quinta-feira, 9 de abril de 2009

BICHOS NO METRÔ - Humor

BICHOS NO METRÔ

O celular despertou muito cedo.
-- bosta de vida!
Acordei. Liguei o piloto automático, desliguei o despertador, levantei, me troquei, escovei os dentes, comi qualquer coisa, peguei minha mochila-pen-drive-carteira-canetas-marmita-água-escova-de-dente-colírio-óculos-máquina-fotográfica-revistas-biscoito e fui trabalhar.
No trabalho, a rotina mortificante de sempre. Fim do dia. Felicidade, enfim. Durmo no trajeto até a faculdade. Fim da aula. Sigo até o metrô. O piloto automático sempre ligado. Pessoas, prédios, carros. Ouve-se muito barulho. No fim é tanta coisa que tenho a impressão, à noite, que não vi nada durante o dia.
Desço as escadas da estação Ana Rosa, passo pela catraca e me direciono à plataforma. Estou cansado. O metrô se aproxima, pára, abre as portas e num átimo de segundo sou arremessado para dentro. Foi tão rápido que só me dou conta que estou no vagão quando sinto meu rosto grudado no vidro de uma das portas.
Após um certo esforço, consigo virar meu rosto para trás para ver o que acontecia e para minha surpresa e espanto não havia pessoas no vagão. Apenas bichos. Pareciam selvagens. Vacas, cavalos, éguas, galinhas, veados, muitos burros, um elefante e uma girafa. Eram grunhidos, relinches, mugidos e outros tantos sons misturados que mal podia distinguir seus emissores.
Não sabia o que fazer, nem como reagir. Preferi ficar imóvel, esperando pacientemente pela morte. Percebo que há um entre eles, que foram se dividindo em núcleos. As galinhas cacarejavam entre si, os burros se reuniram num canto, a girafa e o elefante se juntaram nas poltronas cinzas, as vacas mugiam demonstrando uma certa felicidade e os veados ficaram sentados e quietos numa posição muito reservada.
Estava começando a ficar tranqüilo quando uma égua deu uma virada e sua crina veio de encontro direto com o meu rosto. Aquilo queimou minha face. Senti uma vontade de xingar ou mesmo de esmurrar, mas fiquei intimidado pela possibilidade de levar um coice fulminante do cavalo que a acompanhava.
Ao parar na estação São Joaquim a situação piorou. Mais bichos foram empurrados para dentro do vagão e aquilo virou uma lata de sardinha. Fiquei prensado entre um burro, um cavalo e uma égua. Os pêlos do cavalo, que eram de uma espessura grosseira e de um cheiro insuportável, começaram a me incomodar - embora não desse para saber se o mal cheiro era do burro ou do cavalo. Da égua não digo, pois parecia bem limpa e muito bem cuidada.
Tudo estava indo bem até que umas galinhas, distraídas, pisaram no joanete da girafa, que ficou irritadíssima. Começaram uma discussão ofensiva. Identificava-se apenas os gritos. As outras galinhas entraram na discussão. O elefante tentou apaziguar, mas foi totalmente ofendido por uma das galinhas, surgindo então uma nova discussão. Travaram uma briga ferrenha até que uma galinha foi arremessada na porta. Viu-se apenas seu deslizar até o chão, desmaiada. Os cavalos acharam aquilo de uma selvageria sem fim e se intrometeram na briga.
-- vaca!
-- galinha!
-- veado!
-- cavalo!
-- égua!
-- girafa!
-- elefante!

Para a minha sorte, ao chegar na estação da Sé as portas do lado onde eu me encontrava foram as que se abriram. Saí apressado, tentando fugir daquela selvageria. Ao olhar para trás, noto que todos aqueles bichos saíam acelerados do vagão. O elefante enfiou o pé entre o vagão e a plataforma e esparramado no chão foi pisoteado. Por um momento senti vontade de ajudá-lo, mas fui impedido pelo arrastão de bichos vindo em minha direção. Corri até a saída e finalmente passei pela catraca. Estava a salvo, pensei, eles não conseguirão atravessar. Fui para um canto e, tremendo, fiquei olhando.
Para meu desespero, todos eles também começaram a atravessar a catraca. Fechei os olhos e aproveitei para pedir, resumidamente, perdão a Deus por todos os meus pecados. “Ave Maria, cheia de graça, o senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres”... Começou a demorar e nada de um ataque. Nenhuma agressão, nenhum coice, nada. Resolvi abrir os olhos e ver o que estava acontecendo. Surpresa: ao atravessar a catraca, todos aqueles bichos mudavam de comportamento. O jeito, os gestos. Nenhum sinal de agressividade. Passavam direto por mim e seguiam em frente. Pareciam não ser mais os mesmos. Cada um seguindo distintos caminhos. Uns apressados, outros, nem tanto. Não pude evitar as interrogações.
Saí correndo da estação à procura de um espelho.

Autoria: Everson Bertucci

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