse que eu fui grossa quando falei com ele por telefone. Aquela conversa que eu te falei, lembra? Você acha que eu fui grossa? Brigada! Posso te confessar? Naquele momento eu achei que ele não tivesse tanta importância pra mim. Depois que as horas foram passando eu comecei a sentir falta e... saudade. E depois, com a cabeça um pouco mais fria, eu percebi que poderia ter sido menos intolerante. Mas depois que ele falou o real motivo do atraso, aí sim eu me convenci: EU TINHA RAZÃO! Ele simplesmente dormiu a tarde inteira e perdeu a hora. Posso?! Mas disse mesmo assim, que não justificava a minha INTOLERÂNCIA. É, ele usou esta palavra! Você acha, diário, que eu merecia? Brigada! Eu até tentei ligar pra ele no início do filme, mas caiu na caixa postal. Disse que a bateria acabou... no exato momento da briga. Liguei três vezes e nada. Desliguei meu telefone e pensei “vou assistir o filme e nada nem ninguém vai me impedir”. Algumas pessoas começaram a entrar atrasadas e eu ficava olhando pra ver se era ele que havia mudado de idéia. Não era, diário. Acabei ligando o celular de novo e deixei no “vibracall”... para o caso de alguma eventualidade.

Autoria: Everson Bertucci

quarta-feira, 18 de março de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 12 - mensagem patética

Oi, diário! Queria te pedir desculpas. Me alterei um pouco ontem. É que ele me deixa assim as vezes, você compreende, não é? Brigada. Consegui falar com ele. Combinamos de nos falar à noite. Ah, eu fui bem direta e doce: “Está muito bravo, comigo”? Ele disse que não e que aceitaria falar. Riu da mensagem que mandei. Oi? Mandei a mensagem ontem de madrugada. Oi? Promete que não vai rir? Ah, fico sem graça. Acho muito bobo. E depois tenho medo que alguém te abra e leia. Tá bom, vai. “QDO VC STVER EM KSA ME DÁ 1 TOQ. PRECISAMOS ESCLARECER AS COISAS. ACHO Q TIVEMOS NOSSAS RAZÕES. NÃO NOS CONDENEMOS. CHEGA DE SILÊNCIOS”. É tão limitador essa cota de caracteres em celulares! Embora você esteja rindo... ele gostou. Achou poético. Ele não falou, mas acho que foi isso que, de certa forma me salvou. Nunca esperei tanto pela noite.

Autoria: Everson Bertucci

terça-feira, 17 de março de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 11 - infantilidade

(DOMINGO 22H)

Ai, diário, estou em pânico! Acabo de ligar pra ele e não fui atendida. O que faço? Ele está se comportando como uma criança boba. Como “por quê”? Ora essas! Oi? Ele está sendo vingativo comigo, diário. Eu não fiz o mesmo. Eu não quero me desentender com você. Quando eu não o atendi foi por uma questão de justiça e não de vingança. Eu já expliquei, diário. Achei que tivesse entendido. Ah, por favor, venho aqui desabafar e é assim que sou tratada?! Acha mesmo que seria capaz de um ato vil desses, diário? Brigada! Liguei na casa dele e não estava, liguei três vezes no celular e nada. Quem ele pensa que é? Não, diário, não pode ser assim. Custava ele atender o telefone, nem que fosse pra me xingar!? Pensando bem, se fosse pra me xingar... melhor mesmo ele não ter atendido. Será que ele vai me atender um dia, diário? Brigada!

Autoria: Everson Bertucci

domingo, 15 de março de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 10 - vingança

(DOMINGO 19H47)

Meu telefone está tocando, diário. Mas não vou atender. Como “por quê”? Pra ele saber que não é a hora que ele bem entender. Quero que ele sinta na pele o que eu senti. Ai, ai, ai! Ele ligou. Vingativa? Não, não é vingança, é justiça! Mas tarde eu ligo pra ele. Agora estou tranqüila. Vou descansar um pouco e depois, bem mais tarde... eu ligo.

Autoria: Everson Bertucci

sábado, 14 de março de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 9 - mentira

(DOMINGO 18H)

Até agora nada, diário, mas estou melhor. Já passou o pior momento. Nada como uma noite de sono. Mesmo assim quero esclarecer as coisas. Ele é um pouco especial. Ainda não sei, estou confusa. Mas acho que deve haver um papo, mesmo que seja para dar um ponto final. Não, diário, não quero, mas sou forte. Você acha que devo ligar de novo? Não, não responde. Prefiro decidir sozinha. Você acha que ele ainda vai ligar? Brigada!

Autoria: Everson Bertucci

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 8 - compulsividade

(SÁBADO, 22H)

Me convenci que fui dura demais e... liguei de novo, diário. Eu sei que não devia, mas agora é tarde. Como pode uma pessoa te ignorar dessa forma? Você, que já conhece toda a história, diário, acha que devo ser ignorada? Brigada! Mas ele está me ignorando. Oi? Você acha mesmo que ele está com problemas, por isso não me retorna? É, pode ser. Talvez ele esteja com problemas ou o celular esteja no silencioso e ele não tenha visto. É verdade, é possível. Adoro você, diário! Mesmo assim não consigo dormir. Fico pensando na situação... Oi? Acha mesmo que eu devia ter desistido do filme e visto com ele num outro dia? Não, não me arrependo, nem me arrependerei. O filme? Ah, deve ficar em cartaz por mais um mês... mas a questão não é essa. Ah, diário, você está muito questionador, vou tentar dormir.

Autoria: Everson Bertucci

sexta-feira, 13 de março de 2009

O DIÁRIO DE ALICE - EPISÓDIO 7 - vontade inversa

(SÁBADO, 16H)

Oi, diário! Acabo de ligar pra ele e não fui atendida. Não vou ligar de novo. Ele sabe que fui eu, tá com muita raiva. Até compreendo. Será que foi o fim? Você acha que foi o fim, diário? Brigada! Eu sei que fui um pouco dura com ele, mas não vou ligar de novo. Se quiser, que me ligue.

Autoria: Everson Bertucci