segunda-feira, 30 de março de 2009

ESTUDO ELABORADO A PARTIR DO TEXTO "", de Paula Sibília

O BLOG E A FICÇÃO

“Os autores de blogs e outros gêneros confessionais parecem ótimos exemplos dessa nova classe em expansão: os artistas sem obras. Talvez todas essas imagens auto-referentes e esses textos intimistas que hoje atordoam as telas tenham uma meta prioritária: permitir que seus autores se tornem artistas – ou melhor: celebridades. Essas novas formas de expressão e comunicação seriam uma mera desculpa para que os usuários da Internet (entendidos como “qualquer um” ou “gente comum”) possam criar e desenvolver à vontade aquilo que seria sua principal e verdadeira obra, isto é: sua própria personalidade” [pág. 8]

A questão listada acima por Paula Sibilia, recentemente, foi discutida no cinema. Murilo Salles, trata justamente desse universo “bloguista” em seu longa “Nome Próprio”, baseado em relatos do blog de Clarah Averbuck, assim como em seu livro “Máquina de Pinball”, que se iniciou na internet. No filme a personagem protagonista se chama Camila. Ela acaba de ser expulsa de casa pelo namorado que descobre que está sendo traído. Inconformada com o término, Camila passa a enviar e-mails para o ex-namorado na esperança de ser perdoada. Sem sucesso com as tentativas, cria um blog e começa a relatar toda a sua angústia e desespero amoroso. Aos poucos, Camila se vê envolvida em outras aventuras amorosas e sempre relatando suas novas investidas afetivas entre cigarros, drogas e bebidas alcoólicas, num universo sujo, solitário e dolorido.
A Camila do filme passa a ser personagem dela mesma. É um jogo de ficção dentro da ficção.

“convém esboçar algumas interrogações: estas novas formas de expressão e comunicação – blogs, fotologs, videologs, webcams – deveriam ser consideradas vidas ou obras? Todos esses textos auto-referentes e essas cenas da vida privada que agitam as telas interconectadas pela rede mundial de computadores, mostram a vida de sues autores ou são obras de arte produzidas pelos novos artistas da era digital? É possível que sejam, ao mesmo tempo, vidas e obras? (...) cabe indagar se todas essas palavras e essa aluvião de imagens não fazem nada mais (e nada menos) do que exibir fielmente a realidade ou se, ao contrário, criam e expõem diante do público um personagem fictício” [pág. 2]

A Camila fica dividida entre o que é sua vida real e o que ela relata no blog, sua maneira ficcional de escrever sobre si mesma. O que parece acontecer é que Camila cria uma outra Camila quando escreve. Todo esse jogo fica melhor esclarecido quando na última cena do filme nos deparamos com duas Camilas. Uma está em sua sala, em frente ao computador, escrevendo e enquanto escreve o espectador vê na tela seus escritos. Ao lado tem uma outra Camila, meio deprimida, que fuma e bebe cerveja num canto da sala. A Camila escritora observa a Camila “gente comum” e a partir daí escreve suas frases. Em determinado ponto as duas Camilas se levantam se dirigem à frente da câmera e olham diretamente para a lente, como se olhasse diretamente para o espectador, levantando uma questão: quem é quem? Ou quem é personagem de quem? Quem é personagem e quem é real? Quem assiste e quem é assistido?
O próprio Murilo Salles fala sobre suas Camilas

“(...) Como eu estava brincando com essa questão do quê é narrado e o quê é vivido por Camila, pelas duas Camilas, eu transformei o filme em “Uma História Real”. Eu estava brincando com esse conceito, do quê que é verdade, o quê que você posta num blog e o quê você vive na vida real; de como a gente se ficcionaliza. Porque, no final das contas, é essa a questão.”

O diretor de arte de “Nome Próprio” fala também sobre a importância das frases serem exibidas na tela, como se o espectador estivesse na frente do computador lendo o blog

“ele (o filme) conta uma história sobre coisas que estão no seu imaginário. Precisei construir a palavra escrita porque estamos falando de Literatura – eu literalmente precisava colocar palavras na tela, pois o texto dito e o texto lido são diferentes, têm outro tempo”


O DIÁRIO ENQUANTO ARTE

Quando se pensa ou se fala em diário, logo se pensa em intimidade. Algo íntimo e pessoal que diz respeito apenas a quem escreve e que desperta uma curiosidade incrível no outro. É quase impossível se deparar com um diário ou ouvir alguém dizer que escreve um diário sem sentir uma vontade incontrolável de saber o que o outro pode ter escrito.
Com essa nova era digital a intimidade vem perdendo espaço no que diz respeito aos diários. O que era de cunho íntimo e secreto antes, hoje é justamente o contrário. Diários e mais diários são escritos com o intuito justamente de que sejam lidos pelo maior número possível de pessoas. É assim na internet, seja através de blogs ou videologs.
Muitas pessoas sentem a necessidade de dividir suas experiências com outras. Entre em ação o egocentrismo, falar exacerbadamente sobre si: aventuras, amores, decepções, solidão, desespero, sexo, segredos. É uma necessidade em dividir experiências com o outro, principalmente quando o outro é um estranho. Alguém que nunca se viu e, provavelmente, nunca se verá.
Toda essa demonstração do eu acaba por transformá-lo num personagem. Difícil se policiar e distinguir entre o eu autor, narrador e personagem.

“(...) trata-se de uma unidade ilusória construída na linguagem, a partir do fluxo caótico de cada experiência individual. No entanto, é um tipo bem especial de ficção, pois além de se desprender do magma real da própria existência, acaba provocando um forte efeito no mundo: nada menos que o eu de cada um. (...) é uma ficção necessária, afinal, pois somos feitos desses relatos: eles são a matéria que nos constitui enquanto sujeitos. A linguagem nos dá consistência e relevos próprios, pessoais, singulares; e a substancia que resulta desse cruzamento de narrações se (auto) denomina “eu”. A experiência de si próprio como um eu se deve à condição de narrador do sujeito, alguém que é capaz de organizar a sua experiência na primeira pessoa do singular. Mas tal sujeito não se expressa unívoca e linearmente através de suas palavras; ao contrário disso, ele se constitui na vertigem desse córrego discursivo”

A indústria cinematográfica tem se utilizado desses relatos “íntimos” para lotar salas de cinemas no mundo todo. De maneira, na maioria das vezes, cômica os diários tomam as telas despertando a curiosidade em milhares de pessoas por histórias da intimidade alheia, como “O Diário de Bridget Jones”, “Diário de Uma Paixão”, “Diário de Uma Babá” entre outros filmes.
É claro que os diários inspiraram obras também relevantes, tanto na literatura quanto no cinema. Filmes como “O Diário de Anne Frank” e “Diários de Motocicleta”, são obras de maior relevância por se tratar de temas importantes, como a Segunda Guerra Mundial e a viagem que Che Guevara fez pela América do Sul, respectivamente.
Até que ponto esses diários podem ser considerados arte? Será que podem ser considerados assim?
Um outro exemplo significante é “O Diário de Frida Kahlo”. A artista não tinha a intenção de escrever uma obra de arte e sim escrever sobre suas dores, seu amor por Diego Rivera, sua impotência física por não poder gerar um filho, alguns esboços de futuras obras etc. Seu diário acabou se tornando um importante fator para se entender melhor seus quadros.
Pode-se dizer que Frida era uma artista centrada em si mesma como ela mesma dizia “pinto a mim mesma porque sou sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor”. Frida pintou inúmeros auto-retratos simbolizando suas angústias, seu interior, suas decepções, o mundo que a rodeava, a impossibilidade de ser mãe e, principalmente, sobre as seqüelas físicas e psíquicas, decorrente do acidente de bonde sofrido aos 18 anos, presentes em seu corpo durante toda a vida.
Se tornou um ícone da pintura não só pelo talento e expressividade ao trabalhar com símbolos indígenas, populares, religiosos e mitológicos da cultura mexicana, mas também por ter transformado, de certa forma, toda sua vida em arte. Em seu diário pode-se encontrar frases de extrema euforia e esperança como quando teve seu pé amputado “pés, para que os quero, se tenho asas para voar”, assim como frases de dor, de descrença e sofrimento “espero ter uma partida feliz e espero nunca mais voltar”.
O diário desta artista se tornou um objeto de estudo para especialistas em arte com o intuito de desvendar, através da intimidade, todos os elementos simbólicos contidos nas artes plásticas de Frida Kahlo: as cores, os símbolos, as poesias e cartas direcionadas ao conturbado relacionamento amoroso com Rivera e seus relatos pessoais referente ao próprio corpo maltratado.
Com o surgimento da fotografia, e em conseqüência, o cinema e, posteriormente, a televisão uma grande mudança ocorreu na questão da intimidade. Antes a intimidade era vista de outra forma e numa proporção bem pequena. Em relação a diários, por exemplo, não se tinha uma grande exposição como há hoje.

“Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
Pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus”.

Na poesia “Cidadezinha Qualquer”, de Carlos Drummond de Andrade pode se notar como a intimidade do outro é observada num outro contexto. É possível observar a vida do outro, mesmo num outro contexto, através das “janelas”. Com a cultura da imagem “as janelas” se transformam. As de Drummond se transformaram em telas, seja do computador, do cinema ou da televisão. A observação da intimidade do outro passou a ser feita através destes veículos num ritmo totalmente oposto ao do poema, ou seja, com a maior rapidez possível. O que não mudou, talvez, foi somente a conclusão final do eu-lírico “eta vida besta, meu Deus”..

O SEXO E O EU NA WEBCAM

Com a chegada da internet e a possibilidade de conexão com outros indivíduos, estando eles em qualquer parte do mundo, o sexo ganhou um novo meio tanto para encontros ocasionais somente para satisfazer o corpo - sem compromisso, e pela praticidade, provável, das partes nunca mais se verem - ou simplesmente pela prática “solitária-virtual”.
Nestas práticas cibernéticas a indivíduo se sente liberto de seus pudores e mais a vontade para falar e fazer coisas que não teria coragem de fazer em outros ambientes. Talvez, possa-se dizer que ele expõe o seu verdadeiro eu, ou simplesmente ou eu que não lhe é habitual – pelo menos socialmente.

“Assim, a noção de intimidade vai se desmanchando: deixa de ser um território onde imperavam (e deviam imperar) o segredo e o pudor, para se tornar um palco onde cada um pode (e deve) encenar o show de sua própria personalidade.”

Diante de uma tela de computador, parece que o indivíduo se liberta de conceitos religiosos e familiares relacionados ao sexo. Na frente dela, se despe de pudores, moralismos e deixa aflorar seus desejos mais íntimos e secretos. O fato de estar se relacionando pela internet o faz ter a impressão de que aquelas pessoas também estão despidas dessas hipocrisias sociais, igualando-os, e também pelo fato de que não terão nenhum laço social ou afetivo – embora possa haver exceção.
Há também uma necessidade de exibição da própria imagem, uma necessidade em exibir o corpo, principalmente as partes mais atrativas sexualmente: boca, bunda, pênis, vagina e seios. Tudo isto numa busca incansável pelo prazer momentâneo ou pela perfeição do corpo, num jogo de criação de eus

“O corpo e os modos de ser constituem superfícies lisas nas quais todo e qualquer sujeito (...) transformando-se em um personagem capaz de atrair os olhares alheios é necessário ficcionalizar o próprio eu para realizá-lo, para lhe conceder realidade, como se estivesse constantemente emoldurado pelo halo luminoso de uma tela de cinema ou TV, como se vivesse dentro de um reality-show ou nas páginas brilhosas de uma revista de “gente famosa”, ou como se a vida transcorresse sob a lente incansável de uma webcam.”

A webcam possibilita ao indivíduo criar um cano de escape para a solidão. É como se a webcam se transformasse numa companheira fiel do sujeito trazendo companhias diversas e descartáveis num frenético e constante reality-show. Muitas vezes o indivíduo se torna escravo deste universo vicioso e, porque não dizer, nocivo. É a necessidade de ver e de ser visto. A câmera ligada somente não basta, ele tem a necessidade de saber que está sendo visto por alguém e de preferência que o número de espectadores seja sempre o maior possível para que ele se sinta real, existente. Há uma necessidade em existir.

“Se ninguém viu, simplesmente não fomos (não existimos?). Nessa solidão que parece intrínseca ao ser humano residiria o grande abismo que nos separa das personagens, que muitas vezes também parecem estar na mais completa e terrível solidão.”

Autoria: Everson Bertucci

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