terça-feira, 31 de março de 2009

ESTUDO ELABORADO A PARTIR DO TEXTO "O PALEOLHAR DA TELEVISÃO", de Décio Pignatari

Sobre “O Paleolhar da Televisão”
Por Everson Bertucci


Logo de início, O Paleolhar da Televisão, de Décio Pignatari, chama a atenção. Primeiro, pelo título. Paleolhar, um neologismo que faz parar para pensar e fazer uma análise do que poderia ser. Para alguns pode parecer óbvio, mas, às vezes, o óbvio é tão óbvio que cega. Olhando mais de perto conseguimos relacionar com o paleolítico, com a era da pedra lascada.
Segundo, pela escrita, pelo jogo bem posto de palavras, de frases, das relações feitas, pela vontade de ler o texto em voz alta. Desperta uma vontade de decodificar logo no primeiro parágrafo os símbolos existentes.

“Embora em cores, continua azul a luz que o cinescópio irradia no ambiente, caverna platônica às avessas: o mundo entra casa a dentro e projeta nas paredes as sombras dos cavernícolas mesmerizados.”

Cinescópio? Caverna platônica? Cavernícolas mesmerizados? Luz azul? Bem, dá a impressão que ele “fumou um baseado e tá doidão”, mas, fumado ou não, o fato é que o texto não é de fácil entendimento. Pressupõe-se um certo repertório para conseguir fazer a decodificação. Relações com o “Mito da Caverna”, a “Era Paleolítica”, “Hamlet”, e outras que aparecem ao longo do texto. Algumas de simples relação, outras nem tanto, como o “soma huxleyano”.
Terceiro, pela informação contida no texto, pela relação TV x DROGA feita por ele.

“As pessoas se apaixonaram pelos quadrinhos, pelo rádio, pelo cinema, pelo rock – mas ninguém se apaixona pela televisão. TV não é questão de obsessão, paixão ou afeição: é questão de vício. Vicia-se pela televisão, como se vicia em açúcar, fumo, maconha, coca e outros da área farmaco-dependente.”

Décio defende que a TV gera, em quem assiste, uma dependência muito próxima à da química. O filme “Réquiem Para um Sonho” faz uma analogia muito próxima à de Décio. Na ficção, mãe e filho são dependentes químicos. O filho é viciado em drogas e no desenrolar da história ele vai aumentando cada vez mais as doses para se satisfazer. A mãe, viciada em TV, recebe uma ligação, de um programa, dizendo que em breve poderá participar do programa. Entusiasmada com a possibilidade de “ser vista”, ela precisa entrar nos moldes da TV. Percebe que está gorda demais para isto e começa uma corrida contra o tempo para entrar no vestido mais bonito que tem e que não serve mais. Para isso, começa a tomar remédio para emagrecer e continua grudada no sofá assistindo seus programas favoritos. Com o passar dos dias, a mãe começa a apresentar sintomas muito próximos aos do filho. “Réquiem Para Um Sonho” faz um paralelo entre mãe e filho, entre droga lícita e ilícita. Mostra o poder que a TV tem de influenciar, de iludir, de persuadir, de controlar o indivíduo viciado, fazendo com que este nem perceba o que está acontecendo e que se sinta feliz e realizado com ela.

“Quem não assiste a televisão não pertence à seita dos “haxixins”

A vida passa a ser o que a televisão mostra. É ela quem levanta as questões que serão discutidas pelos cavernícolas, nos bares, no trabalho, no futebol, nas reuniões familiares. Entende-se que a TV acaba sendo a fornecedora do “repertório” do dia-a-dia. Ou seja, quem não utiliza essa “droga”, fica excluído.


Quarto, a poesia.

“olho quase extra-terreno feito de gotas audiovisuais sonoras, desferidas por um chuveiro pirotécnico de elétrons coloridos. (...) o olhar da televisão é endoscópio, cateter que penetra nos divertículos mentais e emocionais do dia-a-dia urbano, é o “soma” huxleyano dos “urbanitas” (...) olhar no olhar, amorosa retina cretina (...) o olho crocodílico da televisão cola e bricola (...) o berço explêndido do gigante é o analfabetismo”


Décio Pignatari utiliza em seu texto suas experiências e influências advindas da linguagem que culminou no Concretismo, movimento que incorporava recursos visuais e a fragmentação das palavras e do qual, juntamente com Haroldo e Augusto de Campos, ajudou a fundar.
O Concretismo abolia o verso tradicional, as poesias eram feitas quase tão somente de substantivos e verbos, além da utilização de paranomásias (retina cretina / cola bricola), neologismos (paleolhar / midiacamento), estrangeirismos (soma huxleyano / software), valorização do som, forma visual, carga semântica (gotas audiovisuais sonoras / elétrons coloridos / chuveiro pirotécnico).
Todos estes traços fazem com que o texto se torne agradável, inteligente, e empolgante ao abordar uma questão tão relevante.
Sexto. Embora com um olhar europeizado, Pignatari levanta questões muito significativas.

“Iconicamente falando, somos bastante alfabetizados, via Globo/Embratel – mas nós fomos da voz à imagem, passando por cima do jornal e do livro, software básico das sociedades avançadas”

Uma sociedade avançada não poderia passar pela imagem e depois pelo jornal e o livro? Não poderia ser uma questão de diversidade social, sem ter que, necessariamente, copiar uma sociedade avançada existente? Enfim...
Sétimo. O despertar para a reflexão tanto do que é arte, quanto para pensar uma nova geração “educada” pela TV.

“Quando seduz, é arte. Quando vicia, é antiarte (...) o homem está interessado no consumo, não na produção”

O que vale é o consumo exacerbado, pregado pela TV antiartística-viciante. Não interessa a origem do produto. O ideal é estar vestindo, comendo, utilizando e lendo o que a TV “sugere” ser bom. É o prazer pelo prazer.
Por fim, a hipertextualidade. “O Paleolhar da Televisão” abre um leque gigantesco que nos conduz desde os primórdios, passando pelo imaginário até a atualidade multimidiática, despertando muitos questionamentos sobre um futuro imaginável... mas nem tanto.
Como será o mundo dessa nova geração “educada” pela TV? Como será o mundo futuro sem o contado direto entre os indivíduos, sem as histórias contadas no quarto pelos avós, pelos tios, pelos pais? Como será o mundo em que a TV fará parte das reuniões de família, o mundo em que a TV, e não mais os pais, se torne a conselheira, a companheira, a referência?
A TV tornou-se um canal de fuga. Quando se quer fugir da solidão, das questões existenciais, do desconhecido, do inconsciente, do silêncio gritante... liga a TV.

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